
Quando falamos sobre o período do Estado Novo, que decorreu entre 1933 e 1974, há várias realidades a ter em conta, uma vez que as décadas pela qual o regime político ditatorial passou tiveram elas próprias os seus acontecimentos, quer apenas em Portugal ou a nível global. Esta história, nestas páginas, tem apenas uma protagonista – a mulher –, mas até ela viu a sua realidade ser alterada consoante o momento em questão. O único denominador comum? A mulher era sempre vista como inferior ao homem. Inclusive no âmbito profissional.
“A realidade vai variando ao longo do Estado Novo”, conta Ana Sofia Ferreira, autora do livro Entre a Tradição e a Modernidade: A Vida Quotidiana no Estado Novo. Primeiro, as coisas foram mudando ao longo de diferentes anos, os avanços industriais ou os conflitos acabaram por fazer a realidade da mulher mudar nas décadas de 50 e 60. “Nos anos 60, com a vaga de emigração e com a guerra colonial, que leva muitos homens a deixar o país, as mulheres começam a entrar em massa no mercado de trabalho. Além disso, a industrialização e modernização do país, que começou nos anos 50, também procurou mão-de-obra feminina, mais barata, pois as mulheres usufruíam de salário inferiores aos dos homens”, continua.
A classe social da mulher também era um ponto importante a ter em conta, porque há um grupo de mulheres que não só tinha de trabalhar, como tinha uma rotina bastante dura. “No caso das mulheres do povo, no geral, a vida era dura, extremamente difícil, a trabalhar longas horas por dia, fosse na fábrica, na agricultura, na pesca, nas minas, a vender peixe. As mulheres do povo sempre trabalhavam e desempenham os mais variados tipos de trabalho, com salários extremamente baixos. É de notar que os trabalhos que as mulheres desempenham são quase sempre os menos qualificados e os de menor rendimento”, diz Ana Sofia. Claro que, a juntar a este trabalho estava sempre outro, este sem qualquer remuneração. A mulher continuava a ser a responsável por cuidar da casa e dos filhos sem qualquer ajuda do marido, que ao fim de um dia de trabalho optava por passar tempo com os amigos no café.
Isabel Alçada, professora, escritora e política portuguesa, que atuou como ministra da educação entre 2009 e 2011 e é atualmente consultora da Casa Civil do Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa para a área da educação, lembra exatamente esta realidade. “Não me lembro de nenhuma mulher da minha família trabalhar e depois convivi com pessoas durante toda a infância que tinham um estilo de vida familiar semelhante ao meu. Quando as crianças se dão conta da realidade, pensam que todos os outros vivem como elas, não temos consciência de que, por exemplo, a minha mãe não trabalhava, mas havia mulheres lá em casa que trabalhavam”, conta Isabel à Forbes, lembrando que as mulheres também trabalhavam como empregadas domésticas naquela altura.
Punidas por trabalhar
Algumas áreas profissionais acabaram por se tornar exceções à regra no que ao trabalho diz respeito. A determinada altura, as mulheres começaram a chegar a profissões como telefonista, enfermeira, hospedeira de bordo ou professora. Algo que não veio sem alguns condicionantes.
“O casamento era proibido para algumas profissões, como as telefonistas, as enfermeiras e as hospedeiras de bordo. O Estado Novo considerava que cabia ao homem o papel de chefe de família, tendo a responsabilidade de a sustentar. Os argumentos para justificar estas proibições baseavam-se na salvaguarda da saúde e moralidade da mulher, mas, sobretudo, na defesa da família. Existia ainda uma outra profissão com condicionantes ao casamento, que era as professoras do magistério primário, que tinham de pedir uma autorização para se casarem ao Ministro da Educação Nacional”, explica Ana Sofia.
Isabel Alçada percebeu que poderia optar por uma carreira profissional em 1967. “Houve uma conferência na Faculdade de Direito sobre o papel da mulher na sociedade contemporânea”, conta. “Para mim foi uma revelação, porque as mensagens que ali foram passadas eram precisamente que as mulheres deviam assumir a atividade profissional, deviam trabalhar, porque só se trabalhassem é que podiam ser realmente autónomas e terem de alguma forma de regular e controlar o seu próprio destino, e isso era uma coisa que não era muito clara na cabeça sequer das raparigas, nem dos rapazes”.
Nesta conferencia tomou consciência de que o trabalho e os estudos eram algo muito importante para o seu futuro. Mas não ficou por aí. “A meio da sessão, houve alguém que começou a falar da Guerra Colonial e entrou o diretor da faculdade e disse que tinham de ir embora porque não estava autorizado o debate sobre aquele tema. Eu nunca tinha estado perante uma situação em que havia proibição de abordar um tema. Eu tinha uma família que, embora fosse muito tradicional na forma como vivia, era muito aberta no debate em casa. Comecei a interessar-me mais pela política também: porque é que isto acontece?”, diz.
Para as mulheres que não seguiam a norma da altura, as punições eram várias. A começar pela exclusão social e familiar. Com a sua honra, dignidade e moral colocadas em causa e com esta pressão junto da própria família, a maioria das mulheres acabavam por se sujeitar ao que estava imposto sem questionar.
“Por exemplo, uma mulher que decidisse se separar ou divorciar, era arredada do convívio familiar e social e considerada pelos homens um alvo fácil de assédio sexual. Uma rapariga que tivesse relações sexuais com um rapaz antes de casar era considerada uma leviana e uma prostituta e, muitas vezes, expulsa de casa. O mesmo acontecia a raparigas que engravidavam sem ser casadas, que se viam com uma criança para cuidar sem apoio familiar e sem rendimentos, pois era comum serem despedidas do trabalho. A nível legal, havia atenuantes penais para um homem que matasse a mulher que tinha cometido adultério, recebendo penas irrisórias, enquanto as mulheres estavam sujeitas a penas pesadas”, explica Ana Sofia.
Ainda assim, houve quem tenha decidido ir contra tudo isto.
O Estado Novo acabou com todas as organizações de mulheres que tinham sido constituídas durante a I República e apesar de algumas mulheres terem continuado a sua luta junto da oposição, apenas voltou a existir uma organização de mulheres em 1968: Movimento Democrático Unitário (MDM). “Estas mulheres tinham consciência da discriminação a que as mulheres eram sujeitas em Portugal, no entanto, foi difícil colocar os direitos das mulheres como uma reivindicação autónoma, pois a prioridade na época era a luta contra a ditadura e contra a guerra colonial”, explica Ana Sofia.
E não existiam apenas os grandes movimentos, existiam também as pequenas atitudes que começavam a mostrar que o conformismo não era uma opção. “Na minha rua havia uma pastelaria onde iam as mulheres e os homens, servida por homens, e do outro lado havia um café onde só entravam homens. Eu, nessa altura, comecei a tentar desafiar um pouco a ordem, e comecei a ir a esse café sozinha, mas ficava muito frustrada porque ninguém ligava nenhuma, sabiam quem eu era”, conta Isabel, que, ainda assim, já mostrava que não iria seguir o mesmo caminho que grande parte das mulheres que conheceu até ali.
Abril!
Com mais ou menos avanços em determinados momentos, a mudança só chegou em 1974, quando a revolução saiu à rua.
“Havia uma atmosfera de permeabilidade e contacto entre as pessoas. Nos dias seguintes do 25 de Abril, as pessoas viam gente na rua e davam boleia. A ideia da fraternidade, já não era só solidariedade, era fraternidade. Nós estávamos unidos na alegria de ter recuperado a liberdade que tínhamos perdido com o Estado Novo e estávamos com a esperança de construir um mundo novo, um país novo, com potencialidades”, lembra Isabel.

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A grande vitória depois da madrugada que mais marcou a história de Portugal? A lei, a igualdade de direitos na constituição. “Os direitos das mulheres são sempre resultado de uma luta. Todos os nossos direitos tivemos de os conquistar. Com o 25 de Abril, a igualdade e dos direitos sociais, económicos e políticos das mulheres ficaram inscritos na legislação”, afirma a escritora.
Se houve alturas em que o pai de Isabel Alçada e incentivava a uma vida de dona de casa, com um homem responsável pelo sustento da família, ou o tio de Maria Benedita Urbano, juíza do Tribunal Constitucional, a tentava afastar da área que hoje exerce porque a proximidade aos advogados a poderia colocar numa posição em que ficaria mal vista a nível social, a partir de um determinado momento as mulheres passaram a ter o direito de decisão sobre os seus próprios futuros. Apesar de nada disto ser literal, como conseguimos entender a partir de uma simples medida: “O direito ao aborto só foi conseguido após 30 anos de luta das mulheres, num país onde se realizavam cerca de 100 mil abortos clandestinos por ano”, lembra Ana Sofia.
Pegando em áreas como a educação, literatura, política ou magistratura, é importante perceber o que efetivamente mudou na vida profissional das mulheres ao longo dos últimos 51 anos.
A importância da educação
Na área da educação, a grande mudança prende-se com a expansão e abertura do ensino nos mais variados níveis. “O principal num sistema educativo é ter todos no sistema educativo”, defende Isabel. Eram várias as crianças que nem sequer passavam da porta da escola, além de que a partir de certa altura várias meninas paravam de estudar para se dedicarem às tarefas domésticas. Os professores também enfrentavam a sua dose de complicações. Os professores dos mais novos ficavam com a responsabilidade de dar aulas aos quatro níveis do ensino primário, sendo que tinham uma sala apenas para rapazes e uma outra só para as raparigas. “É péssimo porque não conseguem ajustar o ensino ao desenvolvimento e à aprendizagem dos diferentes miúdos que têm na frente”, explica a ex-ministra.
Outro problema que levava a esta inacessibilidade à escola, era o facto de existirem poucas escolas e poucos meios de transporte para levar as crianças. Hoje em dia, os edifícios são melhores, existe uma rede de transportes e há vários materiais e espaços acessíveis aos alunos nos recintos escolares, como as bibliotecas ou os computadores.
A educação pré-escolar é um outro ponto bastante importante. E algo que não existia em Portugal antigamente. “A educação pré-escolar é um fator de desenvolvimento individual, o estímulo dos educadores de infância leva a que as crianças, na fase em que absorvem mais informação e que estão a configurar os circuitos neurológicos do cérebro, ao receberem informação e ao terem estímulos, tenham um desenvolvimento enorme”, diz Isabel.
Apesar das mudanças, é necessário que se continue a defender a importância da educação. Até porque há ideias a emergir que defendem o contrário. “Às vezes fico um bocado triste de ouvir pessoas dizerem ‘em Portugal todos querem ser doutores’. Porque ser doutor era considerado um privilégio. Não é um privilégio, é um direito e todos deviam ter essa possibilidade. Quanto mais qualificada for a pessoa, melhor exerce a profissão que escolheu”, defende Isabel.
A ideia de “formação a mais” não existe e não acaba por ser a causa da fuga de talentos a que se assiste atualmente em Portugal. O que existe, segundo a escritora, é uma dificuldade de a economia acompanhar o enorme crescimento da educação.
Entre letras
Ao longo de vários anos ligada à educação conheceu muitas realidades, desde a altura em que teve de introduzir os livros para crianças na biblioteca da escola onde dava aulas até ao momento atual. O seu trabalho foi de tal forma impactante que a levou a um lugar como ministra e ao cargo que hoje desempenha. Mas a área que a tornou um nome mais conhecido do público foi a literatura, em particular os livros “Uma Aventura”, que escreve com Ana Maria Magalhães.
Também aqui as coisas mudaram um pouco, apesar de, ao contrário dos testemunhos de outras autoras portuguesas, nunca ter sentido qualquer discriminação relativamente ao seu género. Já em relação ao género que escreve, a conversa foi diferente.
“Tive dificuldade de arranjar a editora. Quando escrevemos o primeiro livro, fomos a uma editora que não quis. Preferiam traduções porque aí já havia uma maior segurança que o investimento ia ter retorno. Foi só à quarta editora que nós conseguimos. Mas também lhe digo, nós somos as duas muito persistentes e se não nos tivessem querido publicar a quarta editora, íamos à quinta e à sexta e depois voltávamos à primeira até conseguir, porque nós não desistimos”, conta.
Ao longo da sua carreira, Isabel, com a sua parceira de escrita, escreveu livros com foco na igualdade de género e livros onde, apesar de esse não ser o tema de destaque, a ideia estava subentendida. “Nas nossas aventuras as mulheres são iguais aos homens, têm os mesmos direitos. As gémeas têm imensa iniciativa”. E depois há obras como “O Longo Caminho para a Igualdade” ou “Livres e Iguais”.
A política acabou por surgir no seguimento de tudo aquilo em que acredita. “A minha ideologia radicava-se sempre na justiça social e na liberdade. A minha ideia não era tanto uma intervenção política, eu pensei ser jornalista a certa altura, porque pensei que os jornalistas tinham essa função também: alertar a sociedade para as questões das injustiças, da desigualdade de direitos”.
Voz na justiça
“Se calhar tem a ver com a conceção não só do poder político, que faz as leis e que não permitia que as mulheres fossem juízas, mas também com a própria conceção que era transversal a toda a sociedade de que, enfim, as mulheres não podiam estar em posições de autoridade, no fundo. Sobretudo quando tinham de lidar com homens, porque se calhar também não era muito bem visto que os homens estivessem subordinados a decisões de mulheres. Penso que era mais uma questão social, um certo caráter retrogrado de pensar as coisas”, afirma Maria Benedita sobre o facto de a profissão que desempenha hoje em dia ser totalmente inacessível às mulheres por altura do Estado Novo.
A juíza começou a sua carreira na Academia e acabou por entrar no cargo que tem hoje através de uma nomeação. Ainda assim, e porque convive com vários colegas de trabalho, consegue avaliar a profissão hoje em dia.
“Estou há 11 anos na magistratura e nunca senti nenhuma discriminação”, afirma. “Mas foi-me dado a ler um artigo feito por dois juízes que deram nota que, de facto, a parentalidade tem afetado um pouco as mulheres. Deram como exemplo as inspeções judiciais, que são importantes depois para a obtenção da classificação e para a progressão na carreira”. Ou seja, o facto de terem estado em licença de maternidade levou algumas mulheres ou a manterem a mesma nota do ano anterior ou a verem a inspeção adiada para mais tarde, o que leva a um atraso na progressão da carreira.
O ponto positivo? A área da magistratura é atualmente escolhida por muitas mais mulheres do que homens. Notando-se apenas as diferenças de género nos cargos superiores, algo que Maria Benedita acredita que poderá vir a mudar no futuro, por influência do crescente aumento de mulheres na área.
Longe do ideal
“A minha análise sobre mulheres e homens no mercado de trabalho não se centra nas diferenças, mas sim nas desigualdades. Por isso, não afirmo que as mulheres são melhores profissionais, mas reconheço que, face aos obstáculos que enfrentam, demonstram frequentemente uma resiliência notável e uma inovação e compromisso impulsionados pela necessidade de provar constantemente o seu valor, já que as mulheres enfrentam um escrutínio muito maior do que os homens. Essa pressão pode resultar em desempenhos verdadeiramente extraordinários, amplamente reconhecidos, mas que, paradoxalmente, não deveriam ser o critério para a sua seleção ou valorização profissional. O custo pessoal e profissional dessa exigência excessiva é elevado e não deveria ser romantizado”, afirma Ana Ribeiro, investigadora no Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, que desenvolve trabalho em torno da temática da igualdade de género.
É desta forma que a investigadora descreve a mulher enquanto profissional. As desigualdades que menciona passam pelas diferenças salariais, e aqui falamos de mulheres e homens na mesma função e com as mesmas qualificações, as dificuldades de progressão na carreira, a maior incidência de empregos precários, o menor acesso a cargos de liderança e a responsabilidade da conciliação da vida profissional e familiar, que na maioria das vezes recai de forma desproporcional sobre as mulheres. Além disso, em alguns casos a mulher nem chega a ser considerada para uma posição: “Conheço situações de exclusão automática de candidatas com crianças pequenas em processos de seleção para cargos de maior responsabilidade, sem que essas mulheres sejam consultadas sobre as suas aspirações e sobre o seu contexto pessoal”, conta Ana.
E os números indicam-nos exatamente isto. Destaque, desde logo, para as disparidades salariais entre mulheres e homens: “Diferentes fontes utilizam critérios distintos para calcular essa desigualdade. Algumas baseiam-se apenas no salário base, outras incluem prémios e subsídios regulares, enquanto algumas analisam especificamente as diferenças salariais em cargos de topo, onde a diferença tende a ser mais acentuada. Como resultado, os valores apresentados para as diferenças salariais, em 2025, variam entre 12,5% e 26%, mas todas as análises convergem num ponto fundamental: as mulheres continuam a ganhar muito menos do que os homens para trabalho igual ou de igual valor”, afirma a investigadora.
Na edição de 2025 do estudo da Informa D&B “Presença feminina nas empresas em Portugal”, percebemos que ainda que as mulheres correspondam a 42% dos empregados das empresas, apenas 30% dos cargos de gestão são exercidos por mulheres e apenas 27% das empresas são lideradas por mulheres.
As diferenças continuam em relação ao trabalho precário e ao desemprego. Um estudo da CGTP revelou que 15,5% dos homens tinham empregos precários no final de 2024, enquanto nas mulheres a percentagem subia para 16,2%. No final do ano passado, as mulheres representavam 51% da população desempregada, com apenas 44% das mulheres a terem acesso a proteção social de desemprego.
De acordo com o Wealth Equity Index 2022 da WTW e do Fórum Económico Mundial, no final da sua vida profissional, espera-se que as mulheres a nível mundial acumulem apenas 74% da riqueza dos homens.
Um outro estudo revela ainda que, entre todas as mulheres, são as mais jovens que acabam por ser as mais prejudicadas. O Observatório das Desigualdades concluiu que tal acontece ao nível do desemprego, precariedade laboral e desigualdades.
Comparando Portugal com os restantes países da União Europeia, há ainda um outro dado preocupante. Segundo o Índice da Igualdade de Género 2024, feito pelo Instituto Europeu para a Igualdade de Género (EIGE) e publicado no final do ano passado, Portugal foi o único país que piorou quando o tema é a igualdade no trabalho. Enquanto na maioria dos países houve um aumento da pontuação, ainda que pouco significativo – entre os 0,1 pontos e os 1,2 pontos –, em Portugal a avaliação diminuiu 0,2 pontos. Assim, Portugal desceu cinco lugares no ranking da União Europeia, ocupando agora a 14.ª posição. De notar que Portugal é um dos países com mais mulheres a trabalhar (84%), sendo que a média europeia é de 77%.
Futuro incerto
A conclusão fica, então, clara. Ao mesmo tempo que é verdade que muita coisa mudou desde o 25 de Abril, também é verdade que ainda há um longo caminho a percorrer para que a igualdade de género a nível profissional seja uma realidade em Portugal.
“Para acelerar a igualdade de género, é essencial implementar medidas eficazes. Embora a igualdade formal esteja consagrada na lei, a realidade demonstra que a igualdade substantiva ainda não foi alcançada. Para isso, é crucial reforçar a transparência salarial, incentivar a presença feminina em setores tradicionalmente masculinos e investir na educação para desconstruir preconceitos sexistas desde cedo. Além disso, as empresas e instituições devem comprometer-se ativamente na criação de ambientes de trabalho mais inclusivos, livres de discriminação e que promovam uma partilha equitativa das responsabilidades parentais e dos cuidados a pessoas idosas, tanto para mulheres como para homens”, defende Ana.
Se a solução não parece ser assim tão difícil, o que é que a limita?
A evolução na legislação e nos direitos das mulheres é inegável, mas há mentalidades que continuam por mudar. “A ideia de que certas profissões são mais “adequadas” para mulheres, a desconfiança na liderança feminina ou a perceção da maternidade como um fator de risco para as empresas continuam a limitar as oportunidades profissionais das mulheres. Estes resquícios culturais, que outrora fundamentaram normas legais discriminatórias, ainda influenciam trajetórias profissionais e perpetuam desigualdades”, acrescenta a investigadora.
Mais assustador que o presente, neste momento, só o futuro. Em Portugal, na Europa e um pouco por todo o mundo começam a surgir algumas ideias radicais que ameaçam a liberdade que a mulher foi conquistando ao longo dos últimos 51 anos. Ficar indiferente a isso já não é uma opção.
“Preocupa-me imenso”, confessa Isabel Alçada. “E preocupa-me quando vejo discursos que são de raiva, em que se questiona avanços que se tiveram. Se olharmos para algumas administrações de governos de outros países, há um retrocesso porque há menos mulheres. As mulheres têm um pensamento diferente dos homens e é completamente absurdo que a humanidade prescinda de 50% de possibilidade de ter diferença na forma como se resolvem e analisam as questões. Não imaginava que pudesse acontecer o que está a acontecer agora. Não é com discursos inflamados que se resolvem as coisas, é com equilíbrio. O fanático não está disposto sequer a ouvir contraditório e isso é o pior que pode acontecer à humanidade. A democracia é precisamente ouvir aquilo que é contraditório ao nosso pensamento para podermos questionar o nosso pensamento e encontrar soluções mais equilibradas e moderadas que sirvam a todos. Preocupa-me muito o fanatismo que está a acontecer em Portugal”.
(Artigo publicado na edição abril/maio 2025 da Forbes Portugal)