Vivemos numa era em que as 24 horas do dia a dia, são curtas para a gestão da vida pessoal e profissional. Todos vivemos imersos na pressão de fazer o máximo em pouco tempo. Nesta corrida diária, o sono, como ato natural e parte integrante da nossa vida, fica, muitas vezes, para segundo plano. Quantos de nós vivemos diariamente com menos de 5 horas de sono? Quantos de nós nos deitamos muito depois das 00h e nos levantamos diariamente às 6 horas da manhã? Quantos de nós atrasamos, dia após dia, o horário de ida
para a cama, por simples procrastinação ou mesmo por exigências laborais? Frequentemente entramos nesta espiral da pressão da rotina, imersos em mil e um afazeres e objetivos, e acabamos por descurar o nosso sono. De imediato, sentimos as consequências de não valorizarmos o tempo e o modo como dormimos. Sonolência diária frequente, cansaço permanente, acordar com sensação de sono não reparador, dificuldades cognitivas, esquecimentos, desatenção, redução do nosso rendimento no trabalho, irritabilidade permanente. Estas são só algumas das consequências negativas que podemos sentir, sempre que não respeitamos as necessidades de sono.

E o que ganhamos se começarmos a valorizar mais o sono? Priorizar o tempo que dormimos, e dar-lhe o destaque merecido, permite olhar para o sono como um pilar no equilíbrio saudável da nossa vida. Dormir é tão importante como qualquer medicamento que possamos tomar para uma determinada doença, é tão importante como o exercício físico, como o repouso, como a nossa alimentação. Dormir em tempo e qualidade contribui para o nosso bem-estar diário. Melhora a nossa performance cognitiva e permite-nos estar mais ativos do ponto de vista laboral. Sabemos que o nosso tempo de atenção melhora consideravelmente se dormirmos o número de horas suficientes. O mesmo acontece em relação à nossa memória. Dormir bem, e em quantidade adequada, ajuda na consolidação e na aprendizagem de novas memórias. É também um aliado na proteção contra inúmeras doenças. Durante o sono, o nosso cérebro tem a capacidade de se restaurar e eliminar uma série de toxinas acumuladas em diferentes regiões cerebrais, muitas delas relacionados com o desenvolvimento de doenças neurodegenerativas. Uma parte da investigação da medicina nesta área, passa por descobrir e potenciar estes mecanismos de “limpeza” cerebral, tendo em conta perspetivas futuras de tratamento.

No impacto ao nível da saúde, também se torna crucial falar do nosso sistema imunitário. Várias doenças, como infeções pulmonares, infeções urinárias, doenças autoimunes, entre outras, podem ser evitadas se tivermos um sistema imunitário mais forte. Para isso, o sono tem um papel fundamental, uma vez que exerce uma influência decisiva na capacidade de bom funcionamento das nossas defesas. Mesmo aquando da fase ativa de uma doença, os sábios conselhos de “dorme para ficar melhor” ou “nada que uma noite de sono não ajude a curar”, refletem de uma forma muito simples, o quão importante é o nosso sono na capacidade do bom funcionamento do nosso organismo.

Esta influência do sono estende-se, ainda, ao nosso equilíbrio psicológico. Num tempo em que o foco na saúde mental é, felizmente, uma tendência cada vez mais consistente e normalizada, é importante percebermos que o sono faz parte da base fundamental e sólida de uma mente forte e saudável. Dormir bem reduz a possibilidade de desenvolvermos doenças psiquiátricas como ansiedade e depressão. Quando temos um sono de qualidade, conseguimos ter um dia a dia mais equilibrado, não só na gestão do nosso stress, como também do ponto de vista emocional. Isto tem impacto em várias dimensões, nomeadamente na nossa personalidade, forma de estar na vida, emoções/ pensamentos, e na relação que temos com os outros, seja com a família, amigos ou pares.

Fazer do sono um aliado é uma constante no nosso bem-estar, que deve ser uma prioridade transversal a toda a população, independentemente da idade, sexo ou estatuto social. Desde logo, no seio do nosso núcleo familiar, é importante incutir hábitos que respeitem a dinâmica de um sono saudável. Praticar horários regulares e consistentes de sono, evitar atividades estimulantes à noite ou a utilização de dispositivos eletrónicos, instituir um ritual de relaxamento nas horas que antecedem o sono, são tudo medidas simples que podem ser implementadas e facilitar a entrada num sono reparador. Também é importante realçar que a temática do sono não pode ser um assunto para ficar confinado ao seio da nossa família. A privação de sono crónica é uma epidemia dos tempos atuais e, por isso, é importante envolver toda a comunidade. Sensibilizar entidades patronais, escolas, serviços de saúde, autarquias, é fundamental para que se mudem paradigmas, e se eduque a comunidade para a importância do sono.

Compreender todos os ganhos positivos que uma boa noite de sono nos traz, reflete-se num estilo de vida mais saudável e num corpo e mentes mais sãs. Por isso, siga à risca este lema, ganhe com o sono, durma!

Isabel Amorim,

Médica Neurologista do CNS – Campus Neurológico

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