
Na sua intervenção de ontem no Viva Tech 2025, em Paris, Jensen Huang, CEO da Nvidia, voltou a fazer aquilo que melhor sabe: redesenhar o mapa da próxima fronteira tecnológica com implicações profundas para o mundo empresarial. Com um discurso estrategicamente dirigido aos líderes de indústria, Huang apontou a computação quântica, a inteligência artificial argêntica e os centros de dados de nova geração — as chamadas fábricas de IA — como pilares do que designa de “quarta revolução industrial”.
“Cada país, cada sociedade, cada empresa dependerá de uma infraestrutura de inteligência”, declarou, numa referência direta à necessidade de acelerar a construção de ecossistemas tecnológicos preparados para enfrentar a próxima década.
Jensen Huang, que há mais de uma década apostou os destinos da Nvidia na inteligência artificial e nos GPUs — um movimento que hoje se revelou visionário —, afirmou que o próximo inflexion point da revolução digital será a computação quântica.
Apesar do ceticismo demonstrado em janeiro — que levou inclusive à queda de ações no setor quântico —, o líder da Nvidia mostrou-se agora mais otimista:
“Está claro que estamos perto de aplicar a computação quântica-clássica a problemas reais, com valor económico nos próximos anos.”
Nesse sentido, Huang apresentou CUDA-Q, uma extensão da popular plataforma CUDA da Nvidia, agora pensada para ambientes híbridos que combinem GPUs e QPUs. Esta infraestrutura, de código aberto, visa acelerar a adoção empresarial da computação híbrida, com aplicações desde a simulação de materiais até à modelação financeira de alta complexidade.
As fábricas de IA: o novo paradigma da cloud
Mas talvez o momento mais estratégico da intervenção de Huang tenha sido a introdução do conceito de “AI factories” — data centers especializados não apenas em armazenar ou servir dados, mas em produzir inteligência.
“Tal como as fábricas de automóveis produzem veículos, estas fábricas vão produzir tokens inteligentes — as unidades operacionais da nova economia digital”, explicou.
Para empresas, este conceito representa uma disrupção: os data centers deixam de ser uma commodity de infraestrutura e passam a ser ativos de produção de valor cognitivo, essenciais para tarefas de design, simulação, planeamento e tomada de decisão em tempo real.
A nova plataforma Grace Blackwell, apresentada como uma “máquina de pensar”, permitirá criar gémeos digitais de fábricas, estações ferroviárias ou mesmo reatores de fusão, antecipando riscos e acelerando o time-to-market. Este avanço já está a ser utilizado por gigantes como BMW e Mercedes-Benz, e ganhará tração na Europa com o lançamento de uma cloud industrial da Nvidia, em parceria com a Schneider Electric e a startup francesa Mistral AI.
A IA argêntica e o renascimento da robótica para as PME
Huang também delineou o que considera ser o próximo estágio da evolução da inteligência artificial: a IA argêntica — sistemas capazes de perceber, raciocinar, planear e executar, em vez de apenas responder a comandos.
Mais do que uma evolução técnica, trata-se de um paradigma operacional com implicações económicas concretas. Huang prevê que, com a maturação das capacidades de raciocínio autónomo, pequenas e médias empresas poderão, pela primeira vez, aceder a soluções robóticas adaptáveis, reutilizáveis e economicamente viáveis.
“Era impossível ter essa capacidade de programação. Agora já não é”, afirmou, sinalizando a transição da robótica como um luxo de grandes multinacionais para um recurso estratégico acessível a negócios locais e familiares.
Esta visão é suportada pela plataforma Omniverse, que permite simular e treinar agentes físicos (como robôs) num ambiente virtual antes da sua aplicação no mundo real — um modelo que reduz custos e riscos para as empresas.
Uma chamada à ação para os decisores europeus
No palco de um dos maiores eventos tecnológicos da Europa, Huang fez mais do que apresentar tecnologias: lançou um repto aos líderes empresariais e políticos europeus. Acordar para a urgência de construir infraestrutura inteligente — não apenas para competir, mas para sobreviver num mercado global onde a velocidade de inovação se mede em ciclos de IA.
Para as empresas a nova vantagem competitiva não será apenas digital — será cognitiva. Aqueles que investirem agora em IA híbrida, infraestrutura inteligente e robótica adaptativa estarão mais bem posicionados para liderar nos próximos 5 a 10 anos.
Se o futuro pertencia outrora aos que sabiam calcular mais depressa, hoje pertence aos que sabem simular melhor, agir com mais autonomia e construir fábricas de inteligência onde antes havia apenas servidores.
Jensen Huang poderá ter redefinido o próximo ciclo tecnológico. As empresas atentas devem começaram a reorganizar os seus mapas de investimento.