A história do UFC conhece muitos lutadores controversos, incluindo algumas das suas maiores estrelas, como Jon Jones ou Conor McGregor. Os ex-campeões Sean Strickland e Colby Covington causaram polémicas com as suas declarações, mas ninguém ousou ir tão longe como Mitchell.

As suas afirmações ultrapassam aquilo que para muitos é razoável e sensato e entram no lote do que é tóxico, no mínimo, embora, para muitos, Mitchell seja um extremista.

No fim de semana, com o presidente Donald Trump sentado na primeira fila, foi assobiado e insultado do principio ao fim do UFC 314 onde teve como adversário o brasileiro Jean Silva, que recebeu um inesperado apoio dos milhares de americanos que renegaram o compatriota nascido no Arkansas.

O campeão do povo que gostava de pescar com Hitler

Há cinco anos, Bryce Mitchell era uma promessa do MMA com um futuro brilhante e enorme potencial. Discreto, humilde tinha tudo para se tornar uma grande estrela do UFC e um campeão do povo. Tinha 26 anos, um registo imaculado de 14-0 e subia no ranking.

Os fãs adoravam a sua espontaneidade e vida humilde fora que levava fora do octógono. Falava frequentemente sobre a agricultura a que se dedicava, do seu amor pela natureza e por Deus. Alguns sinais estavam lá, como quando, após as vitórias, erguia a Bíblia acima da cabeça e dizi que era a «a única verdade». Nada, porém, que preocupasse os americanos.

Cada vez mais popular, ganhou espaço no meio mediático, começou a criar manchetes com opiniões controversas e o discurso conservador no início tornou-se um filão de opiniões polémicas que ninguém sabe onde e como vai parar.

Começou por dizer que a Terra é plana e estacionária, e que o Sol e as estrelas orbitam à sua volta. Os cientistas ignoraram, mas continuou. Questionou a gravidade, várias teorias científicas e a alunagem.

Além da ciência, Mitchell tem também opinião sobre vários outros temas como os ataques terroristas de 11 de setembro e, por exemplo, a obrigatoriedade do uso de cintos de segurança nos carros, à qual mostrou a sua oposição.

Mas até aqui, sustentam alguns, eram ideias bacocas. O problema foi a radicalização a que gradualmente se foi entregando.

Mitchell disse que que educaria o seu filho em casa, porque o sistema escolar o transformaria num comunista, satanista ou homossexual.

Gritou que o vírus COVID-19 foi criado artificialmente em laboratórios americanos e libertado intencionalmente para desestabilizar a sociedade e que os tiroteios em massa nos EUA são encenados para que o governo possa restringir a posse de armas entre os cidadãos americanos.

Apelou aos pais para que não vacinassem os filhos, pois as vacinas podem causar autismo ou morte. Mais, Mitchell disse que que educaria o seu filho em casa, porque o sistema escolar o transformaria num comunista, satanista ou homossexual.

Apesar disso, mantinha uma legião de fãs considerável. Até janeiro.

Adolf Hitler era uma boa pessoa. Sei disso com base na minha própria pesquisa, não na doutrinação da educação pública. Antes de Hitler começar a usar metanfetaminas, era um tipo com quem eu iria pescar

A gota de água aconteceu quando o lutador defendeu Adolf Hitler e disse que até gostaria de ir pescar com o ditador nazi.

«Sinceramente, acho que Adolf Hitler era uma boa pessoa. Sei disso com base na minha própria pesquisa, não na doutrinação da educação pública. Antes de Hitler começar a usar metanfetaminas, era um tipo com quem eu iria pescar», explicou.

«Afinal, ele só lutou pelo seu país. Queria purificá-lo expulsando os judeus gananciosos que estavam a destruir o seu país e a transformar todos em homossexuais», argumentou Mitchell no seu podcast.

O seu co-apresentador ainda tentou reagir alegando que era «mau colocar judeus em campos de concentração».

Imperturbável, Mitchell continuou: «Isso é o que o sistema educacional vos diz e vocês não fazem a vossa própria pesquisa. Quando perceberem que é impossível queimar e cremar 6 milhões de corpos, vão perceber que o Holocausto não é real», sentenciou.

O presidente do UFC, Dana White, defensor dos seus lutadores, perdeu as estribeiras. «Já ouvi muitas m**** estúpidas e ignorantes, mas esta foi provavelmente a pior. Estamos a falar de Hitler, que é responsável pela morte de 6 milhões de judeus. De Hitler, que tentou exterminar completamente uma raça inteira», exclamou furioso.

Já ouvi muitas m**** estúpidas e ignorantes, mas esta foi provavelmente a pior.

«Hitler foi um dos seres humanos mais repugnantes e piores da história. Qualquer pessoa que tente tomar uma posição contrária é um idiota. Esse é o problema da internet e das redes sociais, elas dão uma plataforma a muitas pessoas estúpidas e ignorantes. Assim que soubemos disto, contactámos o Bryce e deixámos claro o que pensávamos. Estamos mais do que enojados», assumiu.

Apesar das fortes críticas, o UFC, seguindo o lema «os negócios em primeiro lugar» e não despediu Mitchell.

White aproveitou a polémica e promoveu a próxima luta do americano: «Isto é o mais bonito neste negócio. Todos os que o odeiam poderão, com sorte, vê-lo levar um pontapé no rabo à frente do mundo inteiro».

Jean ofereceu-lhe um globo com o mapa do Mundo

Parecia White que estava a adivinhar o que se passou este fim de semana. Mitchell foi humilhado pelo emergente Jean Silva.

O brasileiro começou a ganhar logo na conferência de imprensa da pré-luta, quando trouxe um globo para dar a Mitchell e incitou os fãs a cantarem «F***-se o Bryce Mitchell».

O americano, na sua primeira aparição pública desde a adoração a Hitler, foi vaiado em todas as respostas.

O brasileiro está em ascensão, tem um registo de 16-2 e 13 vitórias consecutivas. Com uma exceção, terminou todas as lutas antes do limite, recebeu três vezes consecutivas o bónus de Performance da Noite e destruiu Mitchell de forma espetacular.

O público aplaudiu entusiasmado o massacre do americano.

Mitchell, cinto preto de jiu-jitsu brasileiro, não conseguiu ameaçar Silva nem no chão. E, paradoxalmente, foi o brasileiro que forçou o lutador de chão da elite a bater com um mata-leão.

O americano desistiu tarde, perdeu a consciência e um close-up ofereceu uma visão desagradável de como ele lutava por ar. No entanto, a maioria dos fãs apreciou a derrota de Mitchell e partilhou reações de alegria nas redes sociais. Descreveram a derrota como karmica.

Aliás, um vídeo de Dave Portnoy, de origem judaica e fundador da empresa de comunicação social Barstool Sports, tornou-se viral a celebrar a derrota de Mitchell na primeira fila, enquanto abanava uma bandeira israelita e usava um kipa.

Mitchell tem um registo de 2-3 nos últimos cinco duelos e provavelmente sairá do top 15 do UFC na categoria de peso-pena (até 66 kg) mas, aparentemente, poucos vão lamentar.