
A festa do Jamor costumava ser bonita.
Mas o futebol estragou-a. Ou melhor, as guerras que muitos confundem com o desporto e o ódio que outros tantos baralham com o conceito de clubismo arruinou o que de mais puro tinha o futebol português.
A festa da final da Taça no Jamor.
Neste domingo, Benfica e Sporting voltaram a disputar uma final da Taça de Portugal, algo que não se via há 29 anos.
E foi por essa altura que Sandra Silva e a família começaram a vir todos os anos. Independentemente de quem dispute o jogo decisivo. Importa é a festa e o convívio na mata.
Até porque de há vários anos para cá, os bilhetes tornaram-se cada vez mais difíceis de arranjar. Este ano, por exemplo, do grupo de cerca de 30 pessoas que recebeu a reportagem de A BOLA – e ofereceu o almoço! - apenas três elementos seguiriam mais tarde para as bancadas.
E isso não é problema para ninguém!
Shhh! A foto proibida!
Na mata do Jamor não houve Benfica-Sporting. Nem Sporting-Benfica. Houve Benfica. E houve Sporting. Mas sem misturas.
Uma festa a preto e branco, no fundo.
Ou seja, no ano em que o mote é o fair-play, muitos foram obrigados a fazer uma escolha injusta: convívio com amigos e família, ou vestir a camisola do clube.
«Nós somos do Benfica, mas temos ali quatro sportinguistas», atiram-nos em surdina, como se ser de outro clube obrigasse a passar à clandestinidade. «Elas têm as camisolas, mas tiveram de as esconder por causa da polícia», acrescentam.
E ao nosso desafio, elas vão buscar as camisolas e voltam a vesti-las por instantes. Mas camufladas e no meio dos benfiquistas da família. Porque ninguém quer problemas. Que neste caso, não seriam com outros adeptos. Esses encaram a situação sorridentes e seguem à sua vida, de bifana numa mão e mini na outra.
Pfff! Como se a rivalidade fosse uma coisa banal.
Nós sabemos que não é. Pelo menos, neste domingo, no Jamor, ela está proibida.
Perto das 12h00, ainda não o sabíamos. E depois de muito procurar, conseguimos encontrar um cachecol do Sporting no pescoço de uma jovem adepta que estava com os amigos, do Benfica. Enquanto lhes tiramos uma fotografia, os spoters da PSP aguardam atrás de nós e mal terminamos, dirigem-se à adepta.
«Pediram-me para guardar o cachecol para não haver confusão. Disseram que já houve problemas entre adeptos das duas equipas hoje», explica-nos.
Apesar da explicação dada, o mais provável é que a medida seja preventiva. Porque desde as 6h00 da manhã que a informação é a mesma.
«Dormimos na autoestrada para isto!»
É Sandra Silva que nos explica que desde cedo a polícia não permite misturas. Porque ela entrou com família pouco depois das 6h00 da manhã.
«Fomos o quinto carro a entrar. Eu vinha com a camisola do Sporting carro e não me deixaram entrar com ela vestida. Por acaso tinha outra no carro», nota.
«Há uns 30 anos que vimos e isto nunca aconteceu. No ano passado estivemos sempre equipados, uns com camisolas do Sporting, outros com a do FC Porto. E foi sempre assim, este ano é que não deixaram», lamenta.
Apesar da proibição, Sandra ficou junto da família. Nem podia ser de outra forma.
«Ficamos pela festa, mas assim não tem o mesmo sabor. Estivemos com um casal que estava cá com o filho, e tiveram de ir embora porque a mãe, que era do Sporting, não tinha outra camisola. Não é justo!», lamenta.
E apesar da desilusão, nunca passou pela cabeça de Sandra a possibilidade de não estar na mata do Jamor neste dia.
«Viemos para cá à 1h30 da manhã. Ficámos a dormir dentro dos carros a noite toda para termos aqui o nosso cantinho. E no próximo ano havemos de estar cá outra vez», assegura.
Afinal, há esperança. A festa da Taça no Jamor ainda consegue ser bonita.
Que possa voltar a ganhar cor. A mata não pode ser vivida a preto e branco.