
A bola chega-lhe e o tempo trava. Fica parado, como se também os relógios quisessem assistir à magia. Quietos, os ponteiros miram a elegância, as simulações, a ousadia do talento. Os segundos, inamovíveis, perguntam aos minutos se encontram explicação lógica para o fenómeno, as horas metem-se no diálogo e dizem que é melhor não arriscar grandes teorias e simplesmente assistir.
Quando Rodrigo Mora recebe a bola, diferentes componentes misturam-se para o feitiço. O tempo é um aliado, mas não é o único. O espaço amplia-se para ele ao mesmo tempo que se fecha para os outros, a gravidade tem leis diferentes para si, a movimentação dos corpos é singular. Todo o físico se une à causa, os joelhos flutuando, os pés dando indicações contraditórias aos adversários, o cérebro a pensar e executar à velocidade dos predestinados.
Estas são as últimas semanas de Rodrigo Mora como menor de idade. Faz 18 anos a 5 de maio, já poderá votar nas legislativas. E que maneira de Rodrigo Mora se despedir do Rodrigo Mora menor de idade.
Há escassos dias, em Rio Maior, Zinedine Zidane assumiu o corpo do adolescente português. Agora, no Dragão, Rodrigo Mora foi só Mora ao quadrado, Mora duas vezes. O 1-0 teve toques do lance contra o Casa Pia, pela fintas enleantes, o esquivar de adversários em poucos metros quadrados. O 2-0 fez lembrar o golo que apontou ao Boavista, no final de 2024, a troca de pés, o remate de pé esquerdo a flutuar.
Duas genialidades de Mora, dois golos. FC Porto 2-1 Famalicão. Este texto já tem mais de 260 palavras e, para explicar um jogo coletivo, só um nome foi mencionado. Bem-vindos ao show unipessoal de Rodrigo, o menino que traz esperança ao FC Porto versão 2025, ao FC Porto que lambe feridas.
O primeiro golo de Rodrigo Mora surgiu aos 20', quando pouco ou nada de relevante sucedera previamente. Foi como se uma tarde em velocidade reduzida fosse, subitamente, acelerara. Não por ter chegado aos pés de um qualquer sprinter, de um Bolt ou Cavendis , mas por ter ido ter com um velocista cerebral, rápido de pensamento, consequente de ação.
Tal como diante do Casa Pia, o número 86 recebeu de Francisco Moura. A bola chegou-lhe no meio de quatro adversários. A receção orientada, de pé direito, aclarou o panorama da jogada. Depois veio o bailado, uma dança em cima de De Looi. A Companhia Nacional de Bailado tem em palco, até 29 de abril, "Coppélia ou a Rapariga dos Olhos de Esmalte", no Teatro Camões. Para quem não tiver oportunidade de ir, aqui está Rodrigo Mora, solista do Dragão.
Depois da dança com José Fonte, 24 anos mais velho que Mora, a dança com De Looi, 8 anos mais velho. Após ganhar espaço, rematou, com a finalização a desviar em Mihaj. Até a sorte, a fortuna, a felicidade e os deuses do capricho quiseram participar na arte de Rodrigo Mora, afastando o tiro de Carević e encaminhando-o para o 1-0.
Logo a seguir, Fábio Vieira, num remate de longe, testou o guardião visitante, que fez uma grande defesa. O mais avançado jogador do onze de Anselmi voltou a ser Gül, outra vez com Samu no banco. O jovem turco tentou batalhar, mas nos primeiros 30' só tocou duas vezes na bola e sairia, aos 66', sem qualquer remate realizado.
O Famalicão chega à ponta final da I Liga embalado. Hugo Oliveira só conquistou três pontos nas seis primeiras rondas em que orientou os minhotos, mas foi ao Porto com três vitórias seguidas, nas quais apontou nove golos. No entanto, começou tímido, só obrigando Diogo Costa a uma defesa aos 49', num remate de Aranda a uns 45 metros de distância da baliza.
Aos 53', Zé Pedro, num cabeceamento em excelente posição, esteve perto do 2-0. Mas o encontro era do menor de idade.
Aos 57', ouviram-se alguns assobios do público do FC Porto. A insatisfação continua a ser a norma neste momento do clube, há feridas ainda abertas. Só que há um prodígio que ajuda a apaziguá-las.
Voltou a haver uma sensação estranha quando a bola aterrou em Rodrigo Mora. Foi como se 21 futebolistas fizessem uma coisa e um se preparasse para realizar outra. O tempo foi, novamente, aliado. Na área, não houve precipitações nem pressas. Só calma, tranquilidade, a confiança do talento. O remate de pé esquerdo foi leve, suave, desenhou uma curva que passou por cima de De Haas e sobrevoou os 1,95 metros de Carević, aterrando, obediente, nas redes. 2-0.
Aos 77', Anselmi tirou Rodrigo Mora do jogo. O público deu-lhe a merecida ovação e, simbolicamente e não só, entrou-se na outra parte do presente do FC Porto. Adeus à admiração do menino, olá ao sofrimento.
O Famalicão nunca desistiu. Os dragões, nos seus fantasmas, encolheram-se. Pedro Bondo, num cruzamento largo que traiu Diogo Costa, fez o 2-1. Não querendo faltar à reunião de traumas, Gonçalo Borges, que entrou para o lugar de Mora para marcar a passagem do sonho para a inquietação, fez mais faltas (3) do que passes certos (2) durante os minutos em que esteve em campo. Seria expulso nos descontos.
O FC Porto acabou a sofrer, com as bancadas mostrando insatisfação, mas lá conseguiu o segundo triunfo em oito encontros caseiros em 2025. Na luta pelo terceiro lugar, é colocada alguma pressão no SC Braga.Mas tudo isto soa a secundário perante o brotar de um talento singular, perante o despontar do menor de idade que tem 8 golos e 3 assistências em 1042 minutos na I Liga.