
Na primeira sessão do julgamento no Tribunal de Évora, o ex-motorista do então ministro da Administração Interna Marco Pontes, que responde pelo crime de homicídio por negligência grosseira, disse não ter noção da velocidade a que seguia o carro.
E, quando questionado pela juíza Vanda Simões sobre a velocidade de 155 quilómetros por hora apurada por uma perícia, referiu que não tem a perceção de que ia a essa velocidade e que até "circulava devagar nas condições em que ia".
O arguido esclareceu o tribunal que ninguém lhe deu instruções sobre a velocidade do carro, onde seguia o então ministro da Administração Interna Eduardo Cabrita, após uma deslocação a Portalegre, e que não tinha pressa para chegar a Lisboa.
A audiência de julgamento arrancou com uma declaração do advogado de defesa, António Samara, que salientou que o peão circulava de costas para o trânsito e que o condutor travou e buzinou, concluindo que "não houve tempo para o motorista evitar o embate, nem o peão o conseguiu evitar".
Depois, questionado pela magistrada que está a julgar o caso, Marco Pontes descreveu a forma como ocorreu o acidente, salientando que foi surpreendido pela presença do peão "a meio da faixa" da esquerda da autoestrada, em que seguia.
"Vejo o peão, travo e buzino", mas "o peão, ao ouvir, vira-se e tenta ir para a sua esquerda, para a berma da autoestrada", mas depois, acaba por se dirigir "para o separador central e é quando se dá o embate", relatou.
O antigo motorista explicou que o carro que conduzia circulava na faixa da esquerda da autoestrada e à frente de outros dois da mesma comitiva, numa formação triangular, o que justificou com as regras estabelecidas pela segurança.
"Das milhares de comitiva em que participei como motorista, é esta a formação usada e são as indicações que nos dão", sublinhou.
Questionado sobre se havia sinalização dos trabalhos na autoestrada, Marco Pontes respondeu que "os únicos sinais eram os que estavam acoplados na carrinha" de transporte dos trabalhadores.
"Vi a carrinha na altura do embate, naqueles milésimos de segundo", argumentou.
Já em relação ao trabalhador atropelado, o arguido disse que vestia "farda cinzenta, que estava suja", e admitiu que pudesse ter "algumas faixas refletoras na roupa".
Marco Pontes, que deixou de ser motorista do Ministério da Administração Interna em 2022, admitiu que, olhando agora para o que aconteceu, "não teria feito nada de diferente para evitar o embate".
O único arguido do processo contou que, após o atropelamento, os elementos da segurança transportaram o ministro noutro veículo e que ele se manteve dentro do carro por estar "em choque e transtornado"
"Pensei logo que aquele acontecimento me tinha destruído a minha vida", confessou Marco Pontes, que tem, desde então, acompanhamento psicológico e psiquiátrico após lhe ter sido diagnosticado 'stress' pós-traumático.
Nesta sessão de julgamento, a mulher e as duas filhas prestaram declarações em tribunal sobre as consequências da morte do homem para a família.
No final da sessão, o advogado da família, José Joaquim Barros, revelou aos jornalistas que vai haver uma tentativa para um acordo entre a família do trabalhador que morreu e uma seguradora sobre o pedido de indemnização cível.
O caso remonta a 18 de junho de 2021, quando a viatura oficial em que seguia Eduardo Cabrita, conduzida por Marco Pontes, atropelou mortalmente Nuno Santos, de 43 anos, trabalhador de uma empresa que fazia a manutenção da A6, ao quilómetro 77,6 da via, no sentido Estremoz-Évora.
O Ministério Público acusou, no dia 03 de dezembro de 2021, Marco Pontes de homicídio por negligência, tendo, nesse mesmo dia, o então ministro da Administração Interna apresentado a sua demissão do cargo.
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