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Um Natal sem espaço para todos: um paradoxo em solo português

Imaginemos uma wonderland literal, sentemo-nos no seu carrossel de casinhas pequeninas como janelas a olhar para Lisboa, um epicentro diferente da cultura atual portuguesa. Da roda gigante da Wonderland conseguimos avistar uma pluralidade bonita de pessoas e imaginar as suas origens.

Eu observo de forma positiva e tenho uma razão que o justifica e nenhuma ideologia ou opinião néscia pode colocar isto em causa. Repare-se no caos persecutório a que vimos assistindo: imigrantes, refugiados, e requerentes de asilo – fora da ilegalidade, portanto – estão a tentar viver em Portugal fugindo dos olhares discriminatórios, tal como tiveram de fugir das perseguições dos seus países opressores. Só se é refugiado e requerente de asilo (condições distintas) quando o nosso berço nos cospe para fora com violência que esgana carne e alma. O metro quadrado, especialmente em Lisboa, encareceu mais ainda e está muito escasso para tantos mundos.

Todavia, quando se pensa na perseguição que contagia portugueses a rodos, devíamos pensar na nossa perseguição de sonhos por esses mundos, afinal. Já se perguntaram, lusitanos, como sonhamos (e muitos não conseguem concretizar) em viajar para paraísos e para destinos exóticos? Como é caro fazê-lo, mas executamo-lo numas férias de Natal (como eu própria faço) em que queremos fugir ao frio europeu e à mesmice. Ou seja, fugir da janela da roda da Wonderland onde o ardor do frio se faz sentir muito mais. De lá começa o sonho: visitar novos lugares, pessoas e templos.

Atentem: templos. Se repararem, é nos templos que mais procuramos capturar os melhores momentos das viagens nos destinos mais exóticos. Além das praias, claro. Deparei-me, de forma muito grata para com a vida, com a roda de viagens que tenho feito e as principais fotografias (muitas ainda nem publicadas pelas redes sociais) são em templos. Ou seja, no solo da fé de outros povos e outros países. Não há pessoa que vá à Turquia e não almeje a bela fotografia na mesquita azul, dentro e fora. Com o devido respeito à indumentária; ou que em Abu-Dhabi não queira ver a maior mesquita do mundo, por comparação ao mundo Ferrari ali perto, onde as fotografias surgem em carrossel no Instagram porque as colunas da Grand Mosque são bestiais; ou quem não deseja subir os templos Maias no México e em Guatemala? Há sempre uma panóplia de fotos veraneantes na frente da maioria desses templos e património.

E sobre templo-património, vamos mais longe? Quem conhece o reino do Camboja, sabe que o must-go é o complexo enorme de Angkor Wat. Ficamos curiosos e percorremos KM de pó e verdade para subir aqueles gigantescos monumentos. Cumprimentamos as pessoas e gostamos tanto de imitar, no bom sentido, os seus gestos de fé. Quem vai à Tailândia, não se esquiva a um templo budista ou a mil que por ali douram a terra Thai. E os maiores desejos continuam: por exemplo, é um mistério e um feito conseguirmos comunicar com as tribos lindíssimas do oriente de África. E queremos perceber como rezam e tiramos fotografias com os seus ‘ídolos’. Observo sempre as pessoas – turistas – a comprar colares, pulseiras e coisas que nem sabem bem o que é para gravar memória destas viagens. Outras compram coisas para espantar mau-olhado. Mas, a ignorância mantém-se.

Por exemplo, no Sri-Lanka, na terra onde acenar ‘não’ é, afinal, dizer 'sim', é interessante perceber como amam as folgas do Natal e há luzes natalinas em todo o lado, sem discriminar religiões. Juntam a fé de vários grupos religiosos e festeja-se estar vivo. Não é o que mais importa, afinal? E é um paradoxo pensar que é o Natal uma das épocas em que mais se viaja para praias e para destinos exóticos polvilhados de templos ciclópicos… e em família. O que procuramos: o diferente, o ‘outro’, os trejeitos bonitos da diferença cultural.

Mais casos: por exemplo, é interessante ver como todas as pessoas se juntam para ver onde Jesus nasceu e morreu. Literalmente nos dois locais. Quando lá estive (Israel, considerando os dois berços de vida e morte: Jerusalém e Palestina), percebi como as pessoas se empurravam para tocar no sepulcro e na cruz, especialmente. Ouvia-se todas as línguas e todos os credos. Interessante, é a palavra que me ocorre. Procuram sempre mais visitar onde Jesus morreu do que onde Jesus nasceu. Eu fui às duas cidades e ambas me arrebataram a alma. Independentemente da religião, da cultura, percebo como as pessoas peregrinam para ver a mais pura forma de Natal, ali, em Israel. Ora, uma terra tão conturbada de conflito como sabemos.

E poderia dar tantos outros exemplos de lugares e templos atrativos no Natal, mas o importante é pensar assim: se nós procuramos, ferverosamente, outros lugares longínquos e fotografamos sobretudo templos e abraços com pessoas de outras culturas, porque tantas pessoas, em Portugal, não gostam do inverso? Este inverso perverso: quando é a hora de as pessoas e as suas mãos diferentes de fé entrarem na nossa casa portuguesa, muitos portugueses não gostam de ver, afinal, tantos mundos que procuram e que estão no nosso solo.

Dá que pensar, sobretudo numa altura natalícia em que normalmente estou fora a apreciar as luzinhas e enfeites em países que nada conhecem da nossa cultura e da nossa fé ou não fé, mas nos respeitam quando os visitamos. Assim, talvez tenhamos de saber aprender a reagir aos nossos imigrantes, e sobretudos aos deslocados que só pedem asilo (que são forçados a isso). Sair da roda da wonderland, descer até ao solo e perceber que não se precisa viajar tanto para abraçar diferentes culturas, quando elas nos pedem esse abraço dentro de Portugal, na porta ao lado.

Professora universitária, investigadora científica e escritora