Vem aí o Natal! Uma época que todos associamos a luz, festividades, família e felicidade. Mas será mesmo assim? Será que esta época, considerada a mais feliz do ano, é realmente dona de toda a aura que lhe atribuímos?

Bem… a resposta é, em simultâneo, simples e complexa.

Efetivamente, esta é uma época que, na nossa sociedade, é entendida como feliz e onde os melhores valores da humanidade estão presentes. A sua natureza religiosa transmite-nos a importância da amizade, do amor, da solidariedade e da esperança. Palavras que, nesta época, são transformadas em ações, com uma preocupação generalizada pelo outro, o que, sem qualquer tipo de dúvida, faz com que o Natal, observado dessa perspetiva, só possa ser um momento feliz e de bem-estar.

Contudo, existem muitos pontos de vista para encarar a época. Se olharmos para a preocupação pelo outro que, não raras vezes, se esfuma ao longo de todo o ano, para o consumismo exacerbado, para o stress das reuniões familiares e para as expectativas que são colocadas por cada um a cada pessoa, facilmente percebemos que existe um “lado negro” neste tempo de luz.

Os poucos estudos que existem e que cruzam a época natalícia com a perceção do bem-estar demonstram que as pessoas são mais felizes nas semanas subsequentes, do que propriamente na semana do Natal. Apesar de referirem que os rituais associados à quadra lhe trazem maior bem-estar, o aumento do nível de stress causado pela organização dos mesmos reduz esta sensação. Aliás, o stress originado pelo Natal chega a ser considerado um evento de vida que perturba a saúde mental dos indivíduos, comparável ao resultado de pequenas violações da lei ou da alteração súbita dos padrões de sono.

Quem nunca sentiu pressão para adquirir os tradicionais presentes, assim como na preparação da ceia para toda a família e amigos? O stress causado por este espírito consumista que envolveu o Natal nas últimas décadas, diretamente associado quer a uma expectativa social, quer a um brutal mercado publicitário que nos arrasta para gastos – muitas vezes, superiores ao que realmente poderíamos ter –, é enorme. Se a isto acrescentarmos o stress dos conflitos que naturalmente surgem em família, como resultado de diferentes opiniões e formas de estar, geram-se elevadíssimos níveis de ansiedade.

Mas o que podemos fazer para nos protegermos mentalmente destes fatores de stress? Devemos, antes de mais, baixar e controlar as nossas expectativas, que acabam por ser o maior perigo para a nossa saúde mental.

Exigimos de nós a perfeição. Queremos dar (e receber) o presente perfeito, organizar a ceia e o almoço perfeitos (com os produtos perfeitos), e que tudo corra “como mandam as regras”. Mas, na verdade, as coisas não vão ser perfeitas. O nosso orçamento é limitado (cada um tem de saber bem o valor máximo que pode gastar) e as pessoas (nem mesmo a nossa família) não são perfeitas. E a pergunta que devemos fazer a nós próprios (e aos outros, já agora) é: e qual é o problema de as coisas serem assim? Na realidade, absolutamente nenhum.

A nossa vida não é perfeita e a maioria dos eventos que nela ocorrem “fogem” claramente ao nosso controlo. Aprendamos, por isso, a viver com essa incapacidade de controlar o que não podemos realmente controlar. Se o bacalhau se colar ao fundo do tacho, riamos desse momento em família, ficando com mais uma história para contar. Se o presente que o nosso filho pediu é demasiado caro, procuremos um que possamos pagar confortavelmente, sendo criativos e criando toda uma história (que é gratuita, por sinal) para o tornar mais divertido.

Importa ainda lembrar que estes “dramas” natalícios são os daqueles que, afortunadamente, têm família e condições para estar com ela. E quando não existe a família e a solidão nos abraça? A solidão é dolorosa e nesta época do ano, em que toda a sociedade celebra a comunhão familiar, ainda mais. Mais uma vez, os estudos que existem relativamente a este tema são claros: a sensação de solidão aumenta nesta época do ano em que o risco de comportamentos suicidas, apesar de reduzir no dia de Natal, aumenta consideravelmente nos dias imediatamente subsequentes.

Devemos refletir nesta pressão que colocamos a todas as pessoas e, assim, ajudá-las a suportar a solidão de uma forma diferente. Muitas vezes a solidão não é uma opção, mas sim uma obrigação. Olhemos à nossa volta e talvez tenhamos alguém, mais perto do que pensamos, a quem podemos ajudar a reduzir a sensação de solidão, com um pequeno ato de gentileza.

Mais ou menos juntos, com mais ou menos coisas, sejamos felizes, cada um ao seu modo, do modo que lhe for possível. (mentalmente) Feliz Natal!

Professor adjunto na Escola Superior de Saúde Atlântica (ESSATLA)