Andar de bicicleta é um ritual no nosso crescimento. Dá-nos momentos que viram nostalgia, a dar voltas no parque, a explorar caminhos de cabra ou a fazer a estrada para ir para a praia. Ontem foi Dia Mundial da Bicicleta, e por isso acho que vale a pena parar e refletir sobre o impacto que as nossas escolhas de mobilidade têm não só no ambiente, mas na nossa saúde mental, na qualidade de vida urbana e no bem-estar coletivo.

Há um dado essencial que continua a ser negligenciado: a forma como nos deslocamos diariamente molda profundamente o nosso estado emocional. Dia após dia, pode mesmo contribuir para um agravar da nossa saúde mental. Todos os dias, milhões de pessoas enfrentam deslocações longas, cansativas e, muitas vezes, solitárias. Segundo um inquérito internacional recente, metade dos inquiridos passa mais de uma hora por dia nestes trajetos pendulares. Para muitos, esse tempo diário acumulado traduz-se (para lá de poluição) em frustração, sedentarismo e stress; em suma, um cocktail que pesa na saúde pública.

Os números do Eurobarómetro de 2023 confirmam a gravidade da situação: 46% dos europeus já experienciaram problemas de saúde mental, e a realidade portuguesa não é diferente. Continuamos a tratar a mobilidade nas cidades como uma questão meramente técnica e de serviço, esquecendo aquele que pode ser o seu potencial enquanto ferramenta de bem-estar emocional.

O que temos vindo a ver, na prática, é que os modos de mobilidade ativa — seja andar a pé, de bicicleta ou trotinete — trazem benefícios claros para o equilíbrio mental e a satisfação com o dia a dia. Dados de utilizadores mostram que apenas 36% dos que conduzem carros privados diariamente não se sentem afetados em termos de bem-estar. No caso dos ciclistas, esse valor sobe para 42%; para os que andam a pé, 52%; e para os que usam trotinetes privadas, chega aos 61%. A acrescentar, estudos conduzidos na Escócia têm demonstrado que as pessoas que andam de bicicleta diariamente têm 20% menos probabilidade de receberem prescrições de antidepressivos ou ansiolíticos. Isto é mais do que estatística: é uma demonstração de que mexer o corpo liberta a mente.

Mas, claro, com estes modos de micromobilidade soma-se sempre a questão da segurança. Ora, os dados da PSP divulgados esta semana mostram que apenas 3,6% do total dos acidentes registados correspondem a incidentes com bicicletas ou velocípedes. Claro que há riscos, e é precisamente por isso que precisamos de políticas públicas corajosas. Cidades com menos ruído, e mais movimento humano. Com mais espaços verdes, menos carros estacionados em passeios e mais quilómetros de ciclovias conectadas. No fundo, uma ciclovia é muito mais do que uma faixa pintada no chão. É um convite ao bem-estar, um espaço de liberdade e uma afirmação clara de que a cidade se constrói para as pessoas, e não para os carros.

Olhemos para a beleza da bicicleta, e toda a liberdade que ela nos dá; uma experiência urbana mais humana, a possibilidade de ver a cidade, sentir o tempo, parar onde se quiser. A vontade das pessoas já existe. O que falta é uma resposta à altura.

Responsável de Micromobilidade da Bolt em Portugal e Espanha