Portugal ainda hesita em classificar os e-sports como desporto. Mas enquanto o legislador pondera definições, a realidade avança — célere, digital e globalizada. Esta foi a nota de abertura do primeiro episódio do programa Late Night ITO Impacto das Tecnologias no Desporto, uma série que se propõe a decifrar o impacto da tecnologia em sectores estratégicos. E onde melhor começar do que no terreno fértil da competição digital?

À conversa estiveram Rui Jesus, jurista especializado em direito desportivo; Nuno Bacelar Azevedo, Consumer Category Manager da HP Portugal e entusiasta do gaming competitivo; e Ramiro Teodósio, CEO da For The Win, um dos clubes mais antigos e relevantes do ecossistema de esports nacional.

A semântica da disrupção

“Se chamamos desporto eletrónico, já não é desporto?” – questiona Rui Jesus com ironia. A provocação é legítima. O Comité Olímpico Internacional já reconhece formalmente os e-sports como uma realidade emergente, preparando eventos oficiais com medalhas para 2026. Em Portugal, contudo, persiste uma indefinição regulatória. A ausência de legislação específica deixa clubes, atletas e marcas a navegar num mar de normas generalistas — suficientes, talvez, mas inadaptadas.

Jesus sublinha que, apesar de não existir um enquadramento legal dedicado, o setor não opera num vazio jurídico. Contratos civis, normas sobre menores e direitos de imagem aplicam-se por analogia. Mas a pergunta permanece: até quando poderá o mercado operar por osmose?

Da margem ao centro: uma indústria em maturação

A dimensão económica já não permite olhar os esports como fenómeno periférico. Segundo Bacelar Azevedo, este é hoje um mercado global de dois mil milhões de dólares, com um crescimento sustentado e transversal. “Há 10 anos, era uma curiosidade. Hoje, é uma vertical relevante na nossa operação de retalho, representando até 30% do negócio gaming da HP Portugal”, afirmou.

Mais do que hardware, o envolvimento da HP passa também pelo apoio continuado a clubes e eventos, numa lógica de ecossistema. Bacelar sublinha a importância de manter o foco no jogador — o verdadeiro epicentro da economia do setor — sem esquecer a interligação entre patrocínios, plataformas, audiências e infraestruturas.

E-sports como cultura: entre o ecrã e a arena

Ramiro Teodósio trouxe para o debate a dimensão sociopedagógica dos e-sports. Combinando experiências no ensino superior e projetos com impacto social, como o in-gaming do CDI Portugal, Teodósio defende que o gaming pode funcionar como catalisador de inclusão e desenvolvimento de soft skills entre os jovens.

Para além disso, sublinha que os e-sports já reproduzem dinâmicas típicas do desporto tradicional — rivalidades, transferências, estruturas competitivas. Clubes como o Sporting CP, pioneiros na criação de divisões de e-sports, contribuem para essa transição simbólica de entretenimento digital para desporto institucionalizado.

A anatomia do investimento

Mas nem tudo são vitórias. Teodósio reconhece que o setor vive, em Portugal, um “inverno dos e-sports”, marcado por retração e reestruturação. “Os investidores precisam de saber onde colocar as fichas”, diz. A sustentabilidade exige estratégia, segmentação e cautela — virtudes nem sempre abundantes num mercado moldado por tendências voláteis e grandes promessas de retorno.

Ainda assim, a diversidade de modelos de presença (do clube à criação de conteúdo, dos eventos ao streaming) permite abordagens criativas. Marcas como a HP, que apostam numa lógica transversal e de longo prazo, demonstram que há espaço para um posicionamento maduro.

E o amanhã?

A conversa termina com um piscar de olhos ao futuro: quando deixaremos os comandos e entraremos, literalmente, no jogo? Realidade virtual, competição remota e experiências imersivas já são possíveis — e vão-se democratizando à medida que os custos baixam. Mas, como notou Nuno Bacelar Azevedo, ainda estamos longe de uma massificação que altere por completo a experiência lúdica.

Enquanto isso, o mais importante está em curso: a redefinição do que significa competir, treinar e vencer no século XXI. O desporto, tal como o conhecemos, está a ser redesenhado linha a linha — com bits e frames a substituir relva e linhas brancas.

E como ficou claro neste primeiro episódio do Late Night IT, o jogo não é apenas novo. Está, ele próprio, a escrever novas regras.