A presidente do .PT, Luísa Ribeiro Lopes fala com a segurança de quem está há décadas a pensar o digital como algo mais do que uma tendência tecnológica. Enquanto presidente do .PT — entidade que gere o domínio de topo português na internet —, tornou-se uma das vozes mais presentes na discussão sobre a transformação digital do país, os perigos da exclusão e a urgência da capacitação. Com um discurso claro, articulado e sem dramatismos, fala de cibersegurança, inteligência artificial, microempresas e da importância de um endereço de email que não acabe em “@gmail.com”.

Portugal fala muito sobre transição digital. Mas ainda há quem fique para trás?

“Infelizmente, sim. Se olharmos para os indicadores europeus, Portugal está razoavelmente bem posicionado — até acima da média em termos de infraestruturas e serviços públicos digitais. Mas quando falamos de competências, a realidade é diferente. Cerca de 90% da população utiliza o digital, mas apenas 60% tem competências básicas ou superiores. Isso deixa uma fatia significativa da população — 40% — com competências digitais reduzidas ou inexistentes.”

Essa exclusão, sublinha, sobrepõe-se à exclusão social. “São sempre os mais vulneráveis: pessoas com baixos rendimentos, população idosa, migrantes, mulheres em situação de fragilidade. E como a transformação digital acelera, o risco de exclusão também aumenta.”

O tecido empresarial português, composto maioritariamente por microempresas, acompanha esse processo?

“Há muito trabalho a fazer. Muitas dessas empresas ainda não têm presença digital. E é importante desmistificar: estar online não significa ter uma loja virtual a vender para o estrangeiro. Pode ser apenas ter uma presença visível. Hoje, procurar um serviço ou produto é fazê-lo online. A presença digital é o que foram, noutros tempos, as páginas amarelas.”

O .PT participa em vários programas para ajudar as empresas a dar esse salto. “No Comércio Digital, por exemplo, em parceria com a ACEPI, trabalhamos com o comércio tradicional, ajudando a criar a sua primeira presença online. E temos também o Voucher 3em1, onde oferecemos o domínio .pt, uma ferramenta para construção de site e alojamento, e emails. Poderão saber mais em www.3em1.pt.”

Mesmo assim, há ainda reticências por parte de muitos pequenos empresários. Porquê?

“Alguns acham que não precisam. Dizem ‘as pessoas passam à porta e entram’. Mas não é verdade. Hoje, todos e todas procuramos online primeiro. Há também quem pense que uma página nas redes sociais é suficiente. E é um começo. Mas não transmite o mesmo nível de profissionalismo e confiança de um site próprio, com email personalizado. Um negócio com um endereço @gmail.com parece menos profissional. É uma questão de identidade.”

E a inteligência artificial? As empresas portuguesas estão prontas para usá-la?

“Acredito que sim, mas com apoio. Os grandes modelos de IA estão fora do alcance de muitas PME. Por isso, os chamados small language models (SLMs) são uma oportunidade. Tornam a IA mais acessível, mais barata e mais útil para contextos específicos. É um passo na democratização tecnológica.”

No .PT, a IA já é uma ferramenta do quotidiano. “Há mais de dois anos que utilizamos um sistema baseado em inteligência artificial para monitorizar nomes de domínio. Antes, era um trabalho manual. Agora, conseguimos mais eficiência, menos erros. É disso que falamos quando dizemos que a IA pode melhorar a produtividade.”

Com o crescimento da digitalização, aumenta também a preocupação com a cibersegurança. Que papel tem o .PT aqui?

“A segurança digital é uma das nossas áreas mais estratégicas. Somos uma infraestrutura crítica nacional. Temos um centro de operações de segurança, o PTSOC, inicialmente financiado pela Comissão Europeia, e trabalhamos em conjunto com o Centro Nacional de Cibersegurança, Polícia Judiciária, PSP e outras entidades.”

“A verdade é que não conseguimos impedir todos os ataques. Mas conseguimos mitigá-los e responder com eficácia. O importante é garantir um ambiente digital o mais seguro possível — e é esse o nosso compromisso.”

Há uma sensação crescente de desconfiança entre cidadãos e empresas. Falta confiança digital?

“Diria que falta literacia. O cidadão que é vítima de um esquema culpa, muitas vezes, a empresa com quem estava a interagir — mesmo que essa empresa tenha tomado precauções. É preciso educar o utilizador e promover a confiança.”

“A nível institucional, temos trabalhado com a DECO e a ACEPI no Selo CONFIO, que certifica que determinados sites cumprem as boas práticas do mercado digital. E os estudos mostram que os portugueses sentem mais segurança em comprar num site .pt do que num genérico como .com.”

Estamos a fazer o suficiente em matéria de educação digital?

“A formação é essencial, e devia ser estruturante. Houve uma iniciativa importante, o INCoDe.2030, que nos permitiu subir posições no ranking europeu. Mas precisamos de mais. Sobretudo, precisamos de concentrar esforços.”

Luisa Ribeiro Lopes destaca o Ponto Digital, um projeto liderado pelo .PT. “É um ponto de encontro na área do digital em Portugal onde é possível encontrar ações de formação, iniciativas, concursos (fontes de financiamento e prémios), estudos, recursos, ofertas de emprego, eventos e notícias na área do digital.. Há muita coisa a acontecer, mas está dispersa. O nosso objetivo é torná-la acessível num só local.”

Muitas startups continuam a escolher domínios como .com ou .io. O que diria a um empreendedor que está agora a criar uma marca?

“Escolher o .pt é escolher identidade. É escolher proximidade, confiança, segurança. Representa Portugal. E hoje, mais do que nunca, os domínios nacionais estão a ganhar peso. Com a instabilidade geopolítica global, há uma tendência crescente para privilegiar o que é local, o que é de confiança.”

O comércio eletrónico explodiu durante a pandemia. Essa tendência manteve-se?

“Houve um crescimento extraordinário em 2020, com picos de mais de 20% em novos registos. Desde então, continuamos a crescer, embora a um ritmo mais moderado — o que é natural. Muitas empresas já têm presença online e há mais concorrência. Mas continua a haver espaço para reforçar a presença com domínio próprio, com mais autonomia e profissionalismo.”

O .PT apoia diretamente empresas em áreas como marketing digital ou capacitação tecnológica?

“Sim. Fazemos formação, sobretudo em cibersegurança, e temos protocolos com o IAPMEI, a ACEPI e outras entidades. Ajudamos empresas a posicionarem-se no digital com mais segurança e conhecimento. O nosso trabalho vai muito além da gestão de domínios.”

Privacidade e soberania dos dados tornaram-se preocupações de topo para os consumidores. Qual o papel do .PT nesse campo?

“Temos uma política rigorosa. Os dados dos nossos clientes são armazenados em território europeu, com garantias de privacidade e segurança. Não há transmissão de dados a terceiros. E isso faz a diferença. É também por isso que os consumidores confiam no .pt.”

O que falta ainda fazer?

“Falta continuar a capacitar. E não apenas trabalhadores ou estudantes, mas também empresários, líderes, decisores. Só com mais formação e com políticas públicas eficazes é que vamos conseguir acelerar a transformação digital sem deixar ninguém para trás.”

Num país onde a inovação tecnológica convive com desigualdades estruturais, Luisa Ribeiro Lopes lembra que a verdadeira transformação digital não se faz com apps, mas com políticas, formação e proximidade. E que ter um .pt é mais do que um endereço — é uma afirmação de identidade num mundo cada vez mais impessoal.