Durante duas semanas, Estremoz tornou-se palco de uma transformação silenciosa, mas profunda. De telhados substituídos a paredes renovadas, são casas que recuperam dignidade, mas, sobretudo, pessoas que reencontram esperança. Esta é a missão do programa “Camp In”, promovido pela Just a Change, uma IPSS que, sob o lema «Reabilitamos casas, reconstruímos vidas», leva dezenas de voluntários a intervir diretamente em habitações degradadas por todo o país.

Nesta edição, até 3 de agosto, quatro casas estão a ser intervencionadas em Estremoz por cerca de 20 voluntários, numa ação desenvolvida em estreita parceria com a Câmara Municipal e financiadores como a EDP. O foco está na eficiência energética e melhoria estrutural das habitações, com obras que vão de substituição de janelas a reconstrução de telhados.

A força de quem lidera no terreno

Carlota Leite, coordenadora do campo de Estremoz, é o rosto da liderança jovem e empenhada da Just a Change. Com experiência acumulada noutros projetos da associação, aceitou o desafio de gerir uma equipa de quase 30 pessoas, entre voluntários e coordenadores.

«Coordenar envolve sobretudo passar a mensagem e fazer a ligação entre o mestre de obras e os voluntários», explica. Para Carlota, o impacto vai além da reabilitação física: «O nosso foco é, sobretudo, o beneficiário. A casa é o motor, mas queremos que a pessoa sinta que pode dar um novo começo à vida, independentemente da idade» .

O lado de quem ajuda

Francisco Fonseca tem 21 anos e veio da Azambuja. Foi um amigo que o convenceu a participar. No seu primeiro dia no projeto, já antecipava o cansaço, mas também a satisfação: «Acho que vai ser muito bom, no final, vermos o antes e o depois. Ver como é que o senhor Miguel reage no final das obras vai ser algo que nos vai preencher».

Teresa Adrego, do Porto, destaca o envolvimento pessoal que o projeto exige: «Gosto do voluntariado em que temos a mão na massa. Ver a diferença na casa e no beneficiário é muito gratificante. O sentimento de empatia mobiliza-nos» .

O projeto ultrapassou também fronteiras. Sérgio Bellon, voluntário vindo de Madrid, escolheu Estremoz para continuar um percurso de solidariedade iniciado noutros continentes. «Já fiz voluntariado no Quénia. Gosto de ajudar e entendo este projeto como uma forma de ser uma pessoa melhor».

O impacto na vida de quem recebe

Pedro Ramos tem 52 anos. Vive numa das casas intervencionadas pela Just a Change, nomeadamente em Veiros. Desempregado, com problemas de saúde e sem meios para reparar a própria habitação, vê neste projeto um apoio essencial. «Mesmo quando estava a trabalhar, ganhava o ordenado mínimo. Nunca na vida ia conseguir arranjar dinheiro para fazer obras», desabafa.

A sua história é marcada por dificuldades acumuladas: cuidou durante anos dos pais até ao falecimento de ambos, ficou sem carro e sem rendimentos. «Estou no rendimento mínimo, recebo 242 euros. Não consigo pagar nem a água. Ter um telhado novo é algo que eu sozinho nunca conseguiria».

Um trabalho que começa e continua com dignidade

A identificação das casas a reabilitar é feita em parceria com as autarquias e entidades locais. Em Estremoz, o apoio da Câmara Municipal foi determinante para priorizar os casos mais urgentes. «As Câmaras têm melhor conhecimento do terreno, sabem onde está a maior urgência», esclarece Carlota Leite.

Além da intervenção física, o projeto procura manter o acompanhamento aos beneficiários, respeitando sempre a sua vontade e privacidade: «Gerir a relação com os beneficiários é o mais difícil. Tentamos sempre ter o máximo de sensibilidade e respeito. Se não quiserem mudar algo, não mudamos», garante.

Um verão diferente, uma comunidade transformada

O “Camp In” em Estremoz termina no início de agosto, mas o impacto das ações de voluntariado perdurará muito além do verão. Nas paredes repintadas, nos tetos reconstruídos, mas sobretudo nos gestos, no convívio, nas conversas partilhadas entre voluntários e beneficiários, fica a marca de uma mudança que é também social.

Para os jovens que chegam de diferentes pontos do país e do estrangeiro, é uma experiência transformadora. Para quem vive nas casas intervencionadas, pode significar o recomeço de uma vida com mais dignidade. E para Estremoz, a certeza de que a solidariedade pode, de facto, reconstruir vidas.