
Um homem de 48 anos, com traumatismo craniano grave, esperou mais de cinco horas para ser transferido do Hospital da Covilhã para o Hospital de Coimbra, devido à incompatibilidade do helicóptero da Força Aérea com o heliporto disponível. A situação voltou a expor as falhas estruturais no sistema de socorro médico urgente noturno em Portugal.
O acidente aconteceu este sábado, quando a vítima sofreu uma queda grave de trotinete. Foi transportado pelos bombeiros para o Hospital da Covilhã, onde, após avaliação médica, se determinou a necessidade de transferência urgente para os cuidados intensivos de Coimbra. Os contactos entre unidades hospitalares iniciaram-se por volta das 20h00.
A situação complicou-se quando se confirmou que o único helicóptero disponível para socorro noturno em todo o país era um EH-101 Merlin da Força Aérea, estacionado na Base do Montijo. A aeronave, de grande porte, não conseguiu aterrar no heliporto da Covilhã, levando à escolha do Aeródromo de Castelo Branco como alternativa.
Às 22h00, os bombeiros voltaram a ser mobilizados para transportar o doente até Castelo Branco. A operação, já atrasada, seguiu com o helicóptero militar rumo a Coimbra, mas, novamente, não aterrou diretamente no hospital, tendo sido feita a descida no aeródromo de Cernache do Bonjardim, seguido de novo transporte terrestre do INEM até ao Hospital Universitário de Coimbra, onde o homem deu entrada à 1h30 da madrugada de domingo.
Um trajeto que deveria ter durado cerca de duas horas prolongou-se por mais de cinco, numa operação que envolveu seis equipas de socorro, entre bombeiros, INEM e militares. O homem encontra-se internado em estado grave nos cuidados intensivos.
A situação coloca sob forte escrutínio o atual modelo de socorro médico por via aérea durante a noite, que depende exclusivamente de um helicóptero militar com limitações operacionais em infraestruturas civis.
Segundo as regras em vigor, a missão de socorro noturno deveria ter sido assegurada por um helicóptero ligeiro da empresa Gulf Med, contratada pelo Estado desde 1 de julho. Esse meio permitiria o transporte direto da Covilhã para Coimbra ou, eventualmente, do próprio local do acidente. A falta de aeronaves civis e de pilotos disponíveis forçou o acionamento da Força Aérea, num cenário excecional.
A empresa em causa está envolta em fortes críticas por parte de profissionais do setor e do Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil, que já denunciou ao Tribunal de Contas alegadas ilegalidades no contrato e incumprimentos operacionais, incluindo turnos por cobrir e ausência de helicópteros para as missões previstas.
O helicóptero EH-101 Merlin é uma aeronave de grande capacidade, desenhada para operações militares complexas, incluindo voos noturnos e em alto-mar, com autonomia superior a 800 km. Apesar do seu valor estratégico, não é o meio mais adequado para missões urgentes em unidades hospitalares com infraestruturas reduzidas, como ficou evidente neste caso.
O Governo já havia prometido o reforço com um segundo helicóptero militar para o socorro noturno, mas até ao momento apenas um se encontra operacional. A promessa surgiu na sequência de críticas crescentes à sobrecarga da Força Aérea e à inoperacionalidade do sistema civil contratado para este tipo de missão.
Enquanto as garantias políticas se acumulam, o sistema continua a falhar nos momentos críticos, como este fim de semana, em que a vida de um cidadão ficou dependente de sucessivas transferências terrestres e aéreas, por falta de meios adequados e operacionais.