Protagonizar “Escape from Lisbon” (“Flucht aus Lissabon”), uma produção internacional da ZDF, é um marco relevante na sua carreira. Como é que vê o impacto deste projeto na afirmação de talentos lusos no panorama europeu?
Protagonizar ‘Escape from Lisbon’ [interpretando a personagem Sofia Moreno, n.d.r.] representa para mim não só um marco pessoal, mas também a oportunidade de colocar o talento português no centro das grandes produções europeias, alcançando uma audiência impressionante na Alemanha (7 milhões de telespectadores).Tive a sorte de nascer e crescer num país como o Luxemburgo, onde as coproduções internacionais fazem parte do ADN criativo, graças a entidades como o Film Fund Luxembourg, que impulsionam colaborações entre países e fortalecem um cinema europeu vibrante e de excelência. Vejo exatamente essa mesma abertura na Alemanha. Escape from Lisbon é uma produção alemã, que poderia facilmente ter escolhido qualquer estrela alemã para liderar este projeto, mas houve uma vontade ativa de integrar uma atriz portuguesa no papel de protagonista, mesmo com sotaque ao falar alemão. Isso é um verdadeiro passo em frente na direção certa, uma escolha consciente de diversificar, integrar e expandir as vozes no audiovisual europeu.

Eu faço parte de uma nova geração de artistas que não tem medo de atravessar fronteiras culturais e linguísticas, que traz uma energia renovada e uma voz autêntica ao cinema europeu. É profundamente inspirador perceber que, ao mesmo tempo que conto uma história intensa num thriller, também estou a contribuir para reforçar o soft power cultural português no exterior.

Sendo filha de duas culturas, portuguesa e luxemburguesa, considera que a sua trajetória reflete o potencial do soft power cultural europeu?
Sem dúvida. Nasci e cresci no Luxemburgo, filha de pais portugueses. Estudei em Lisboa, fiz Erasmus em Madrid e aprofundei a minha formação em Paris. Curiosamente, a maior oportunidade da minha carreira até hoje chegou-me da Alemanha e a minha agente alemã é, na verdade, finlandesa. Eu sou, no fundo, a personificação do que significa ser europeia: falo sete línguas, navego entre múltiplas culturas e construí uma trajetória que vai muito além das fronteiras de um só país. Sinto que há algo profundamente unificador que nos liga enquanto europeus: a diversidade linguística, a troca cultural, o enorme potencial de colaboração. Acredito genuinamente que, ao abraçarmos essa riqueza e ao trabalharmos em diferentes territórios dentro da Europa, multiplicamos exponencialmente as nossas oportunidades. O meu percurso prova exatamente isso: o soft power europeu não é apenas uma ideia abstrata. Manifesta-se nas pessoas, nas histórias e nas conexões reais que criamos todos os dias.

Lisboa tem sido palco de várias produções internacionais. Acredita que o cinema e a televisão podem funcionar como ferramentas de diplomacia cultural e projeção do país?
Absolutamente. A quantidade de pessoas, não só espectadores, mas também jornalistas, durante a ronda de imprensa que me disseram: “Uau, este filme fez-me lembrar que preciso mesmo de voltar a Lisboa” foi surpreendente. E isso aconteceu porque mostramos Lisboa de uma forma muito real, muito autêntica, não com o olhar estereotipado dos postais turísticos, mas com profundidade, abordando temas como Inteligência Artificial e a manipulação da verdade no contexto de eleições presidenciais. Ou seja, oferecemos ao público um retrato moderno e relevante da cidade, muito além do óbvio. Acho que muitos espectadores viram Lisboa por um prisma totalmente novo, e isso demonstra claramente como o cinema e a televisão podem ser ferramentas poderosíssimas de diplomacia cultural e projeção internacional.

“A quantidade de pessoas, não só espectadores, mas também jornalistas, durante a ronda de imprensa que me disseram: ‘Uau, este filme fez-me lembrar que preciso mesmo de voltar a Lisboa’ foi surpreendente”.

Numa indústria ainda marcada por desigualdades de género, sente que há espaço para um protagonismo mais consistente de mulheres em papéis de liderança dentro e fora do ecrã?
Sem dúvida, acredito que nos últimos anos assistimos a uma transformação essencial no espaço dado às vozes femininas, mas ainda há um caminho considerável a percorrer. No meu percurso, senti desde cedo tentativas de me encaixar em estereótipos ou expectativas pré-definidas. Mas sempre soube muito bem quem sou, que tipo de atriz quero ser e que histórias quero contar. Nunca aceitei ser colocada em caixas.

Em “Escape from Lisbon”, interpreto uma hacker determinada, uma mulher que conduz a narrativa, que faz tudo para resgatar o filho desaparecido. Não é uma vítima à espera de ser salva; é uma protagonista ativa, com voz própria, inteligência e coragem. Este tipo de papel mostra bem que as histórias já não são preto e branco: há espaço para personagens femininos complexos, com profundidade e impacto.

Acredito firmemente que, com cada papel que escolho, estou a contribuir para esta mudança. Porque a verdadeira liderança feminina não é só estar presente, é ocupar espaço, desafiar normas e inspirar transformação. A liderança feminina não é apenas estar à mesa. É ter voz, ter visão e abrir caminho para quem vem a seguir.

“A liderança feminina não é apenas estar à mesa. É ter voz, ter visão e abrir caminho para quem vem a seguir”

A sua personagem em “Escape from Lisbon” insere-se num thriller, um género intenso e exigente. O que procurou transmitir com esta protagonista e de que forma representa uma mulher com voz própria?
Sem dúvida, esta foi a personagem mais desafiante da minha carreira. Uma mãe e hacker confrontada com o rapto do filho, usada como peça de chantagem num jogo de manipulação política. Ela não espera ser salva: age, resiste e lidera. Interpretá-la exigiu muito de mim: emocionalmente, fisicamente (com cenas intensas em barcos, rios, subir e descer escadas durante horas) e também linguisticamente, já que todo o projeto foi em alemão. Apesar de ter crescido no Luxemburgo a falar alemão, nunca imaginei protagonizar um thriller inteiro nessa língua, com monólogos densos e complexos. E depois, a maratona de imprensa no contexto do filme, com mais de 40 entrevistas para os principais meios da Alemanha, Áustria, Suíça, algumas com três horas de conversa em alemão. Foi nesse momento que percebi: tal como a minha personagem, eu também descobri uma força que desconhecia em mim. Essa experiência ensinou-me que liderança, feminina ou não, é também isto: ultrapassar os nossos próprios limites, ganhar voz num novo território e mostrar que somos capazes de ocupar esse espaço com autenticidade e impacto.

©Paulo LoboSofitel Le Grand Duca

Tem partilhado publicamente momentos de gratidão e autenticidade, como quando revelou a surpresa que foi ser escolhida para este papel. Acredita que a vulnerabilidade pode ser uma forma poderosa de liderança?
Ser escolhida para este papel foi muito mais do que um simples marco na minha carreira, foi uma verdadeira transformação. Sete milhões de pessoas já viram o filme, e essa experiência mudou a minha vida profundamente. Pessoalmente e profissionalmente.

Comecei a minha carreira na televisão, mas fiz uma escolha consciente de dedicar muitos anos ao teatro. Na altura, muitos não compreendiam como poderia deixar a visibilidade da televisão por algo aparentemente mais humilde como o teatro. Mas foi uma decisão muito pessoal, um compromisso com a minha arte e o meu crescimento enquanto atriz. Por isso, esta oportunidade chegou como um momento de viragem, quase como se a vida estivesse a recompensar a minha honestidade e dedicação. Todos aqueles anos de paciência e integridade levaram-me a este instante de transformação. Quanto à vulnerabilidade, acredito que partilhar a nossa história não nos enfraquece, pelo contrário, torna-nos mais humanos e autênticos. O sucesso nunca é uma linha reta, é feito de pequenos passos, conquistas e desafios, dúvidas e superações. Pequenos passos levam-nos a grandes conquistas. Quando nos mostramos verdadeiramente, com as nossas fragilidades e forças, criamos uma conexão profunda com as pessoas. Elas veem em nós um reflexo das suas próprias lutas e sonhos, e é aí que nasce uma empatia genuína. Para mim, essa autenticidade é a base de uma liderança verdadeira, uma liderança que inspira, que transforma e que abre caminho para os outros.

No fundo, ser vulnerável é ser forte. É abraçar a nossa humanidade e liderar com coragem e verdade. Porque, como diz o ditado artístico, “quanto mais pessoal, mais universal”. É nessa verdade que reside a força de uma liderança que realmente faz a diferença.

“Acredito que partilhar a nossa história não nos enfraquece, pelo contrário, torna-nos mais humanos e autênticos”

Ao longo da sua carreira, tem navegado por diferentes culturas, línguas e estilos de interpretação. Que competências considera essenciais para uma atriz europeia no mercado global atual?
Aprendi que, para uma atriz europeia se destacar no mercado global atual, algumas competências são absolutamente essenciais. Primeiro, a inteligência emocional é fundamental. Há uma identidade europeia comum, valores partilhados que nos unem, mas cada mercado tem a sua energia e dinâmica próprias. Por exemplo, notei que em países como Luxemburgo ou Alemanha, as relações são mais formais e reservadas, enquanto em Portugal ou Espanha o contacto é mais caloroso e informal. Até na relação com os meus diferentes agentes noto isso. É necessário ser muito sensível e adaptável para perceber e respeitar essas nuances culturais, e essa sensibilidade emocional permite criar ligações genuínas com profissionais de diferentes origens. Em segundo lugar, a adaptabilidade é vital. O mundo da atuação exige que saibamos mergulhar em contextos culturais distintos, compreender realidades diversas e ajustar a nossa forma de comunicar e interpretar de acordo com cada ambiente. Claro que o domínio de línguas para um ator é outro pilar fundamental. Falar várias línguas não só abre portas a papéis variados, como também evita que sejamos vistos apenas como “a estrangeira”, permitindo uma integração mais natural e autêntica em cada projeto. Por fim, acrescentaria a importância da resiliência e da autenticidade. Navegar entre culturas e mercados diferentes não é linear; requer coragem para manter a nossa essência, enquanto nos reinventamos constantemente para responder às exigências e oportunidades do cenário global. Em suma, a combinação de inteligência emocional, sensibilidade cultural, domínio linguístico, adaptabilidade, resiliência e autenticidade é o que hoje define a atriz europeia capaz de defender papeis internacionalmente. E é esta a minha ambição e compromisso contínuo.

Quando pensa no futuro, quais são as histórias que gostaria de contar e que impacto gostaria de deixar, enquanto mulher e artista, no cinema europeu?
Quando penso no futuro, sonho com papéis que expressem toda a minha complexidade. Talvez uma personagem que fale as sete línguas que domino, como uma agente secreta, diplomata ou linguista. Quero trabalhar com realizadores visionários, cujas histórias tenham profundidade e deixem um impacto duradouro. O cinema tem o poder de emocionar, transformar e até salvar. Como artista, desejo integrar narrativas que inspirem e provoquem mudanças reais. Já alcancei conquistas que pareciam impossíveis, e o meu compromisso é continuar a trilhar um caminho fiel a mim mesma, alicerçado na integridade, paixão e autenticidade. No fim, quero olhar para trás com orgulho, sabendo que segui os meus instintos e contribuí de forma significativa para o cinema europeu e além.