
O sorriso fácil, a leveza na voz, o branco dos dentes a irradiar como há uns valentes meses, na sua segunda vez na carreira a ter a primeira conferência de imprensa enquanto novo treinador do Benfica. Não agora. Esta era outra repetição, a da primeira faladura antes do primeiro jogo oficial de uma nova época. Acontecera em 2019, acontece de novo em 2025, eis Bruno Lage bem-disposto em mais um raiar, este a tê-lo com piadas e a dar as boas-vindas ao novo assessor de comunicação da equipa principal do Benfica, sentado a seu lado, e a outras caras novas no staff. “Respostas sobre mercado já foram dadas, já falei sobre saídas e entradas”, engraçou.
Só após Fredrik Aursnes ter a palavra é que falaria realmente o treinador. Depois então chegaríamos ao futebol, à final da Supertaça de Portugal, ao jogo em si, ao reencontro com a equipa do Sporting. Mas não.
De facto Bruno Lage fintou abordar vendas e compras, entradas e saídas de jogadores, brincou até com a pergunta sobre o regresso frustrado de João Félix para o Benfica: “Se querem que fale sobre o João, têm de perguntar sobre o João Rego e o João Veloso. O Félix de quem vou falar é o Nuno, um atleta em quem acreditamos muito, temos muitas expectativas, mas foi com muita pena que o perdemos para uma lesão.”
Mostrou-se preparado para o expectável. Repetiram-se as questões sobre o mercado e do treinador, nada. “Quando terminar, aqui estarei para responder”, garantiu. Até lá, só deixou as traves-mestras, que nada desvendam, sobre a política do clube com o carrinho de supermercado futebolístico: “O nosso mercado tem em linha de conta os seguintes pontos: jogadores lesionados, jogadores em final de contrato, jogadores vendidos e o reforço da equipa. Estamos a fazer o nosso mercado com base nestes quatro pontos.”
Não cedeu quanto a Franjo Ivanovic, o iminente novo avançado encarnado, já aterrado em Lisboa, porque “ainda não é jogador do Benfica”, embora se tenha baixado a guarda quanto a Orkun Kökçü, saído para o Besiktas: “Tivemos uma excelente relação, surgiu uma oportunidade para ele sair, ele saiu e tivemos de procurar um jogador para o substituir.” Sobre os reforços já acolhidos e equipados, Richardo Ríos, Enzo Barrenechea, Amar Dedić ou Rafael Obrador, nem uma menção que concretizasse a generalização que deixou: “O nosso maior adversário é, entre jogos, recebermos todos os jogadores, prepará-los da melhor forma e ir ao encontro da maneira em que acredito que esta equipa pode jogar.”
Mas o tal maior oponente, corrigiria, não é esse. Também não é o Sporting, oponente na final da Supertaça, sobre o qual apenas disse ser “muito competente, com excelentes jogadores”, e nada mais.
É o tempo, ou a míngua, a que já se sabia que o Benfica teria do elemento que Bruno Lage introduziu quando lhe perguntaram sobre “como está a equipa” do Benfica. E o treinador aproveitou. “Temos 14 dias de trabalho, dois jogos de treino, no entanto, temos agora um contra um adversário muito competente, é um troféu que queremos vencer. Mas o nosso maior adversário é o tempo, a falta dele, para descansar de uma época longa e de um Mundial. Mas isso não vai servir de desculpa. É mais um adversário que teremos de vencer. Temos 14 dias de trabalhos, estamos à procura da melhor dinâmica”, explicou o técnico que foi fintando outras questões para manter a foco no tempo - “é esse que temos de vencer.”
Sobre futebol a sério, o jogo que será jogada, nada de específico ficou da conferência de imprensa. Perguntou-se a Bruno Lage, várias vezes, sobre a arbitragem, as críticas do Benfica à nomeação de João Pinheiro, as vindouras eleições no clube, o ambiente que tal faz pairar sobre a equipa e demais inquirições alheias ao campo e o treinador, tecnicista, fintou-as todas.
Que “o elogio de amanhã para o árbitro seja falar do jogo e dos verdadeiros artistas”, disse. Quanto a quezílias entre candidatos presidenciais, tem “consciência dos tempos que aí vêm” e tentará “não entrar num ato político”. Sobre um suposto e hipotético e irrealista boicote do Benfica à final da Supertaça por não ter sido adiada, lá está, face ao adversário que o tempo é, realçou que “os homens” que lidera “são jogadores do Benfica” e “onde quer que seja a hora e o local”, vão “jogar para ganhar”. E cautela, alertou Lage, resoluto na vontade de “traçar uma linha” nestes tensos dias pré-eleitorais: “Não vou deixar que haja um ataque aos meus jogadores e à minha equipa. Qualquer ataque que chegue à equipa ou aos jogadores, independentemente de quem seja, vão ter de levar comigo.”
Feito o aviso, restavam questões a sondá-lo sobre a fundição entre futebol e politiquices, uma em concreto a aferir se o resultado da final de quinta-feira poderá interferir nos gostos ou narizes torcidos para candidatos nas eleições. Bruno Lage estranhou, demorou-se um segundo a reagir. “Vamos jogar um jogo de futebol”, disse. Só isso.
Mas de futebol pouco, ou quase nada, se falou antes da Supertaça.