
Eligio Regalado é um pastor evangélico no estado de Denver, nos Estados Unidos da América (EUA), conhecido pela comunidade e amigos como Eli. Em outubro de 2021 recebeu um chamamento divino: era Deus, que a meio de um sonho, lhe sussurrou: "cria esta criptomoeda e entrega-a ao meu povo para distribuir riqueza", segundo o próprio.
Com uma vida dedicada à igreja, Regalado trabalhava com a mulher Kaitlyn Regalado, numa empresa de marketing, mas largou tudo para seguir o conselho do Senhor. Menos de um ano depois, em agosto de 2022, apresentou o projeto INDXcoin aos seguidores, onde proferiu a frase acima citada, mas não ficou por aqui. Fundou ainda o Kingdom Wealth Exchange, uma plataforma onde se podia negociar a criptomoeda.
Desde a sua criação, esta criptomoeda - que, segundo o site oficial, combina “princípios bíblicos sobre riqueza com tecnologia blockchain" - convenceu cerca de 300 investidores, que colocaram um total de 3,4 milhões de dólares (cerca de 3 milhões de euros) neste projeto. Mas houve um problema. Quando alguns deles quiseram reaver o dinheiro, já lá não estava.
Passados três anos, no dia 22 de julho, uma má notícia chegou do Tribunal Distrital de Denver: "o Procurador Distrital de Denver, John Walsh, anunciou hoje que indiciou Eli e Kaitlyn Regalado por 40 crimes relacionados com um alegado esquema fraudulento de criptomoeda de vários milhões de dólares".
Parte do dinheiro investido foi desviado para uma conta do casal e serviu para obras em casa, compras de roupa de luxo, automóveis, férias, tratamentos dentários, manicures, estadias em motéis, serviços de uma ama, entre outros, segundo a acusação.
"Alegadamente, os Regalado usaram as suas ligações religiosas para recrutar investidores, prometendo retornos exorbitantes sobre os investimentos. A acusação indica que, na realidade, apenas uma pequena parte dos fundos foi canalizada para o projeto, e que os Regalado gastaram pelo menos 1,3 milhões de dólares em despesas pessoais — incluindo obras de renovação da casa. Ainda de acordo com a acusação, a INDXcoin não tinha qualquer valor, e todos os investidores perderam o dinheiro investido", pode ler-se no comunicado do tribunal.
Já depois da acusação, Eli Regalado justificou-se aos investidores, num vídeo publicado nas redes sociais onde explica que os gastos pessoais que o casal fez com o dinheiro investido por outras pessoas no projeto, foram "sugeridos por Deus".
Mas a intervenção divina não foi essencial só para dar um empurrão ao projeto de criptomoedas, como também a definir algumas estratégias de negócio. Por exemplo, Regalado permitia que os investidores alavancassem o seu investimento até 10 vezes, porque Deus lhe tinha dito que seria uma boa estratégia, admite, no mesmo vídeo. Trata-se de uma forma de investimento muito mais arriscado, uma vez que amplia os potenciais ganhos, mas também as potenciais perdas. Dava a possibilidade, por exemplo, de quem investisse 1.000 euros, controlasse 10.000 euros desta criptomoeda, sendo que a empresa que a geria emprestava os 9.000 euros. Com uma alavancagem de 10x, basta o valor do ativo cair 10% para perder todo o investimento.
Da igreja às criptomoedas
O casal Eli e Kaitlyn Regalado, quando ainda trabalhavam numa empresa de marketing, fundaram a Victorious Grace Church, uma igreja online criada em 2020. Não tinha um espaço físico e a sua operação era feita toda através de canais digitais, como o Facebook, Youtube e Telegram, com cerca de 300 seguidores. As redes sociais da igreja eram usadas, muitas vezes, para promover a criptomoeda, através de conferências por streaming, recorrendo a passagens bíblicas para reforçar a ideia de que estavam numa missão divina.
No documento técnico de apresentação (whitepaper) da INDXcoin diziam que este era um projeto “livre das manipulações de preços que afetam muitas criptomoedas”, ambicionando posicionar-se entre os 10 principais ativos digitais do mercado, "imune a esquemas como o pump and dump" (inflacionar e desvalorizar artificialmente o preço), e prometia uma “relação risco-retorno sem precedentes".
Apesar de ser um produto acessível a todos, tinha um público-alvo claro: a comunidade cristã. “Com mais de 2 mil milhões milhões de cristãos distribuídos por mais de 200 países, um dos objetivos do INDX é tornar-se a plataforma preferida de cada crente, enquanto ajuda a inspirar e fortalecer a sua vida espiritual”, lia-se no mesmo documento.
O tribunal alega que os dois também mentiram sobre o real suporte desta criptomoeda, porque, na prática, não havia liquidez associada ao INDXcoin, nem estava indexado a qualquer criptomoeda, ao contrário do que dizia o whitepaper.
Em janeiro de 2024, o tribunal determinou, de forma cautelar, o congelamento dos bens do casal e proibiu-os de continuar a comercializar o token. Dias depois, num vídeo divulgado na sua plataforma, o pastor reconheceu a burla — embora tenha alegado que criou a criptomoeda por indicação divina: “Deus pediu-me que o fizesse”, afirmou. “Mas acabou por se revelar uma fraude”, admitiu. Nessa mesma intervenção, confessou que os investidores não tinham forma de recuperar o dinheiro, que a plataforma de negociação deixara de funcionar corretamente e que, agora, só restava “esperar por um milagre”
Em respostas a este vídeo, publicado no portal da comunidade do projeto, Eli teve apoio dos seus seguidores e percebe-se o peso da igreja neste projeto, uma vez que quase todos deixam referências cristãs. O utilizador Robert M. Caruso disse que estava "a orar" pela família, enquanto Mark Emery diz que "os tribunais estão instrumentalizados e politizados" e que "Deus tem um plano para vocês". O pastor Adrion Roberson garante que a família agiu de boa fé porque, citando o apóstolo Mateus na Bíblia "se fosses guiado pelas trevas, o orgulho não te permitiria revelar tudo". Já Michael McCord diz que "ninguém pode fechar uma porta que o Senhor abriu".