
Os hábitos que certas circunstâncias futebolísticas impõem cravam outras certas expetativas na cabeça de quem acompanha a bola. Em seleções sub-21, seja aqui ou acolá, comum é ver treinadores com larga experiência de trabalho com escalões jovens, ou pelo menos gosto assumido em trabalhar com gaiatos, a assumir o cargo de selecionador do derradeiro patamar antes de os jogadores virarem adultos na sua versão de chuteiras calçadas. Não é propriamente frequente ver alguém com 119 partidas na I Liga chegar lá.
Caso de Luís Freire, o ascendente técnico que na quarta-feira surgiu a posar ao lado de Pedro Proença, com uma camisola da seleção em mãos, para ser confirmado como novo selecionador dos sub-21 de Portugal. Vivo há 39 anos, contou os últimos cinco a trabalhar na principal divisão no Nacional, Rio Ave e Vitória, percurso sempre a subir entre o Funchal, Vila do Conde e Guimarães para o treinador que amealhou subidas de divisão ao longo da carreira, que começou por baixo, nas distritais.
Um caminho oposto ao de Rui Jorge, o homem a quem sucede, acumulador de 14 anos no cargo e que o assumiu em 2010, quando o seu currículo mostrava somente dois jogos como treinador principal na I Liga, com o Belenenses, e mais de uma centena na I Divisão do campeonato nacional de juniores. A bota do seu percurso nos bancos batia com a perdigota percecionada como a mais compatível com orientar uma seleção de sub-21. Rui Jorge esteve 127 partidas na função, indo a cinco Campeonatos da Europa e uma edição dos Jogos Olímpicos.
O cargo tinha um caráter algo saltimbanco antes de Rui Jorge. Só na primeira década deste século foram seis os treinadores a saborearem o banco dos sub-21, nenhum com a estabilidade que o mais recente ocupante da função deu ao poiso: Oceano Cruz lá esteve durante 12 encontros, Rui Caçador contou 23, José Couceiro fez 13, Agostinho Oliveira chegou aos 17 e José Romão durou 16 partidas. Nenhum esteve mais do que quatro anos com esta ocupação.
Sobretudo, apenas um deles tinha maior experiência prática de Luís Freire a treinar no principal escalão do futebol português: José Romão e os 389 jogos que registou entre 1984 e 2000, ano em que aterrou nos sub-21. Não mais treinaria na I Liga. De resto, apenas José Couceiro tinha algo numericamente parecido com o terreno palmilhado por Freire: o seu conta-quilómetros mostrava já 94 dos 217 encontros na primeira divisão que hoje soma. Agostinho Oliveira, Rui Caçador e Oceano nunca o tinham feito antes de aceitarem tomar conta do último escalão jovem das seleções nacionais.
O mais recente convidado a tratar desse assunto foi descrito pela Federação Portuguesa de Futebol (FPF) como “uma aposta claramente ambiciosa, num treinador que alia uma sólida experiência de trabalho com jovens jogadores a um conhecimento efetivo do futebol profissional”. Luís Freire estava livre desde maio, quando deixou o Vitória de Guimarães ao fim de oito vitórias, seis empates e cinco derrotas em 19 jogos, na sequência de uma passagem pelo Rio Ave (2021-2024), no qual se sagrou campeão da II Liga, em 2021/22.
A ambição para render o recordista
Antes da estreia na I Liga pelos vila-condenses, em 2022/23, Luís Freire comandou o Ericeirense, o Pêro Pinheiro, levando-o aos títulos das duas primeiras divisões distritais da Associação de Futebol de Lisboa, em 2015/16 e 2016/17, o Mafra, com o qual venceu em 2017/18 o Campeonato de Portugal, então terceiro escalão nacional, o Estoril Praia e o Nacional.
A FPF não se coibiu de trilhar no imediato uma certa dose de pressão para Luís Freire, ao anunciar publicamente que o objetivo é fazer de Portugal campeão europeu da categoria. “O novo selecionador nacional de sub-21 integra a estrutura técnica da FPF com a ambição de conquistar o Campeonato da Europa da categoria, em 2027”, estipulou a entidade, ligando logo o técnico a essa prioridade, e mais outra - “bem como de garantir a qualificação para os Jogos Olímpicos de Los Angeles 2028.”
Luís Freire sucede a Rui Jorge, que terminou contrato com a FPF e fechou um trajeto de quase 15 anos nos sub-21, volvida a segunda eliminação consecutiva nos quartos de final do Europeu da categoria - competição nunca conquistada pela equipa das ‘quinas’ -, com uma derrota frente aos Países Baixos (1-0), em 21 de junho, em Zilina, na Eslováquia.
“A FPF agradece todo o trabalho, dedicação e profissionalismo de Rui Jorge, agradecendo o seu contributo na formação e desenvolvimento dos jovens atletas internacionais do escalão e desejando-lhe as maiores felicidades profissionais e pessoais para o futuro”, assinalou, sobre o contributo prestado pelo sucessor de Oceano Cuz desde novembro de 2010
Rui Jorge, de 52 anos, cessa funções cinco meses depois da eleição de Pedro Proença como presidente da FPF, num trajeto iniciado já na reta final dos mandatos de Gilberto Madail e cumprido quase na totalidade com Fernando Gomes, que proporcionou cinco presenças em Europeus de sub-21, nos quais Portugal perdeu as finais de 2015 e 2021, ficou pelos ‘quartos’ em 2023 e 2025 e não ultrapassou a fase de grupos em 2017.
Recordista de jogos (127) e vitórias (90) à frente dos sub-21 - somou ainda 19 empates e 18 derrotas, com 325 golos marcados e 105 sofridos, o ex-defesa esquerdo internacional ‘AA’ português conduziu também a seleção olímpica aos ‘quartos’ dos Jogos do Rio2016.