
No início do mês de junho, o zerozero lançou um artigo sobre os melhores marcadores no futebol sénior masculino em Portugal durante a época 2024/25, independentemente da divisão.
Ora, entre os nomes presentes na lista, estavam dois jogadores com um pormenor diferente dos demais. Para além do futebol, onde são goleadores, Vasco Gonçalves e Duarte Algarvio jogam futebol de praia, sendo até internacionais portugueses nessa modalidade.
Ao serviço do Guiense, Vasco Gonçalves superou a média de um golo por jogo, com 34 tentos em 29 partidas. No entanto, este registo não foi surpresa, uma vez que tinha marcado 92 golos nas três épocas que antecederam a que agora termina.
Para além deste desempenho no futebol, representa o GRAP no futebol de praia, onde também se destaca como goleador - 27 em 23 partidas em 2024. O ano foi coroado com a chamada à seleção nacional, que representou em seis ocasiões.

Já Duarte Algarvio destacou-se pelo CD Cova da Piedade na última temporada. Em 2024/25, apenas não constou da lista de marcadores em quatro das 25 partidas que realizou. Ao todo foram 33 golos pelo Piedade, que garantiu a subida à 1ª Divisão da AF Setúbal.
No futebol de praia, o sucesso é ainda maior. Ao todo são dez títulos no currículo do internacional português. Entre eles destacam-se as duas conquistas da Euro Winners Cup, em 2022 e 2024, e a Liga Europeia de Praia, pela seleção portuguesa.
Com alguma curiosidade em relação a esta dupla, o zerozero conversou com os atletas em questão para compreender a realidade dos mesmos.
«Base de recrutamento no futebol de praia não é muito grande»
Apesar de terem mais sucesso no futebol de praia, ambos os jogadores revelaram que, tal como muitas crianças à volta do país e do mundo, foi com o futebol de campo que cresceram, acabando por praticar o desporto até aos dias de hoje.
Vasco Gonçalves, atleta do GRAP, explicou o processo que o levou a experimentar uma nova modalidade: «O futebol de praia surgiu há uns anos por convite do antigo treinador do GRAP. A base de recrutamento aqui em Pousos (Leiria) e o orçamento não são muito grandes, mas procurávamos malta do futebol de 11 para ir experimentando.»

«Sinceramente é também para chegar ao verão e mantermo-nos aptos, foi assim que surgiu. Depois, o gosto pela modalidade é um bicho que vai agarrando», explicou.
Utilizar o futebol de praia como método de preparação para a época de futebol foi algo que também atraiu Duarte Algarvio para a modalidade: «Eu usava muito o futebol de praia como treino para fazer uma pré-época antes do futebol de 11. Entretanto, vi que as coisas corriam bem. Facilmente cheguei à seleção na segunda época que jogava. E, a partir daí, as coisas foram-se desenrolando.»
«A escolher um pelo gosto seria o futebol de 11»
Face às estatísticas estonteantes que os colocaram na lista de melhores marcadores em Portugal, ambos admitiram que é uma valorização positiva. Vasco Gonçalves reforçou que, mesmo não estando no mesmo nível de competição de Gyökeres, é «sempre bom ser reconhecido» pelo que fez.

Por outro lado, Duarte Algarvio reforçou que os seus bons números são fruto da sua dedicação ao desporto, com menção especial para a equipa do CD Cova da Piedade: «Foi um trabalho de alguns meses. Abdiquei de algumas coisas e foi reflexo de muito trabalho e muito treino. Também dos meus companheiros, porque sem eles não acontecia nada disto.»
Quando questionados sobre qual é a prioridade entre os dois desportos, os atletas responderam «futebol de praia». No entanto, o gosto dos jogadores é diferente.
«Comecei a jogar futebol de campo com 6 anos. Se tivesse de optar por uma neste momento, optava pelo futebol de praia por razões óbvias, mas o gosto pelo futebol de 11 é muito grande. Acho que a escolher um pelo gosto seria mesmo o futebol de 11. Pela atualidade e pelas eventualidades que estou atualmente, escolhia sempre o futebol praia», revelou o ala do GRAP.
Duarte Algarvio partilha da mesma opinião: «O futebol de praia tem-me dado muitas coisas: experiências incríveis, alguns títulos... Mas o futebol de 11 é onde eu consigo ser a pessoa mais simples do mundo. É onde se vê o Duarte mais simples do mundo. Por isso, se calhar, a minha preferência é o futebol de onze.»
A discordância começa nas suas capacidades. Enquanto Vasco Gonçalves afirma que é melhor jogador de futebol de praia, o ala do Ericeirense (praia) não partilha da mesma opinião.
«Neste momento, devido ao que fiz nas últimas épocas, se calhar diria que sou melhor jogador de futebol de 11», atirou, num momento de boa disposição.
«Às vezes falho jogos no futebol de 11 por causa da areia»
Ser parte de uma modalidade, seja em que nível for, exige esforço, treino e dedicação. Participar em duas ao mesmo tempo, a este nível, é quase inédito. Vasco Gonçalves explicou como é a suas rotina e como se divide entre os dois desportos.

«Normalmente a competição do futebol de praia é no verão, quando o futebol distrital está parado. Às vezes as épocas conjugam um bocadinho, e aí tenho que tomar a decisão entre um ou outro. Este ano até tive de falhar dois jogos por causa de uma ida à Seleção, mas dá praticamente sempre para conjugar: quando o futebol de praia começa é quando o futebol de 11 está a terminar», revelou o ala do GRAP, acrescentando que é impossível passar a jogar num campeonato nacional:
«Eu trabalho e não tenho objetivos de jogar campeonatos nacionais por causa disso. Se aparecer uma oportunidade, que seja perto, que dê para conjugar, é uma coisa. Agora, não aparecendo- e em Leiria também não temos muita escolha- eu não tenho muito interesse porque não vou abdicar da minha vida profissional para o futebol.»
Duarte Algarvio confirmou também que «de vez em quando» ainda falha jogos de futebol de 11 em prol do futebol de praia. No entanto, afirmou que estaria disposto a subir de nível na pirâmide do futebol nacional: «No momento em que tivesse uma oferta mais alta teria de abdicar do futebol de praia.»

No que toca a possíveis lesões ou ausências, ambos os atletas acreditam que os clubes não se opõem a esta dupla participação e que, caso algo acontecesse, poderia ser resolvido de forma amigável.
«Eu não vou para os clubes de futebol sem dizer esta parte. Depois toca aos clubes aceitarem ou não esta condição. Por acaso, nas últimas duas épocas, no Cova da Piedade, eles aceitaram sempre. No futebol de praia, é mais complicado. E não o faço muitas vezes porque a competição no futebol de praia é curta e há oportunidades que não dá para deixar para trás», referiu o ala do Ericeirense.
«Por acaso, a mim nunca me aconteceu. Não tenho tido lesões, felizmente. Ou seja, não sei como é que os clubes reagiriam. De toda a maneira, os clubes por onde passei não tiveram qualquer problema em relação a isso. É uma situação que, se acontecer, há de ser resolvida com a maior celeridade das partes», comentou Vasco Gonçalves.
«Colegas no futebol de campo perguntam como é estar num Mundial»
Quanto à sua experiência na seleção nacional de futebol de praia, o ala do GRAP assinalou as principais diferenças que sentiu relativamente a outros ambientes desportivos em que participou: «O profissionalismo e a forma como se fazem as coisas foi completamente assoberbante na primeira vez que fui à Seleção. É um profissionalismo que nunca tinha vivido e ao qual não estava habituado. Outra diferença é a exigência. Na Seleção exige-se o máximo. Tem que ser o desempenho total em cada treino, em cada jogo, em tudo o que se faz. E a forma como se vive é uma forma que eu nunca tinha experienciado», acrescentou Vasco.

«No Piedade estamos ali para nos divertirmos e completar algo que temos cá dentro. Fazemos muitos esforços para estar ali quando, às vezes, as condições não são as melhores. No futebol de praia, um estágio da Seleção é muito profissional. Treina-se de manhã e à tarde, faz-se a recuperação, almoço e jantar já em horários definidos, é tudo muito diferente», disse Duarte Algarvio.
Em jeito de conclusão, o ala do Ericense partilhou também a reação dos seus colegas do futebol às participações em grandes competições pela Seleção de futebol de praia: «Eles perguntam muito sobre como é jogar um Mundial ou um Campeonato Europeu e eu digo-lhes que lido como se fosse um jogo normal. Acredito que possa ser diferente para eles verem-me ali, mas sou mais um jogador que está ali para ajudar», concluiu.
*por Henrique Martins