Histórico, memorável e inesquecível.

Pela primeira vez em 101 anos, o Lusitânia de Lourosa vai jogar nos campeonatos profissionais. A subida, confirmada com um triunfo frente ao 1.º Dezembro no último sábado, significou o cumprir de uma meta traçada pelo presidente Hugo Mendes, aquando da sua eleição em 2016.

«É uma grande satisfação e o cumprir de um sonho colocar o Lourosa nos campeonatos profissionais pela primeira vez em 101 anos. Foi uma luta enorme. Era um sonho desta direção, desta cidade e dos sócios do Lourosa», começou por dizer o dirigente, a A BOLA.

O grupo, que cumpriu o sonho das suas gentes, inscreveu o seu nome na história do emblema corticeiro sob comando de Pedro Miguel, que sucedeu a Renato Coimbra à quinta jornada da fase regular. E pode juntar o título de campeão ao feito inédito.

«Aceitei o convite do Lourosa com o objetivo de subir e de ser campeão. Conhecia o clube e acreditei que era possível inverter as coisas. Unimo-nos e apontámos como objetivo chegar aos quatro primeiros. O grupo sabia que era preciso fazer mais para alterar as coisas e fez uma ponta final de fase regular fortíssima com seis vitórias, conseguindo chegar à fase de apuramento de campeão. Se esperava ter a situação definida a duas jornadas do final? Não, mas agora vamos atrás do título de campeão», referiu o treinador.

Com grande parte da carreira construída na UD Oliveirense, Pedro Miguel descreveu a equipa dos leões, na qual a estrela é o coletivo.

«A equipa procura sempre praticar um futebol ofensivo. Vale pelo seu todo, não tem grande estrelas. Na fase final, os jogadores com mais golos são o Sérgio Ribeiro (quatro) e depois é o Bruno Faria, que é central (três). Não dependemos de nenhum jogador, dependemos de todos. Este é um triunfo do coletivo, do presidente, do Nuno Correia, do Ricardo Ramos, da equipa técnica, dos jogadores e adeptos. Todos foram fundamentais para o êxito», apontou.

«Não estava feliz em Leiria»

Por seu turno, Arsénio, jogador com longa carreira no futebol nacional, ingressou no Lourosa em janeiro após uma experiência na União de Leiria, tendo contribuído com um golo e cinco assistências para a subida.

«Não estava feliz em Leiria. Vinha de uma lesão e não vivia uma fase muito boa.  Surgiu a possibilidade de vir para o Lourosa e como a minha esposa é de cá, já acompanhava a equipa. Juntei-me ao projeto e encontrei um grupo como não via há muitos anos: incrível, unido, que gosta de brincar, mas que tem muita seriedade na hora do trabalho. Ao fim de dois dias parecia que estava cá há dois anos», partilhou.

Aos 35 anos, Arsénio aceitou descer um patamar para recuperar a alegria de jogar futebol.

«Por vezes, o que as pessoas entendem como passos atrás tornam-se passos em frente passado alguns meses depois. Tivemos sucesso e somos olhados de outra maneira. É melhor do que estarmos tristes e sem jogar numa liga superior. Foi um recomeçar para ser feliz novamente», justificou, acerca da saída da Liga 2 para os lusitanistas.

O experiente jogador desfez-se em elogios aos colegas e apontou a força do balneário como segredo para o sucesso.

«Os melhores grupos onde estive conseguiram sempre conquistas. Já tenho algumas subidas na carreira e todas tiveram em comum um bom balneário. Só se consegue ter sucesso com um grupo de homens que sabe separar o trabalho da brincadeira e que é unido dentro e fora de campo», argumentou.

Com o futuro por definir, Arsénio não escondeu, de resto, o desejo de acompanhar o Lusitânia de Lourosa na estreia nas competições profissionais, reiterando que a sua carreira mudou.

«A subida foi especial e fiquei feliz por ajudar, mas o primeiro dia em que meti aqui os pés foi o melhor de todos. Foi um dia de viragem em termos pessoais. Gostava de ficar cá, mas não depende só de mim. Vamos ver, temos tempo para isso», atirou.

«Sem o presidente Hugo Mendes isto não teria sido possível»

O percurso até à Liga 2 foi sinuoso, com alguns percalços que deixaram marcas. No entanto, a visão, a crença e a capacidade de envolver uma cidade em torno de um clube demonstrada por Hugo Mendes tornou-o no grande obreiro deste sucesso recente – quase por unanimidade, diga-se.

Foi em tenra idade e pela mão do pai, natural da cidade, que nasceu a paixão do empresário pelo emblema do leão. Há oito anos, o coração falou mais alto e decidiu candidatar-se à presidência.

«Vi o clube terminar no sexto lugar da distrital de Aveiro em 2015/16. Já tinha uma grande paixão pelo Lourosa pelo que decidi candidatar-me à presidência. Queria colocar o Lourosa nos campeonatos profissionais, sentia que o leão estava adormecido e que era preciso acordá-lo», recordou Hugo Mendes.

O sucesso foi imediato com a formação filiada na AF Aveiro a alcançar a promoção ao Campeonato de Portugal no primeiro ano sob a sua liderança. Seguiu-se uma subida à Liga 3 em 2020/21 antes de Hugo Mendes viver o momento mais duro desde que está no cargo: a despromoção ao Campeonato de Portugal.

A direção do emblema corticeiro recuperou da desilusão e contratou Nuno Correia, então agente FIFA, para o cargo de diretor-geral.

«Foi difícil entenderem a minha decisão. Não era nenhum Jorge Mendes, mas tinha a minha empresa e a minha vida estabilizada. Decidi sair da minha zona de conforto porque o Hugo Mendes mexeu muito comigo. Já tinha recusado algumas propostas, mas ele deu-me a volta à cabeça. O presidente estava desiludido com a descida, mas não desistiu e achou que eu poderia ajudar», esclareceu.

Responsável por todo o futebol dos leões, o matosinhense foi um dos rostos da recuperação do clube.

«Desde que cheguei a minha preocupação foi com a qualidade dos homens. Não abdico disso. Acredito que com bons homens, estamos mais perto do sucesso. Temos homens de grande carácter nesta equipa e excelentes profissionais. Claro que também é preciso qualidade por isso, contratámos jogadores com vontade de singrar e outros mais experientes que tinham vivências de subidas», explicou.

O Lourosa reergueu-se, voltou à Liga 3 no ano passado, mas foi travado no playoff de subida ao segundo escalão contra o vizinho Feirense. Uma derrota que deixou marcas, mas que funcionou como lição para a época atual.

«Para quem cá estava, diria que o ponto fulcral desta subida foi a derrota com o Feirense no ano anterior e a forma como fomos recebidos pelos adeptos em Lourosa. Este ano, em momentos de adversidade, os jogadores lembraram-se desse momento negativo. Tornou-os mais fortes. Só assim conseguimos ter seis vitórias seguidas e chegar à fase de apuramento de campeão quando parecíamos arredados dessa luta», salientou.

Por seu turno, o treinador, Pedro Miguel, realçou que os fantasmas do insucesso de 2023/24 não assombraram a equipa.

«Havia algum receio que não conseguíssemos a subida e que pudesse acontecer o mesmo. Disse aos jogadores que tínhamos uma grande chance de fazer história e de sermos campeões. Se o mundo existir daqui a 500 anos, as pessoas vão falar da nossa subida. Fico feliz por ganhar e por ter contribuído para a felicidade dos nossos adeptos», sublinhou.

Um clube sem adeptos, é um clube sem alma, não concorda? Pois bem, o Lusitânia de Lourosa preserva o espírito bairrista de gente apaixonada que o acompanha para todo o lado.

«Não vamos mentir, há equipas da Liga que não têm o apoio que o Lourosa tem. Temos uma massa adepta apaixonada, crítica, exigente e que nos faz estar sempre alerta», refletiu o técnico de 57 anos.

Já Nuno Correia considerou que o apoio fervoroso dos adeptos e a exigência que estes têm torna mais forte quem passa pelos leões corticeiros.

«A massa associativa é muito exigente, cobra muito e faz com que os profissionais que passem por cá cresçam. São adeptos incríveis, o 12.º jogador. O Lourosa é um dos clubes que mais beneficia do fator casa no campeonato: perdemos um jogo em casa por época nos últimos três anos. Existe um apoio constante, mas por vezes, os adeptos cobram muito e isso joga contra nós porque a pressão é desmedida. Mas, ao mesmo tempo, fazem-nos crescer. A simbiose entre clube e cidade é enorme», defendeu.

Para o bem e para o mal, os adeptos estão sempre presentes numa terra onde não existe mais nenhum clube além do Lusitânia de Lourosa.

«Aqui os adeptos só têm um clube, o Lourosa. Não têm mais nenhum. Tenho dois filhos, um com 17 e outro com 14 anos, e acompanham o clube desde que nasceram. É a realidade de Lourosa e não é assim em todas as outras cidades. Esta é uma cidade de futebol e tem um clube com um espírito altamente bairrista. É fruto de um trabalho feito ao longo de várias décadas. O leão estava adormecido, mas acordou», concluiu.

E não caminhará sozinho na estreia na Liga 2.