
Post tenebras lux. Portugal queria muito acreditar no lema da cidade de Genebra que se encontra por toda a parte, incluindo nos corredores do estádio. Depois da escuridão, de facto, veio um pouco de luz. Ou melhor, um fogacho, algo ainda assim abaixo para que a seleção não seja considerada um apetrecho no Euro.
Sabia-se que a Kika Nazareth estavam prometidos os primeiros minutos em campo desde março. O mais não fosse porque Francisco Neto não se podia dar ao luxo de, num jogo de possível eliminação, reter no banco este sobredotado recurso. Pelo menos, seria difícil justificar que o tivesse trazido, ocupando a vaga de alguém saudável, apenas para o ter por perto. Ana Borges e Ana Capeta foram premiadas pelo jogo anterior e figuram no onze inicial. A inclusão de Patrícia Morais faz parte da rotação normal com Inês Pereira. Por isso, talvez a troca de Catarina Amado por Joana Marchão tenha sido a mudança mais surpreendente.
A linha de cinco defesas que tantas vezes foi ultrapassada contra a Espanha transformou-se numa linha de quatro com Fátima Pinto como média mais recuada. O losango no meio-campo, que fez Portugal ser Portugal, regressou para dar o conforto da comida da mãe às Navegadoras. Aos 30 segundos, Elena Linari e Cristiana Girelli já estavam a ir junto à linha lateral avisar o treinador do 4x4x2 nacional.
Cristiana Girelli, o esguio farol do ataque da Itália, trouxe cá abaixo a influência ofensiva e Patrícia Morais tirou-lhe a orientação do remate longo. Portugal conseguiu não sofrer nos primeiros três minutos, algo que só tinha acontecido uma vez nos últimos quatro jogos oficiais. Conseguia também variações de flanco que adiaram a perda da posse. O último passe estava encravado, mas as melhorias eram notórias.
Os fantasmas pareciam ter medo da chuva. Ainda antes do jogo começar, um tratador de relva já andava a colocar ligaduras nas crostas do tapete causadas pelos pingos. Este não era o Portugal que chegou ao Euro a parecer ter andado décadas para trás.
Porém, no mundo à parte que são as bolas paradas, Cecilia Salvai lá cabeceou à barra. Os cruzamentos de Lisa Boattin, aberta à esquerda no 3x5x2 ofensivo, rejeitavam passar despercebidos e causaram problemas noutras ocasiões.
Fátima Pinto estava a conseguir enquadrar-se para sair a jogar enquanto acumulava a função de disputar as primeiras bolas para que as centrais estivessem livres para as dobras. Diana Silva era o elemento de apoio e Ana Capeta desmarcava-se no espaço. Não é que a fasquia estivesse em Saturno, mas foram os melhores minutos da seleção em cinco meses. Por coincidência, Kika Nazareth esteve envolvida neles. A frequência das suas aparições pode não ter sido arrasadora, já a concentração de defesas que gera é sempre útil.
Só que a chuva parou e os fantasmas pareciam estar a regressar a casa. A Itália era um comboio de longo curso, fazendo poucas paragens até chegar à frente. Raramente se via um passe de central para central, pois a tendência era sempre escolher o caminho mais rápido. A equipa treinada por Andrea Soncin, um sósia de Arne Slot, conseguiu com estes brutos modos marcar um golo que foi anulado. Patrícia Morais voltou a afastar os agouros em novo duelo com Girelli.
Contra os canhões? Marchão, Marchão. Pela esquerda, Portugal esteve sempre seguro graças a Joana que deu tanto de si ao jogo que acabou por sair lesionada. Nesta fase, em que Catarina Amado entrou, a Itália estava confortável com somar um ponto aos três que trazia da estreia contra a Bélgica. Incompreensivelmente, as Navegadoras também.
Ana Capeta tinha as baterias em baixo e Jéssica Silva carregou o ataque. Os rendilhados de Kika Nazareth ajudaram à revigoração. Só que as melhorias de Portugal foram também o seu pior pecado. A seleção acreditou tanto que podia marcar que se descuidou na transição defensiva. Assim, Cristiana Girelli marcou um golo em que ela própria teve dificuldades em resistir à tentação de olhar para o ecrã gigante onde passava a repetição. Após temporizar, encontrou o segundo poste, atirando o arco e ficando com a flecha no pé. A avançada da Juventus, conhecida por não se dar nada mal na cozinha, começou a cozinhar a eliminação de Portugal.
Para que os adeptos portugueses não pudessem dizer que saíam do Euro sem festejarem um golo, Diana Silva marcou. Kika Nazareth beijou a bola a pedir o segundo. No entanto, sabemos que a demora da verificação do VAR, geralmente, não traz nada de bom. Assim foi. O fora de jogo anulou o golo, mas não a investida final de Portugal.
Num lance inextricável, Diana Gomes acabou a fazer um chapéu a Laura Giuliani e por empatar (1-1). A igualdade, para o qual muito ajudou Patrícia Morais, não é exatamente uma boa notícia mesmo que os festejos o tenham feito parecer. Na última jornada do grupo B, em que não poderá contar com Ana Borges devido à expulsão, Portugal tem que ganhar à Bélgica e esperar que a Espanha derrote a Itália com uma margem suficientemente larga para anular a diferença de golos entre as Navegadoras e as azzurre.
Colada ao Stade de Genève, além de uma linha de comboio, há uma sucata. O caminho não é longo para deixar algumas expectativas por lá.