Pelo menos 252 pessoas morreram nas manifestações pós-eleitorais em Moçambique desde 21 de outubro, metade das quais apenas desde o anúncio dos resultados finais, na segunda-feira, segundo novo balanço feito hoje pela plataforma eleitoral Decide.

De acordo com o mais recente balanço da Organização Não-Governamental (ONG) moçambicana Decide, que monitoriza os processos eleitorais, com dados até às 09:00 (menos duas horas em Lisboa) de hoje, só desde 23 de dezembro já morreram nestas manifestações 125 pessoas, das quais 34 na província de Maputo e 18 na cidade capital, sul do país. Há ainda registo de 26 mortos na província de Nampula (norte) e 33 em Sofala em menos de três dias.

Ainda desde segunda-feira, aquela ONG contabilizou 224 pessoas baleadas, das quais 59 na cidade de Maputo e 37 na província de Maputo, bem como 43 em Nampula e 65 em Sofala.

Desde 21 de outubro, o registo da plataforma eleitoral Decide contabiliza 569 pessoas baleadas em todo o país, além de 252 mortos e seis desaparecidos.

Somam-se ainda 4.175 detidos desde o início da contestação pós-eleitoral, 137 dos quais desde segunda-feira.

Moçambique vive hoje o quarto dia de tensão social na sequência do anúncio dos resultados finais das eleições gerais, marcados nos anteriores por saques, vandalizações e barricadas, nomeadamente em Maputo.

O Conselho Constitucional de Moçambique proclamou na tarde de segunda-feira Daniel Chapo, candidato apoiado pela Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo, no poder), como vencedor da eleição a Presidente da República, com 65,17% dos votos, sucedendo no cargo a Filipe Nyusi, bem como a vitória da Frelimo, que manteve a maioria parlamentar, nas eleições gerais de 09 de outubro.

Este anúncio provocou o caos em todo o país, com manifestantes pró-Venâncio Mondlane - que segundo o Conselho Constitucional obteve apenas 24% dos votos - nas ruas, barricadas, pilhagens e confrontos com a polícia, que tem vindo a realizar disparos para tentar a desmobilização.

Fuga de mais de 1.500 reclusos de cadeia de alta segurança provoca 33 mortos em Maputo

Pelo menos 1.534 reclusos evadiram-se na tarde de quarta-feira da Cadeia Central de Maputo, de máxima segurança, disse o comandante-geral da polícia, afirmando tratar-se de uma ação "premeditada" e da responsabilidade de manifestantes pós-eleitorais em que morreram 33 pessoas.

"Esperamos nas próximas 48 horas uma subida vertiginosa de todo o tipo de criminalidade na cidade de Maputo", afirmou Bernardino Rafael, em conferência de imprensa na noite de quarta-feira, garantindo que entre os reclusos em fuga, dos quais apenas 150 foram recapturados, estão 29 terroristas, alguns "altamente perigosos".

Segundo o comandante-geral da polícia, a evasão da Cadeia Central de Maputo, na cidade da Matola, a 14 quilómetros do centro da capital moçambicana e que contava com cerca de 2.500 condenados e detidos, resultou da "agitação" de um "grupo de manifestantes subversivos" nas imediações.

Contudo, antes desta conferência de imprensa, a ministra da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos, Helena Kida, tinha garantido que esta fuga resultou de um motim no estabelecimento prisional e que não estava relacionada com os protestos pós-eleitorais.

Numa intervenção a partir da rede social Facebook, Venâncio Mondlane acusou as autoridades de terem propositadamente deixado sair estes reclusos, com o objetivo de manipular as massas e desviar o foco da sociedade.

"Foi tudo propositado. São técnicas de manipulação de massas à moda dos serviços secretos soviéticos (...) para que as pessoas parem de falar na fraude eleitoral. Querem desviar o nosso foco", declarou Mondlane, acusando também as autoridades de terem "sacrificado" alguns dos reclusos evadidos.

Mondlane afirmou que as manifestações não vão parar, pedindo aos seus apoiantes que "intensifiquem" os protestos, evitando, no entanto, a destruição de bens públicos e privados:

"O nosso foco não são os empresários e os seus estabelecimentos comerciais. O nosso foco são as instituições que fizeram esta fraude. É lá onde as manifestações devem ocorrer".

Hospital de Maputo com apenas 60% dos profissionais e enfermarias esgotadas

O Hospital Central de Maputo (HCM) está a funcionar com apenas 60% do pessoal de saúde necessário, devido à tensão social na sequência dos anúncios dos resultados das eleições moçambicanas, e algumas enfermarias já esgotaram a capacidade.

"Em termos de profissionais de saúde estamos a 60% daquilo que devíamos ter (...) Tivemos esta noite o reforço de alguns colegas que estão de férias, de alguns colegas que não são desta unidade sanitária", explicou hoje a diretora clínica substituta do HCM, Eugénia Macassa, ao fazer o balanço das últimas 24 horas.
"Agradecemos bastante esse reforço que chegou e ajudou-nos a dar vazão aos doentes que precisavam de ser operados e estamos a ver que necessidades mais precisamos, que é para depois fazer um apelo", acrescentou.

Em causa está a agitação social que se verifica desde segunda-feira, com barricadas em várias zonas da capital, saques, vandalização de equipamentos públicos e privados por manifestantes que contestam os resultados anunciados das eleições gerais de 09 de outubro.

Nas últimas 24 horas, afirmou ainda, o HCM registou dois óbitos relacionados com as manifestações e 49 pessoas baleadas, entre outras ocorrências.

"Continuamos a receber pacientes críticos, muitos deles vítimas das manifestações. O facto de recebermos muitos pacientes vítimas de trauma torna as nossas equipas exaustas. Há colegas que estão a fazer 48/72 horas", disse.
"Continuamos com falta de alguns consumíveis, pelos mesmos motivos, as vias de acesso, a facilidade para os fornecedores chegarem ao hospital, temos problemas com alimentação, temos problemas com combustível, estamos com enfermarias cheias de pacientes, principalmente aquelas que internam pacientes com trauma", reconheceu a responsável.

Com uma capacidade total de 1.500 camas, algumas enfermarias do maior hospital de Moçambique já não tem condições para receber mais doentes, enquanto outros, com alta médica, acabam por não sair do hospital por falta de condições de segurança nas ruas para o regresso a casa.

"Naquelas enfermarias que são específicas para doentes com traumas já esgotou. Estamos a internar os pacientes com trauma em outros locais. Temos muitos doentes que estão à espera de internamento e já estamos a acionar um outro pedido de apoio a nível do Grande Maputo para aquelas situações onde não será possível oferecer o internamento nesta unidade", disse Eugénia Macassa.

Com várias vias bloqueadas por manifestantes, a responsável apontou os problemas de segurança que as equipas médicas estão a enfrentar:

"Temos profissionais de saúde que são violentados a caminho do hospital e as nossas ambulâncias também são violentadas quando tentam passar pelas vias que estão bloqueadas. Por isso voltamos a fazer o apelo para permitir que os profissionais de saúde passem e cheguem à unidade sanitária para prestar cuidados aos pacientes que aqui chegam".

Num hospital que tem necessidades diárias de cem unidades de sangue, de 0,45 litros, o 'stock' atual é de apenas 59, deixando, nas últimas 24 horas, dois pedidos de transfusão por satisfazer, apesar da adesão de dadores de sangue nos últimos dias, relatou ainda.

LUÍSA NHANTUMBO / LUSA