Os ministros das Finanças e da Economia, Joaquim Miranda Sarmento e Pedro Reis, anunciaram nesta quinta-feira um pacote de medidas que visam tornar mais simples e transparente a relação das pessoas e das empresas com o fisco. Em destaque estão as mudanças que chegam ao IUC (o imposto anteriormente conhecido como selo do carro e que tem de ser pago todos os anos por quem tenha automóvel) e ao IRS. Mas essa simplificação fica aquém da ambição que poderia ter sido prosseguida, defende ao SAPO Júlio Almeida, senior manager da EY para a área de Tax.
Entre as medidas destacadas, o IUC (Imposto Único de Circulação) deixará de ser pago no mês da primeira matrícula do carro, passando essa obrigação fiscal a ser cumprida no mês de fevereiro ou, caso o valor exceda os 100 euros, podendo ser partida em duas prestações, em fevereiro e outubro (conforme acontece com outros impostos, como o IMI da casa).
Quanto ao IRS, o pacote aprovado nesta quinta-feira em Conselho de Ministros prevê que a retenção na fonte passe a ser dispensada para valores inferiores a 25 euros, no caso dos recibos verdes, bem como em rendimentos da categoria F (rendas) e E (prediais). A declaração de rendimentos trará por defeito mais campos preenchidos, deixando menos que fazer ao contribuinte, e o reembolso de IVA também será mais ágil, promete Miranda Sarmento.
Mas os efeitos destas modificações não são tão substanciais quanto se fez crer no anúncio do governo, defende o fiscalista da EY. Ao SAPO, Júlio Almeida explica o que está em causa, como e quando vai funcionar e porque não vai verdadeiramente a fundo na tão necessária reforma fiscal de que o país precisaria para acabar com a profusão de taxas e taxinhas que dificultam a vida de pessoas e empresas e aumentam brutalmente os custos de contexto em Portugal.
Análise de Júlio Almeida, senior manager da EY para a área de Tax
Agenda para a simplificação fiscal – pouca uva para muita parra
A agenda para a simplificação fiscal publicitada pelo governo aponta quatro desafios aos quais as 30 medidas pretenderão dar resposta:
- Mais e melhor comunicação com os contribuintes;
- Mais eficiência no uso de recursos da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT);
- Melhoria contínua e diálogo permanente com agentes económicos;
- Simplificação e digitalização de procedimentos.
Que tipo de medidas está em causa?
Das 30 medidas, o governo indica que 24 pretendem promover a redução de custos de contexto, 11 uma maior transparência e compreensão das obrigações tributárias e nove visam a melhoria da qualidade dos serviços prestados. O Executivo destaca as seguintes:
- Simplificação da declaração de Informação Empresarial Simplificada (IES)
- Simplificação das regras de faturação
- Simplificação de procedimentos aduaneiros
- Revisão do Regime de Bens em Circulação
- Harmonização de prazos de validade de certidões de não dívida da AT e da Segurança Social
- Incrementar uso de ferramentas de Inteligência Artificial visando a celeridade na resposta ao contribuinte
- Melhorar o apoio ao contribuinte no preenchimento da declaração de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS)
- Harmonização de prazos para cumprimento de obrigações declarativas
- Simplificação da liquidação e cobrança do Imposto Único de Circulação (IUC)
- Simplificação dos procedimentos para a concessão de reembolsos do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA)
- Agilizar procedimentos para contribuintes da Categoria B em sede de IRS
- Melhoria do Portal das Finanças
Quando terão efeitos ou serão implementadas essas medidas?
Em termos temporais, o governo antecipa que grande parte das medidas entrará em vigor ou em funcionamento ainda em 2025, porém salienta que há medidas mais complexas que apenas estarão em funcionamento no próximo ano (o que, desde logo, difere qualquer efeito positivo que se venha a sentir na esfera do contribuinte).
E terá de facto efeitos para os contribuintes?
Sobre os efeitos práticos que as medidas produzirão, não se conhecendo a esta data os exatos contornos da respetiva implementação, podemos destacar pela positiva que qualquer alteração no sentido da simplificação é um passo certo na direção de uma relação mais eficiente e eficaz entre máquina fiscal e contribuintes que não obrigue estes últimos a um dispêndio de recursos considerável no reporte de informações que, muitas das vezes, já estão disponíveis ao Fisco.
Com efeito, tudo o que minimizar custos de contexto contribuirá certamente para melhorar a posição de Portugal nos rankings de competitividade fiscal. Mas não chega para atrair ou reter investimento, nacional ou estrangeiro. Refira-se que, em 2024, Portugal figura no lugar 35 de 38 no International Tax Competitiveness Index da Tax Foundation.
Não haja ilusões, a simplificação não se traduz nem na tão desejada redução de litigância fiscal absolutamente desnecessária – em muitos casos, prolongada pela própria máquina fiscal ao arrepio de decisões judiciais anteriores sobre a mesma temática ou, nalguns casos caricatos, em conflito com Ofícios emitidos pela própria AT – nem, muito menos, numa qualquer redução da carga fiscal.
A título exemplificativo, pagar o IUC em dois momentos distintos não reduz o respetivo encargo. Pela positiva, simplificar o processo de reembolso de IVA terá efeitos desejados na melhoria da tesouraria das empresas – aspeto tantas vezes ignorado pela menor rapidez de reação da máquina fiscal –, mas poderiam ter sido ponderadas outras medidas designadamente os chamados Grupos de IVA, cujo efeito financeiro certamente seria mais expressivo para os agentes económicos.
Num contexto de mobilidade internacional dos recursos de capital e humanos, revela-se crítico pensar em instrumentos que permitam efetivamente fazer crescer a economia portuguesa. Importa ter presente que, entre 2000 e 2024, o crescimento médio anual do PIB real per capita português foi de apenas 0,87%.
Claramente, este indicador tem de melhorar, a bem das atuais e futuras gerações, e seria pouco ambicioso pensar que a mera simplificação do sistema fiscal dará um contributo efetivo, sem dar igualmente importância a medidas que permitam efetivamente incrementar a riqueza total que fique disponível para cada cidadão.
Aguardemos pelo anúncio de medidas adicionais que revistam o caráter de uma verdadeira e tão necessária reforma fiscal.