
No mês em que se celebra, o Dia Mundial da Obesidade, é essencial falar sobre um fator muitas vezes negligenciado no controlo do peso: o sono. É sabido que dormir mal pode levar ao aumento de peso e que, por outro lado, o excesso de peso também piora a qualidade do sono. O sono e o metabolismo estão profundamente interligados e a privação de sono pode ser um fator silencioso por detrás do ganho de peso e do aumento do risco de doenças metabólicas.
E como é que o sono influencia o peso?
Percebemos isso em estudos com pessoas que dormem pouco ou mal. A privação de sono altera hormonas essenciais para a regulação do apetite, tornando mais difícil resistir a alimentos calóricos e processados. Quando dormimos menos: a grelina (hormona da fome) aumenta, o que a leva a mais vontade de comer, especialmente alimentos ricos em açúcar e gorduras; por outro lado, a leptina (hormona da saciedade) diminui, dificultando a saciedade após uma refeição e incentivando o consumo excessivo de calorias. Este desequilíbrio hormonal pode levar a uma ingestão alimentar descontrolada, tornando o ganho de peso mais provável.
Além disso, quando uma pessoa está privada de sono, aumenta a resistência à insulina, o que significa que o organismo armazena mais gordura e queima menos energia. Logo, o risco de diabetes tipo 2 aumenta, pois a regulação dos níveis de glicose no sangue fica comprometida. O corpo entra num estado de stress metabólico, o que facilita a acumulação de gordura, especialmente na região abdominal. Ou seja, mesmo mantendo uma alimentação equilibrada, a privação de sono pode desacelerar a capacidade do corpo de processar calorias e manter um peso saudável. A propósito disto, fica a reflexão: será que estamos a dar atenção suficiente ao que nos tira o sono e em vez disso procuramos soluções imediatas de auto-estima? Além disso, quando dormimos mal, sentimos mais fadiga e falta de motivação para praticar exercício físico, aumenta o risco de sedentarismo, tornando mais difícil manter um estilo de vida ativo e aumentando também o risco de doenças cardíacas (e mentais). Ou seja, dormir mal torna mais difícil manter uma rotina de exercício, o que, por sua vez, favorece o ganho de peso.
E o excesso de peso? Como afeta o sono?
Se, por um lado, dormir pouco favorece o aumento de peso, o excesso de peso também prejudica o sono, levando a um ciclo difícil de quebrar. De acordo com o relatório “Health at a Glance” da OCDE, 67,6% da população portuguesa com mais de 15 anos tem excesso de peso ou é obesa. Em 2019, o consumo de álcool per capita em Portugal foi de 10,4 litros, ligeiramente acima da média da União Europeia de 10,1 litros. Além disso, é um país onde ainda há muita iliteracia em saúde, o que por si só também não contribui para bons hábitos de sono e, em relação à saúde mental, o estigma ainda dificulta a procura de cuidados.
Mas voltando ao peso, a obesidade está associada à apneia obstrutiva do sono, uma doença em que as vias respiratórias se colapsam durante o sono, interrompendo a respiração repetidamente ao longo da noite. A longo prazo, o organismo vai ficando cronicamente exposto a stress e inflamação. Estes despertares noturnos: 1) reduzem a qualidade do sono profundo; 2) provocam fadiga crónica, mesmo após horas de sono e 3) favorecem o risco de inúmeras doenças, desde cardiovasculares, além de maior risco de doenças oncológicas, doenças psiquiátricas, impacto na função sexual e inclusive no colagénio da pele, tornando-a menos atraente! Vale ainda dizer que muitas pessoas que pensam sofrer de insónia durante a noite, na verdade têm uma apneia do sono não tratada.
Portanto…
Se queremos manter um peso saudável, não podemos ignorar o sono. Muitas vezes, a atenção está voltada apenas para a alimentação e o exercício físico, mas a qualidade e a quantidade de horas que dormimos desempenham um papel tão importante quanto aquilo que comemos e o quanto nos movemos.
E porque é que não damos tanto valor ao sono em Portugal?
O problema é que Portugal é um país onde a prevalência da insónia é elevada, como evidenciado por um estudo recente que aponta o país como o segundo no mundo com maior taxa de prescrição de zolpidem, um fármaco utilizado para induzir o sono e tratar perturbações do sono. Além disso, a cultura portuguesa não favorece um descanso adequado. Ora, apesar dos horários de trabalho e escolares começarem cedo, tal como acontece em países como a Noruega ou o Reino Unido, a diferença é que, em Portugal, a vida noturna é amplamente valorizada. Bares, restaurantes e espaços de lazer funcionam até tarde, e a própria programação televisiva em horário nobre estende-se para além do recomendado, contribuindo para um padrão de sono frequentemente encurtado e desregulado. Esta cultura leva a que, naturalmente, se criem hábitos de sono pouco saudáveis, o que nos leva a um risco aumentado de doença psiquiátrica: uma perturbação de insónia está associada a um risco cerca de duas a quatro vezes superior de desenvolver uma perturbação depressiva ou de ansiedade. O que nos leva a uma outra questão: Portugal é um dos países europeus com maior prevalência de doença mental, das quais as do foro depressivo e ansioso são as mais frequentes.
Parece evidente que a literacia em sono deve ser promovida desde a escola até às instituições de saúde, empresas e políticas públicas. O sono é tão essencial quanto a alimentação e a atividade física. A nível institucional, empresas e chefias poderiam otimizar a qualidade do sono dos seus funcionários, já que dormir mal afeta diretamente a produtividade e o desempenho financeiro. Medidas políticas, como a Lei do Direito à Desconexão em Portugal, e iniciativas de países como Noruega, Suécia e Austrália mostram a importância de proteger o sono da população. Nos cursos de saúde, a formação sobre perturbações do sono deve ser reforçada, capacitando profissionais de áreas como Medicina, Psicologia e Fisioterapia para abordar essas queixas. Melhorar a formação e a oferta terapêutica são passos essenciais para otimizar a saúde do sono da população.
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