
Quais são as principais vantagens do Patient Blood Management (PBM) para doentes e sistemas de saúde?
O sangue é o órgão mais negligenciado. Ao longo de décadas, não foi tratado com o mesmo respeito que outros órgãos, por exemplo, o coração. Números impressionantes refletem o quão grave é a situação: primeiro, há mais de 3 mil milhões de pessoas com anemia, a maioria sem saber. Não têm glóbulos vermelhos saudáveis o suficiente para transportar oxigénio para as células do corpo. É como ficar com a bateria fraca. Sem oxigénio suficiente, o cérebro, os músculos, os órgãos não conseguem funcionar bem. Têm falta de ar, sentem-se cansados, fracos, com tonturas ou até deprimidos. Segundo, há centenas de milhões de indivíduos com perda crónica de sangue, incluindo 400 milhões de mulheres com sangramento menstrual intenso. Portanto, a saúde do sangue precisa de atenção. Os profissionais de saúde precisam gerir e preservar o sangue dos seus doentes. Esta é a essência do PBM.
Doentes hospitalizados, tanto médicos quanto cirúrgicos, irão beneficiar do PBM, porque reduz o risco de complicações como infeções, hemorragias, enfarte agudo do miocárdio, e até mesmo morte, ao mesmo tempo em que melhora o tempo de recuperação e a qualidade de vida. Com o PBM, os doentes geralmente sentem-se com mais energia, têm menos sintomas como fadiga e são menos propensos a precisar de uma transfusão de sangue, uma intervenção que tem riscos. Além disso, o PBM capacita as pessoas a participarem das decisões sobre seus cuidados, o que é algo que contribui para mais satisfação e melhores resultados.
Os benefícios são bastante significativos, não apenas para os doentes, individualmente, mas para os sistemas de saúde como um todo. O PBM é excecionalmente económico. A uma escala global, o PBM pode melhorar a vida de milhões de pessoas, economizando milhões de dólares ou euros em assistência médica. Também liberta recursos como camas e, por último, mas não menos importante, reduz a pressão sobre os centros de colheita de sangue e seus doadores.
A Dra. Diana Castro Paupério, presidente do grupo português da Sociedade Iberoamericana de Patient Blood Management e coordenadora do programa PBM em Cirurgia Cardíaca na Unidade Local de Saúde Gaia e Espinho (ULSGE), reportou resultados muito positivos desde que implementaram o PBM e os doentes também manifestaram maior satisfação. Com isso, o hospital consegue, atualmente, poupar aproximadamente, cinco milhões de euros por ano devido à redução do tempo de internamento e transfusões. Olhando para esses resultados encorajadores, estão a expandir o programa de PBM à Ginecologia e Obstetrícia. O Enf. Belmiro Rocha, representando o Conselho de Administração da ULSGE, reiterou também o forte compromisso da instituição com o PBM, como uma estratégia-chave para melhorar a qualidade do atendimento e garantir a sustentabilidade do sistema de saúde.
Em suma, o PBM permite uma recuperação mais rápida, ao mesmo tempo em que ajuda o sistema a funcionar de forma mais inteligente e sustentável. É um ótimo exemplo de como ao nos focarmos, primeiramente, num doente, vamos conseguir melhorar, também o atendimento de todos os outros.
Quais são as principais mensagens do guia da OMS sobre gestão do sangue?
O documento intitula-se “Guia sobre a implementação da gestão de sangue do doente para melhorar a saúde global do sangue” e segue o resumo de políticas da OMS de 2021, intitulado “A necessidade urgente de implementar a gestão de sangue do doente”. Juntos, esses documentos enviam uma mensagem forte a mais de 190 estados-membros da OMS: que o PBM seja uma prioridade, implemente-o imediatamente como um padrão de atendimento. Não há absolutamente nenhuma justificação para reter ainda mais um conceito médico que produz mais saúde, enquanto reduz o custo geral. Como a diretora-geral assistente da OMS, Dra. Yukiko Nakatani, afirma: o PBM deve tornar-se parte da agenda de saúde pública para todos os estados-membros.
A OMS toma esta posição com base nos chamados “3Es”: evidência de que o PBM salva vidas e reduz complicações, o argumento económico de redução de custos para os sistemas de saúde e, finalmente, a obrigação ética que se baseia tanto nas evidências quanto na economia. O Guia de Implementação ajuda as autoridades a preparar o seu sistema de saúde para o PBM. Isso inclui definir uma equipa de liderança nacional composta, principalmente, por especialistas clínicos; ancorar o PBM na estrutura nacional de qualidade e segurança, educação e formação para médicos, entre outras. Além disso, exige a condução de programas piloto nacionais, que à medida que forem adquirindo experiência, se tornarão centros de referência para todo o país.
É importante ressaltar que o documento não inclui um modelo único. Fornece toolkits para diferentes cenários — de clínicas rurais a hospitais avançados — e para grupos vulneráveis tais como crianças e grávidas. Dessa forma, até mesmo países com recursos limitados podem agir. Resumindo: o PBM é sobre usar o que já sabemos, mas combinado de uma forma que torne o atendimento melhor, mais seguro e mais sustentável, não importa onde.
“… o PBM representa uma mudança na mentalidade dos clínicos, na medida que se passa de cuidados reativos para cuidados proativos e preventivos. Isso requer não apenas protocolos atualizados, mas uma mudança na cultura”
Atualmente, quais são os obstáculos para a implementação do PBM em sistemas de saúde públicos e grandes hospitais?
A nível do sistema, um grande obstáculo é a falta de consciencialização. No âmbito hospitalar, francamente, o problema é a cultura profundamente enraizada, pontos cegos culturais, complacência, inércia e também falta de liderança. Posso dar um exemplo: esta semana falei com o chefe do departamento de Medicina Transfusional de um grande hospital no Leste Asiático. Há apenas três meses, ele e os seus colegas começaram a implementação do PBM, recolhendo alguns dados básicos, como quantos doentes cirúrgicos têm anemia, porque aprenderam que a anemia antes de uma cirurgia aumenta o risco de morte, assim como uma transfusão de sangue. Para sua surpresa, descobriram que quase 50% dos pacientes do sexo masculino e mais de 60% do sexo feminino eram anémicos.
Claro, eles já sabiam disso há muito tempo, mas como parte de sua cultura hospitalar, simplesmente não estavam acostumados a dar atenção à anemia. E assim, os médicos deixaram de otimizar dezenas ou mesmo centenas de milhares de pacientes antes das cirurgias, por décadas. A uma escala global, estima-se que isso aconteça com mais de cem milhões de doentes cirúrgicos por ano. É a resistência à mudança. Muitos sistemas de saúde estão acostumados a gerir o sangue com base nas transfusões, em vez de se focarem na prevenção e nas estratégias centradas no doente. Assim, o PBM representa uma mudança na mentalidade dos clínicos, na medida que se passa de cuidados reativos para cuidados proativos e preventivos. Isso requer não apenas protocolos atualizados, mas uma mudança na cultura.
E como os países podem enfrentar esses obstáculos?
A resposta curta é: as partes interessadas devem ler atentamente os dois documentos da OMS, pelo menos o resumo executivo e qual é o seu papel em tornar o PBM o padrão de atendimento. Deixar de agir significa aceitar piores resultados para os doentes, enquanto ‘hemorragia’ recursos de enorme magnitude. O novo Guia de Implementação é um recurso rico para gerir com sucesso a mudança de paradigma para o PBM. E, claramente, sem uma liderança forte dos ministérios da saúde e apoio total dos executivos dos hospitais, o PBM tende a cair. A mensagem para as autoridades de saúde, decisores políticos e administradores hospitalares é clara: adote o PBM como política nacional, crie a infraestrutura certa, ajuste o sistema de reembolso para as instituições, recolha os dados corretos do doente para gerir a mudança com sucesso e, finalmente, pare de confundir o PBM com apenas “usar menos sangue”. O PBM é gerir doentes, não produtos.
A OMS deixa claro: “Atrasar o PBM traduz-se num aumento da morbidade e mortalidade”. Cada ano sem PBM, é um ano de perda desnecessária de vidas, dinheiro e confiança no sistema. É hora de parar de dar desculpas e começar a fazer mudanças.
Links relacionados
https://iris.who.int/handle/10665/380784
https://iris.who.int/handle/10665/346655
http://www.ifpbm.org/index.php/en/
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