
O Parlamento debate esta semana o estado da Nação. Devia tratar-se de um momento relevante de cada sessão legislativa, mas não tem sido mais do que umas horas de interpelação ao Governo.
Debater a Nação deveria ser a concretização de um olhar do momento sobre o povo, a língua, a cultura, a tradição, a realidade. Mas a ser assim, estaríamos perante uma trefa ciclópica, muito exigente para os padrões atuais do debate, confrontaria muitos dos atores com a fragilidade da sua leitura sobre os portugueses e sobre o mundo.
A Nação está bem? A resposta pode ser dada pela forma de ver do português agarrado ao fim da Europa, encostado ao lamento, implicado pela pequenez. Este sempre se diria que o país está péssimo, nunca estivemos tão mal, o que vai ser de nós…
Mas a Nação é muito mais do que isso, é vida, é criação, é futuro é descoberta. O Portugal dos portugueses, uma das nações mais velhas do mundo, está bem e recomenda-se.
Está bem na agricultura onde há cada vez mais valor e tecnologia, onde se aposta como nunca na sustentabilidade, onde se vislumbra uma forte presença no setor alimentar e na distribuição; está bem na indústria, onde se desenvolve produto, se aumenta riqueza, se inova, se exporta; está bem na distribuição com cadeias ao nível do mais moderno que existe na Europa; está bem no turismo que compreende uma transformação progressiva da massa para a qualidade e para o valor; está bem nas tecnologias, campo de afirmação internacional muito para além da nossa pequenez.
Tal cenário não é fruto de leviandade ou de análise superficial, é a leitura de um observador/participante que acompanha quem se levanta cedo para produzir, para fazer andar, para ganhar dinheiro.
Mas é só a economia que está bem? De tudo! O nervo do país está bem porque a juventude está bem. Mas o que é estar bem quando muitos têm de sair, outros debatem-se com salários baixos e, quase todos, com problemas de habitação? Ora é aqui que mais se revela o país que está bem – já não há quase ninguém que se acomode que queira ter uma vidinha que se satisfaça com pouco. E esta mudança de mentalidade é a garantia de que Portugal está a um passo de correr, de crescer, de progredir como em nenhum outro tempo da sua História.
Os indicadores dizem-nos que continuamos a ter uma produtividade baixa, a ter rendimentos médios parcos, a ter uma economia débil. As estatísticas são os piores aliados dos políticos, são o que os faz desmerecer no contacto pessoal, na realidade da vida. Portugal produz muito mais do que as métricas indicam, aparenta rendimentos muito superiores aos certificados, é bem mais elaborado em muitos setores que se expõem internacionalmente.
Há dois países dentro deste pequeno retângulo: o país das rendas e o país das vendas. Não indico em que territórios se situam esses países, será fácil adivinhar pela forma de vida, pelas casas construídas, pelos carros comprados, pelos modos de construir conversa. Mas mesmo existindo dois países, também eles estão a dar-se bem, a fazer o seu papel dentro de uma economia aberta.
Olhadas estas considerações, o que faz o país ser menos bom do que poderia ser? A resposta é simples – o mau Estado que temos.
E essa indisposição vê-se nos que gostariam de ter o tal ente poderoso longe dos seus olhares e os que dele dependendo, sendo fornecedores ou sendo servidores, acham que temos hoje um aparelho de serviços públicos antiquado e excessivamente gastador.
Por partilha ideológica sou um profundo defensor da presença de um Estado forte na vida do país. Ele deve estar nas funções de soberania (Assuntos Externos, Defesa, Justiça e Segurança), nas funções de desenvolvimento humano ( cultura, educação, saúde, apoio social) e nas funções de desenvolvimento económico e territorial (fomento económico, ambiente, agricultura, infraestruturas). E tenho para mim que sendo Portugal um Estado-Nação as suas obrigações de coesão e integração são primordiais.
O problema não está neste universo de intervenções, está em três níveis de implicação. O Estado não sabe onde deve estar e como deve estar; não sabe quem tem para cada uma das áreas e quem deve ter; não conhece as implicações que tem na vida da comunidade, empresas e pessoas, e não parte desta para decidir, de vez, de onde se deve retirar.
Ora, é este processo que se vem arrastando há demasiado tempo. Desburocratizar é um desafio permanente, mas importa fazer mais do que substituir papéis por computadores.
O debate desta semana poderia ser, então, sobre o estado do Estado, como é que vamos encarar a nova realidade da inteligência artificial com um aparato burocrático e forma de decidir de meados do século XX.
Não antevejo que alguma coisa de relevante possa ser adiantada, mas as horas que os deputados levarão sentados no hemiciclo promoverão, decerto, o debate sobre o estado do Governo.
Olhando os últimos quarenta anos das governações, é preciso ir a 2002 para encontrar um executivo que tenha sido tão pouco sabedor, tão pouco inovador, tão pouco atrevido como o atual e nos primeiros dezoito meses de mandato.
Se antes das eleições todo o cenário era o de gastar o que tinha ficado nos cofres para satisfazer corporações (algumas delas cheias de razão), depois de abril esperava-se rasgo, iniciativa, velocidade. Nada!
Não há uma politica clara sobre a guerra na Ucrânia, nem sobre Gaza e o reconhecimento da Palestina, nem sobre a política insidiosa de Trump; não há uma ideia decente sobre a política de defesa que não seja o alfa e o ómega da criação de um cluster de indústria militar; não há uma política de segurança que integre tecnologias e novas formas de investigar e de policiar; não existe uma visão para a justiça que resolva de vez o problemas das pendências administrativas e fiscais e acabe com a sensação de que quem manda no sistema prisional são os guardas.
E, por convicção, deixou de haver política para a cultura e nem uma só página para a juventude e para o desporto; nada se sucedeu à conquista do tempo de serviço pelos professores, nem se antecipa o que de bom pode acontecer para que alunos não fiquem sem aulas e as escolas se sintam valorizadas para além da pieguice dos telemóveis proibidos, decisão que deveria ser tomada localmente; na ciência nem um só raio de luz, nada; no apoio social e nas pensões só a caridade de outono reincidente e a ameaça permanente da privatização das nossas pensões; na saúde a desgraça do gabarolas que resolvia tudo em 60 dias e tudo se foi esfarelando no mesmo tempo.
No fomento económico só vai indo, a custo, a aplicação do PRR, mas nada de política pública, nem linhas de ação e ausência de contacto com a realidade que confirme que o grande plano de Pedro Reis era menos do que um PowerPoint; no ambiente a política da água limita-se a um cartaz, a política de resíduos está desaparecida do combate, a política energética ficou, definitivamente, apagada pelo apagão; na agricultura já nem há ministro, nem ministério, que implique nas decisões rápidas sobre o investimento, que promova a regulação dos mercados, que amplie as exportações; e nas infraestruturas anda só se vê o que já vinha de trás – aeroporto, tgv, privatização da TAP - mas nada se move, para além de um número atirado para o fim da década, no que se refere à habitação.
Os deputados propõem-se debater a Nação, coisa que não acontecerá. A Nação vai bem, apesar do Estado e do Governo. Talvez passem de raspão pelo debate sobre o estado do Estado, mas, para isso, seria relevante que a discussão já tivesse começado há algum tempo e que os partidos fossem á procura do que importa fazer. Teremos uma horas de combate com Montenegro e os seus ministros. Se a oposição democrática estiver à altura terá todas as condições de marcar pontos.
O caminho para uma Nação mais justa, solidária e com mais futuro não é aprofundar a polarização, não é histeria e má-educação. O caminho é propostas concretas sustentação das alternativas e saber o que importa nos dias que correm.
Vamos esperar para sabermos, no final, o estado do Parlamento.