
“Não correu tudo bem no concurso público” do transporte aéreo na saúde. Em entrevista ao Jornal da Noite da SIC, esta quarta-feira, a ministra Ana Paula Martins admitiu problemas no transporte médico de emergência e na falta de meios, nomeadamente de helicópteros.
“Abrimos o concurso [para comprar aeronaves] em novembro, demorou mais tempo do que supúnhamos que iria demorar. Vários concorrentes tinham propostas muito distintas em relação ao caderno de encargos. O que ganhou era o que tinha a proposta mais adequada”, começou por justificar.
No que toca ao transporte de doentes, o Ministério da Saúde está dependente, por terra, do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) e, por ar, da Força Aérea. Esta quarta-feira, aliás, o ministro da Defesa Nacional, Nuno Melo, anunciou que um segundo helicóptero da Força Aérea vai passar a estar disponível para transporte médico de emergência durante 24 horas a partir de quinta-feira.
“Chegámos a um momento que não era, de facto, o que queríamos”, continuou a ministra da Saúde. “Chegámos a 1 de julho e, como só tínhamos duas aeronaves disponíveis durante 12 horas, tentámos fazer ajuste direto com outras empresas. Mas não estavam disponíveis”, explicou.
Ana Paula Martins admitiu também que não pode ser norma vários serviços de urgências hospitalares do país estarem frequentemente fechados. “Não pode ser normalizado.” No entanto, defendeu-se dizendo que “neste momento” há “165 urgências abertas”. “Isto é uma rede inteira, não é irrelevante”, sublinhou. “É verdade que, do ano passado para este ano, melhorámos significativamente esta resposta.”
Sobre os dois bebés que morreram no Hospital de Santa Maria e no Hospital de Cascais recentemente, e respondendo à falta de “empatia” de que tem sido acusada, a ministra afirmou que teve o “cuidado de lamentar o que se passou” e também de esclarecer as circunstâncias “técnicas” dos dois falecimentos.
“Não poderia nunca não sentir de perto o que estas mulheres devem ter sentido. E não há palavras de consolo”, respondeu Ana Paula Martins, partilhando que a própria passou por uma “situação muito grave” no momento do nascimento de um dos seus filhos, hoje com 29 anos.
Em causa está uma grávida que passou por vários hospitais (cinco em 13 dias) e acabou por perder o bebé após o nascimento no Santa Maria, a 22 de junho. Mais recentemente, na semana passada, uma grávida do Barreiro perdeu o bebé depois de chegar ao Hospital de Cascais 2h30 após o pedido de auxílio via SN24 e 112. A mulher tinha sido inicialmente encaminhada para o Santa Maria, para onde não se conseguiu deslocar por motivos financeiros.
Violência obstétrica? “Muitas práticas são para salvar mãe e criança”
A propósito da violência obstétrica — cujo conceito o PSD e o CDS querem eliminar da Constituição, por “não estar alinhado com padrões de outros países da União Europeia” e por ser “excessivamente lato” —, a ministra da Saúde defendeu que “a lei, tal como está, precisa de aperfeiçoamentos”.
“Não está em causa assumirmos — e enquanto mulher tenho muita sensibilidade para a matéria — que há situações em que não se justificando determinado tipo de procedimentos, eles possam ser feitos. A mulher pode e deve não aceitar que eles sejam feitos”, defendeu Ana Paula Martins.
No entanto, complementou, “é preciso termos consciência que muitas destas práticas são feitas para salvar a mãe e a criança, independentemente de a maioria das mulheres preferir ter partos o mais normais possível”. A ministra insistiu que o seu partido não quer “descredibilizar denúncias” de violência obstétrica.
Na última sexta-feira, o PSD avançou com um projeto de lei que entende que o conceito da atual lei é “excessivamente lato e indesejavelmente vago” e que a sua aplicação “poderia redundar na criação de um inaceitável estigma sobre médicos e profissionais de saúde, incentivando mesmo indesejáveis e perigosas práticas médicas defensivas”.
“Precisamos de uma unidade de combate à fraude” no SNS
A propósito do caso do dermatologista Miguel Alpalhão, do Hospital de Santa Maria, que faturou milhares em cirurgias adicionais aos sábados, a ministra reconheceu a necessidade de existir uma unidade de combate à fraude dentro do Serviço Nacional de Saúde.
“Precisamos de uma unidade de combate à fraude. Isto não é desconfiar dos nossos profissionais e dos nossos gestores. Outros países, como o Reino Unido, têm uma unidade de combate à fraude. É [preciso] ter também ações preventivas.”
Em causa está a polémica com o dermatologista que ganhou cerca de 400 mil euros em 10 sábados de cirurgias adicionais no Santa Maria, em 2024. O dermatologista recebeu 51 mil euros só num desses dias de trabalho. Noutro, retirou lesões benignas aos pais.
O médico conseguiu fazer estes procedimentos através do Sistema Integrado de Gestão de Inscritos para Cirurgia (SIGIC), que permite fazer cirurgias fora do horário laboral, para reduzir as longas filas de espera nos hospitais.
“O SNS precisa de medidas de eficiência. Há muitos anos sabemos que o SIGIC precisava de ser alterado. E por isso pusemos no plano de emergência e transformação essa prioridade”, apontou ainda Ana Paula Martins.