O que se sabe atualmente sobre a relação entre perda auditiva e doenças neurológicas?

O incremento da longevidade e a diminuição da natalidade, em especial nos países mais desenvolvidos, está na génese do rápido envelhecimento da população mundial. Nos últimos anos, múltiplos estudos científicos apontam para a existência de uma forte correlação entre a perda auditiva e a instalação ou agravamento de vários quadros de demência e de degradação cognitiva. Esta evidência assume especial importância entre a população mais idosa, onde a prevalência destas entidades é maior, originando, não só a perda de qualidade de vida, mas também um grave problema de saúde publica com enormes custos para a sociedade. Tal facto leva a que a OMS esteja a considerar a perda auditiva como uma verdadeira pandemia.

Como a perda de audição pode influenciar o cérebro e acelerar o declínio cognitivo?

A perda auditiva é uma disfunção, geralmente progressiva, que se instala de forma lenta e “silenciosa”, levando à perda de estímulos auditivos e à necessidade de um esforço cerebral suplementar para perceber a comunicação. Esta situação origina maior fadiga, frustração e ansiedade e leva a pessoa a evitar gradualmente situações de interação comunicativa, tanto no seio familiar como de convívio social, mergulhando-a numa “bolha de solidão”.

Esta privação de estímulos auditivo/verbais reduz, por um lado, a estimulação da via auditiva e das áreas associativas, levando à sua degradação e, em estados mais avançados, à morte neural. Por outro, suscita pensamentos negativos e quadros depressivos que levam com muita frequência ao surgimento ou agravamento de doenças cerebrais degenerativas e ao declínio cognitivo, entre as quais múltiplos tipos de demência, com forte impacto na autonomia e qualidade de vida da pessoa.

“Um diagnóstico e intervenção precoce na perda auditiva é o único caminho para reduzir o impacto que esta produz na pessoa humana e, consequentemente, reduzir os custos socioeconómicos dos seus efeitos”

Porque é que procurar ajuda cedo pode fazer a diferença?

Um diagnóstico e intervenção precoce na perda auditiva é o único caminho para reduzir o impacto que esta produz na pessoa humana e, consequentemente, reduzir os custos socioeconómicos dos seus efeitos. Em primeiro lugar, quando se faz a correção da perda auditiva precocemente, estamos a manter uma boa receção dos estímulos auditivos e verbais, e a estimulação normal das vias auditivas e associativas, reduzindo o esforço cerebral na comunicação, promovendo assim a manutenção do normal funcionamento cerebral e cognitivo. Por outro, estamos a facilitar a interação comunicativa da pessoa, fazendo com que ela se sinta integrada e continue de uma forma normal a fazer a sua vida laboral, familiar e social, promovendo assim a qualidade e a satisfação de vida, tanto dela como dos seus familiares.

A primeira porta de entrada no sistema de saúde, sobretudo no SNS, é o médico de família. A que deve estar atento?

De facto, o médico de família é o profissional de saúde que de uma forma regular mais está em contacto com a população, em especial a população mais idosa. É de extrema importância que este profissional esteja sensibilizado para os problemas da perda auditiva, e que não só ouça e valorize as queixas do paciente referentes a esta temática, mas que investigue também eventuais sinais da mesma. Tais como o paciente:

  • Ter necessidade de pedir para repetirem ou fazer mais esforço para ouvir
  • Ouvir as pessoas a falar, mas ter dificuldade em perceber
  • Sentir que tem muita dificuldade em manter conversas em locais com barulho.
  • Ter dificuldade em perceber quando fala ao telefone,
  • Ter necessidade de aumentar o som da TV ou rádio para ouvir ou perceber, comparativamente com outras pessoas.
  • Segundo a opinião dos outros, falar muito alto.
  • Sentir a sensação de ouvido tampado ou ter zumbido nos ouvidos.

Perante algum destes sinais e também sabendo que a principal causa de surdez é a própria idade, em especial, acima dos 50 anos – a presbiacusia, onde a prevalência de surdez aumenta para valores elevadíssimos à medida que a idade avança, deve o médico de família pedir a realização de exames audiométricos, para o esclarecimento da acuidade e saúde auditiva do paciente.

Caso seja confirmada perda auditiva, deve-o motivar e referenciar para a consulta com audiologista em centros audiológicos de reabilitação ou, eventualmente, e quando necessário, para uma consulta da especialidade com médico otorrinolaringologista, de forma a promover a reabilitação auditiva o mais precocemente possível, no sentido de reduzir o impacto da perda auditiva e manter a sua qualidade vida.

MJG

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