
A subir a Nacional 225, a estrada que contorna o rio Paiva e liga Arouca a Cinfães e Castelo de Paiva, há um oásis de verde. Carvalhos, castanheiros, eucaliptos. Não se vê gado, apenas manchas verdes e amarelas. Mas depois de Parada de Ester, onde os bombeiros de Castro Daire têm uma secção destacada que serve de ponto avançado para os reforços que chegam de sul, é a noite escura. Só fumo, labaredas e população angustiada. Falta eletricidade, a rede de água pública tem pouca pressão e a aflição do povo é muita. Quatro grossos novelos de fumo enrolam-se nos vales e socalcos das 'Montanhas Mágicas', uma cadeia de serras, onde o fogo há mais de um dia come eucaliptos, carvalhos e pinheiros.
“Temos estado a defender as casas”, conta Anabela Santos. As casas são três moradias, uma delas com o fogo no jardim. Uma coluna de bombeiros do Alentejo tenta salvar as moradias e a floresta. Um autotanque liga um canhão de água e arrefece os telhados.
O fogo galgou a Nacional 225 e alastrou a dois distritos, deixou Arouca, estendeu-se a Espiunca, Vila Viçosa. Daqui passou para Bairros, em Castelo de Paiva, sempre na margem esquerda e depois galgou para Cinfães.
“Não há gado para comer o mato e são estes fogos que limpam a serra”, diz Mila Saraiva, ocupada a servir cafés aos militares da GNR e aos bombeiros. “Antes lá aparecia um foguito que o pessoal da terra apagava, vacas e cabras subiam os montes e não havia fogos”, sustenta Manuel Soares. “Não há dinheiro para o que devia haver, para proteção e sobrevivência do povo, como ter o gado nas serranias”, critica Hernâni Bessa.
Em Vila Viçosa o povo “afligiu-se e protegeu-se na Capela de São Pelágio”, conta Joaquim Gonçalves. “Já ardeu tudo aqui à volta, mas vamos ter fogo para mais uns dias”, acrescenta o septuagenário que acusa a aflição.
Mila Saraiva acrescenta que o fogo “anda bravo": "Na antiga escola na Remolha foi muito difícil segurar as chamas e depois fomos para baixo da capela, proteger-nos”. “Já está outra vez a arder lá em baixo, a ameaçar para a noite”, atira Manuel Soares. E segue o povo de enfileirada.
Muito fumo e negligência
A EN-225 é uma via dedicada a bombeiros e as previsões dos bombeiros apontam para que o fogo chegue, pela segunda vez, à cidade. Em Vila Viçosa recordam. “O fogo começou em Alvarenga, foi cortado um trecho nos passadiços e foi este fogo que despoletou todo o pandemónio em Canelas e Espiunca”, desabafa Hernâni Bessa.
Como “o fogo é caprichoso, voltou a subir Espiunca, passou um ribeiro e encaminha-se para Arouca”, adianta Bessa.
A Proteção Civil Municipal de Arouca tem estado a a emitir comunicados à população e as previsões são para que “o cone de propagação, considerando a intensidade e a direção, se encaminhe para Arouca. Para a cidade foram enviados vários meios de combate a incêndios urbanos.
O dia não está fácil para os bombeiros. “O muito fumo impediu o trabalho dos meios aéreos, que só voltaram ao princípio da tarde”, lamentam os militares da GNR que têm estado a cortar estradas e a proteger a população.
“O dispositivo tem todas as valências, incluindo investigação criminal e de fogos”, anotou um dos responsáveis do comando da GNR.
Além do fogo há cumprimentos negligentes. Foi detetada uma queima de sobrantes em Arouca e lançado um alerta para a eventual deflagração de contra-fogos que é a forma que as populações têm de se defender, conta António Santos, no cruzamento para Real. É aqui que os bombeiros montaram o abastecimento de água, a cada 15 minutos um veículo de combate a fogos vem encher. Nada que tranquilize o povo.
“Vivemos da lavoura, da criação da gado bovino e do turismo, vamos ter tempos maus”, reage Custódio Henriques.
A EN-225 ainda exibe os esqueletos dos eucaliptos dos fogos de anos anteriores, a regeneração natural tomou conta dos cabeços e o povo fez-se à vida. “Ardeu o sintético de Vila Viçosa, que foi estreado no domingo e estamos assim, com o credo na boca”, comentam os idosos na paragem de autocarros da aldeia.
A ajuda do povo
No café “é a energia, que é cortada várias vezes e as comunicações, que nem sempre temos”, conta Manuel Carvalho, de trás do balcão, a oferecer água a quem passa.
O povo estendeu mangueiras a atravessar a estrada, cuidou de abastecer os bombeiros com água, sandes e fruta e permanece vigilante e atento.
“Vamos buscar o senhor Domingos, tem o fogo no jardim e não quer sair de casa”, diz Manuel Ribeiro, antes de subir para o quadriciclo.
No concelho de Arouca “ardeu um estaleiro de construção civil, um trator e vários anexos, que eu tenha visto”, atira Manuel Ribeiro.
No último comunicado dirigido à população, a Proteção Civil Municipal de Arouca confirma a existência de quatro frentes ativas, uma delas “chegou já à freguesia de Santa Eulália, lugares de Alto Moção e Ribeira Grande”.
Mantêm-se ativos os incêndios que afetam as freguesias de Alvarenga, Canelas/Espiunca e Santa Eulália, com 3 frentes ativas. A meio da tarde de terça-feira mantém-se igualmente o número de recursos mobilizados: 552 operacionais, 177 veículos, 6 meios aéreos e 2 máquinas de rasto.
Estão cortadas as estradas EN 224, EN 225, EN 326, CM 1138 e, no concelho vizinho de Castelo de Paiva, com acesso a Arouca, a EM 505.
Mantém-se ainda confinada a aldeia de Vila Viçosa, com meios de socorro disponíveis no local.
Entretanto, já regressaram às suas habitações as pessoas de Canelas/Espiunca que tinham sido retiradas, preventivamente, as casas, durante a noite.
Até ao momento e de acordo com a informação disponível, não há registo de danos em habitações primárias e secundárias.
Já o povo tem outras certezas. “Enquanto houver para arder não para”. A noite chegou ainda antes das 16 horas, as populações sabem que “vai ser difícil” e preparam-se, condescende Maria da Vitória, debaixo da latada que dá acesso à casa, de mangueira na mão.
O povo permanece junto, de máscara na boca e preparado com tratores, alfaias agrícolas e carrinhas com depósitos de água. “Mas não há gado para comer o mato e esse é o problema, os animais não vão aos montes e é a falta de limpeza e o matagal, temos os eucaliptos para vender e agora ninguém os quer”, lamenta Manuel Soares.
Na rua as fonas e as cinzas continuam a cair. “Estamos num inferno quando podíamos estar no paraíso e isso é triste”, retoma Hernâni Bessa.
Por resolver está o problema dos trabalhadores e das fábricas, que não têm acesso para chegar aos locais de trabalho. A GNR não tem previsão de abertura de estradas.