
Porquê o lema “Uma Lição de Futuro e Tradição” no Congresso de Medicina Interna deste ano?
Como o Congresso se realiza, este ano, em Coimbra, optou-se por este lema, já que nesta cidade existe uma grande tradição académica. A Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra é a mais antiga do país e formou muitos internistas ao longo dos anos. No fundo, o que pretendemos dizer é que a Medicina Interna tem de se basear naquilo que os mais seniores nos ensinaram, mas também tem de dar o salto para a modernização da Medicina. É preciso pensar no futuro dos jovens médicos, mantendo a tecnologia, mas também a humanização dos cuidados.
A Medicina Interna assenta muito na visão holística do doente, no raciocínio clínico. Considera que a tecnologia poderá ameaçar, de alguma forma, essa humanização de cuidados?
Não propriamente… sobretudo para a Medicina Interna. A nossa especialidade vê o doente no seu todo, não se ficando somente pela doença e possíveis comorbilidades, mas também estando atenta a questões mais sociais, humanas. Não há um grande risco, talvez isso possa ser uma preocupação maior para as especialidades mais tecnicistas. Mas, obviamente, é preciso estar atento para se perder a proximidade e o humanismo.
A tecnologia, nomeadamente a IA, tem um contributo importante para a Medicina personalizada, mas temos que saber utilizá-la, racionalizando aquilo que nos é transmitido. Os médicos irão sempre ser essenciais nos cuidados de saúde, sobretudo pela componente humana. Na doença, na fragilidade, faz todo o sentido ter o calor humano.
“Optámos por falar sobre consentimento informado, porque, na prática clínica, os idosos são pouco autónomos e nem sempre conseguem entender o que se passa com eles”
Um dos temas que se destaca no Congresso é o “Consentimento Informado e os Limites de Autonomia do Idoso”. Que desafios enfrentam, atualmente, já que há cada vez mais idosos em Portugal?
É um desafio para a saúde no geral. Temos muitos idosos e temos que os tratar bem, manter ativos e funcionais para a sociedade. Optámos por falar sobre consentimento informado, porque, na prática clínica, os idosos são pouco autónomos e nem sempre conseguem entender o que se passa com eles. Vamos discutir esta temática para ver como podemos resolver estas questões. Em Portugal ainda não existe tradição de se avançar com diretivas antecipadas de vontade.
Relativamente à obesidade, o que vão discutir?
Vamos abordar os desafios atuais. Primeiramente, o paradigma da obesidade tem mudado nos últimos anos. Ultimamente, têm surgido muitos fármacos que ajudam os doentes. De uma forma geral, são medicamentos que se prescrevem para a diabetes, com grandes resultados, mas estamos ainda impedidos de o fazer para a obesidade. O tratamento da obesidade deve ser multidisciplinar e vamos abordar, nessa mesa, os tratamentos atuais e futuros desta pandemia.
“Turismo em Saúde” é outro dos temas. Há muitos casos ou é algo mais residual?
Não existem grandes dados para que se saiba qual é a realidade exata, mas, empiricamente, apercebemo-nos de que tem havido mais casos. Existem muitos estrangeiros a procurar o sistema de saúde português, o que, por um lado, revela que o sistema é reconhecido como de qualidade. Mas, por outro, temos que ter em conta que acaba por ser, também, um peso para o sistema de saúde, que está muito sobrecarregado. Nós queremos soluções! A nossa vontade é que possamos tratar bem as pessoas, procurando soluções (protocolos, por exemplo) para receber os estrangeiros.
“Temos que ter internistas motivados, bons e, para tal, é preciso aliviar a pressão das urgências, melhorar a remuneração, reconhecer o processo assistencial de raciocínio clínico, equiparado às técnicas”
É preciso um equilíbrio entre o humanismo e a sustentabilidade do sistema?
Sim, porque temos um bom sistema de saúde, que trata bem os doentes, mas também sentimos pressão na marcação de consultas, nas cirurgias, entre outros.
Além das várias temáticas, mantém-se a Tarde do Jovem Internista. Espera-se mais um ano de sucesso?
Sim! Temos que dar atenção aos mais novos, sobretudo numa altura em que estamos a ter muita dificuldade em captar jovens médicos para a nossa especialidade e isso preocupa-nos bastante. A Medicina, no geral, já não é tão cativante… Mas a Medicina Interna tem um fator negativo: uma grande pressão, principalmente na urgência. Dever-se-ia fazer urgência, mas menos horas, para que depois se possam dedicar às restantes áreas como enfermaria, consultas, internamento, na cogestão com outros serviços, etc. Caso não se alterem estas condições, os jovens não se vão sentir atraídos. A Medicina Interna é o pilar do hospital! Temos que ter internistas motivados, bons e, para tal, é preciso aliviar a pressão das urgências, melhorar a remuneração, reconhecer o processo assistencial de raciocínio clínico, equiparado às técnicas.
Maria João Garcia
Notícia relacionada