Nasci e fui criado em Portugal. Após concluir a licenciatura, lancei-me na aventura de estudar além-fronteiras e de explorar o mundo. Vivi dois anos na República Checa e na Dinamarca e sete nos Estados Unidos. Se a República Checa foi a minha primeira paixão, Israel tornou-se o meu verdadeiro lar.

As minhas experiências vão muito além do simples ato de viajar. Adoro conhecer novos lugares, mas viver neles é algo muito diferente. Israel é um país fascinante, não apenas pela sua beleza natural, mas principalmente pela fusão vibrante entre o Ocidente e o Oriente. Democrático por essência e com uma cultura mais próxima da europeia do que da americana, é um lugar onde posso alimentar a minha paixão pela arte, pela música e pela literatura. Aqui, o imigrante encontra o seu espaço. Aqui, o mundo inteiro converge: ucranianos, russos, polacos, alemães, etíopes, marroquinos, iraquianos, palestinianos, sírios… Israel é um verdadeiro caldeirão cultural. E, acima de tudo, tem sido uma democracia autêntica.

O caminho para o 7 de Outubro

A História pode ser comparada a uma velha que se esquece facilmente. Por isso, relembrar os factos, mesmo no meio de uma cacofonia de vozes e gritos, torna-se essencial. Há acontecimentos que jamais poderei esquecer.

Nos anos que antecederam o massacre de 7 de outubro, Israel enfrentava uma polarização política intensa. Durante a pandemia, as manifestações contra Netanyahu cresceram, intensificando-se após a reeleição, em novembro de 2022. A oposição, embora fervorosa, mostrava-se desorganizada. Protestava-se contra uma reforma judicial que retiraria poder ao supremo tribunal.

A conjuntura política e económica, agravadas pela automação e pela inteligência artificial no setor tecnológico, tornou Israel especialmente vulnerável. Em outubro de 2023, o país estava frágil e dividido, um alvo fácil para um inimigo paciente e impiedoso.

O 7 de Outubro

Após o ataque mais devastador da história de Israel, testemunhei um país em choque e paralisado. As ruas esvaziaram-se, as portas trancaram-se, os olhares carregavam terror. O massacre de 7 de outubro, perpetrado pelo Hamas, foi de uma brutalidade sem precedentes. Imagens de mulheres torturadas e violadas diante dos próprios filhos, de crianças massacradas sem piedade, atingiram o coração de uma sociedade que sempre se sentira segura.

A dor foi ainda mais intensa por ter ocorrido nas comunidades dos kibutzim, locais onde se buscava a paz com Gaza. Ali viviam ativistas dos direitos humanos que lutavam por um Estado palestiniano irmão, facilitando vistos de trabalho e garantindo atendimento médico de excelência a doentes palestinianos. Essas comunidades sentiram-se traídas: famílias inteiras massacradas por um grupo terrorista movido pelo ódio. O trauma e o medo espalharam-se como nunca, deixando um país inteiro desamparado.

A guerra alimenta o ódio—e quanto mais se prolonga, mais ele se intensifica.

A reação internacional

Ainda antes que as Forças de Defesa de Israel (FDI) reagissem plenamente, o mundo já condenava Israel, ignorando o massacre e os reféns. Poucos se atreveram a condenar os crimes do Hamas. Era preciso coragem para desafiar o slogan da moda entre intelectuais e setores da esquerda radical: "Do rio até ao mar." Um eufemismo para um apelo ao genocídio: "Façam desaparecer, de novo, milhões de judeus."

O episódio do hospital Al-Ahli, em 17 de outubro, acentuou esse viés. Antes mesmo de qualquer investigação, a BBC e a CNN culparam Israel pela explosão, espalhando uma mentira que desencadeou protestos violentos e reforçou a hostilidade internacional. Quando a verdade veio à tona — que o ataque partiu de um rocket disparado por jihadistas palestinianos — o dano já estava feito. Para muitos israelitas, esse foi o momento em que perceberam que parte da imprensa internacional era mais que negligente: era cúmplice na manipulação dos factos.

O antissemitismo alastrou. Pergunto-me, tantas vezes, o que faz dos judeus um povo tão perseguido ao longo dos séculos. A minha bisavó atribuía isso à crucificação de Jesus — uma visão medieval, presente nas peças de Gil Vicente, que ecoou através dos séculos. Hoje, um novo combustível alimenta esse ódio: o antiamericanismo. Em tempos de guerra, agitam-se bandeiras patrióticas, enquanto as humanitárias são esquecidas. Morre-se pela pátria, por um grupo de pátrias, e ignora-se as vidas perdidas.

Apesar disso, algumas comunidades demonstraram apoio inabalável: os drusos dentro de Israel e a diáspora iraniana, que rejeita o regime dos aiatolas. Em contraste, a comunidade árabe-israelita manteve-se distante, sem demonstrar a solidariedade esperada. Esse distanciamento surpreendeu-me — até à minha visita a uma exposição em Telavive sobre o massacre no festival de música Nova. Foi lá que conheci Yoseph Haddad, jornalista e ativista árabe-israelita. A sua visão pró-Israel e desejo de convivência pacífica deram-me um novo fôlego.

Trump, o cessar-fogo e a nova escalada

A eleição de Donald Trump para a presidência dos EUA, no final de 2024, trouxe uma reviravolta inesperada. As suas declarações, tantas vezes impulsivas, ironicamente aceleraram processos diplomáticos, levando ao acordo de cessar-fogo que garantiu a maior libertação de reféns até agora. Esse acordo também expôs a brutalidade do Hamas: trocar três israelitas por dezenas de prisioneiros palestinianos deixou claro o abismo entre os valores de cada lado do conflito.

As imagens das encenações macabras em Gaza aquando da devolução dos reféns e em particular da família Bibas (mãe e filhos), brutalmente mortos nos túneis de Gaza, foram um espetáculo macabro que reforçou a desumanidade do grupo terrorista.

Mas a trégua foi curta. O Hamas violou o cessar-fogo e a guerra recomeçou. Simultaneamente, o Hezbollah rompeu seu próprio acordo, trazendo o conflito para o norte.

Na manhã de hoje, às 7.30, fui despertado no meu apartamento na Baixa de Telavive por mais uma sirene de bombardeio — uma entre tantas dos últimos meses.

O retorno de figuras como Itamar Ben-Gvir ao governo de Netanyahu reacendeu os protestos em Telavive, agora mais intensos e violentos. Israel segue dividido, fragilizado, mas resiliente.

O mundo pode ter esquecido os acontecimentos de 7 de outubro. Mas aqui, cada sirene, cada rosto em luto e cada refém ainda em Gaza são lembretes diários de que esta guerra está longe do fim.

E, sobretudo, que ninguém tome a nuvem por Juno: o governo de Israel não é o povo de Israel.