Com um escândalo político atrás do outro a abalar o país, a confiança dos portugueses nas instituições está a desmoronar-se. Mas, a menos que os eleitores exijam uma verdadeira responsabilização, estaremos condenados a repetir este ciclo indefinidamente.

 Desde a Operação Influencer ao caso Tutti Frutti, os últimos anos têm sido uma sucessão de alegações de corrupção, acordos obscuros e manobras políticas duvidosas. A demissão do primeiro-ministro António Costa, na sequência de uma investigação sobre tráfico de influências, foi apenas o golpe mais recente para uma população já exausta com a podridão no topo. O resultado? Um eleitorado desiludido, confiança mínima no governo e terreno fértil para movimentos populistas que prosperam no caos político.

O problema não são apenas alguns maus elementos — é um sistema que permite e recompensa a corrupção. Durante anos, políticos de vários partidos envolveram-se em nepotismo, compadrio e negócios ilícitos, sem enfrentar consequências reais. As leis de transparência são fracas, os processos jurídicos arrastam-se durante anos e, quando chegam sentenças, muitas vezes parecem uma mera repreensão simbólica. Entretanto, os cidadãos enfrentam impostos elevados, salários estagnados e uma crise no custo de vida que os políticos parecem demasiado distraídos para resolver.

O problema da corrupção em Portugal não é novo. Em 2014, a prisão do ex-primeiro-ministro José Sócrates por acusações de corrupção, fraude fiscal e branqueamento de capitais deu a entender que o país estava finalmente a levar estas questões a sério. No entanto, quase uma década depois, os escândalos persistem e a elite política continua a agir impunemente. A frustração pública está a atingir o limite, mas sem uma reforma profunda, a história continuará a repetir-se.

O sistema jurídico, embora tecnicamente independente, tem sido frequentemente acusado de ser lento e ineficaz, com casos de corrupção de alto perfil a arrastarem-se durante anos antes de qualquer consequência significativa. Esta demora mina a confiança pública e reforça a perceção de que os poderosos são intocáveis. Se queremos pôr um fim a este ciclo vicioso, não basta esperar que a classe política se reforme sozinha — os cidadãos têm de exigir mudanças concretas. 

Uma solução clara: uma Autoridade Anticorrupção independente

Portugal precisa urgentemente de um organismo independente de combate à corrupção, com poderes de investigação e acusação, semelhante à Autoridade Nacional Anticorrupção (ANAC) de Itália. Este organismo teria como missão exclusiva investigar e processar casos de corrupção política, garantindo que situações como a de Costa sejam tratadas de forma célere e justa. Atualmente, os processos passam por diferentes entidades — Ministério Público, Polícia Judiciária, Tribunal de Contas — tornando a resposta dispersa e morosa. Uma estrutura autónoma e dedicada permitiria agilizar processos e garantir que nenhum caso ficasse esquecido em gavetas burocráticas.

Este tipo de organismo já provou ser eficaz noutros países. Em Itália, a ANAC tem desempenhado um papel essencial no combate à corrupção em contratos públicos e na política, trazendo maior transparência e responsabilização. Em Hong Kong, a Comissão Independente contra a Corrupção (ICAC) foi crucial para transformar um sistema outrora dominado pela corrupção num exemplo de boa governança. Portugal pode e deve seguir esse caminho, garantindo que quem comete crimes de colarinho branco enfrenta consequências reais.

Além da criação deste organismo, é essencial rever as leis de financiamento partidário e conflito de interesses. Hoje, demasiados políticos passam facilmente do setor público para o privado, explorando ligações e informação privilegiada. A implementação de períodos de nojo mais longos e regras mais rígidas sobre lobbying ajudaria a evitar este “carrossel” entre a política e o mundo empresarial, onde interesses privados acabam por influenciar decisões públicas.

 O papel da sociedade civil e da comunicação social

Além de exigir reformas institucionais, os cidadãos têm um papel fundamental na luta contra a corrupção. A sociedade civil deve mobilizar-se, pressionando os políticos a adotar estas reformas e rejeitando candidatos envolvidos em escândalos. A abstenção eleitoral, muitas vezes vista como um protesto contra o sistema, acaba por perpetuar o problema, pois permite que os mesmos de sempre continuem no poder sem resistência.

A comunicação social também é um pilar essencial neste combate. O jornalismo de investigação tem sido fundamental na exposição de casos como o Tutti Frutti, mas a crescente pressão sobre a liberdade de imprensa ameaça este papel fiscalizador. A tentativa de políticos processarem jornalistas e meios de comunicação críticos é uma tática perigosa que visa silenciar denúncias. Proteger a imprensa livre e apoiar meios independentes são formas essenciais de garantir que os poderosos continuam a ser escrutinados.

Os escândalos continuarão a acontecer enquanto a corrupção for tolerada. Portugal está num ponto de viragem: pode continuar neste caminho de decadência política ou lutar por um sistema que realmente sirva os seus cidadãos. A escolha não cabe aos políticos — cabe ao povo. Está na hora de tornar a corrupção politicamente fatal. Se os eleitores exigirem integridade, recusarem reeleger políticos corruptos e pressionarem por reformas reais — começando com um organismo anticorrupção independente —, Portugal poderá reconstruir a confiança nas suas instituições. A luta pela responsabilização começa agora, e é uma batalha que os portugueses não podem dar-se ao luxo de perder.

Escritor, trabalha com a Young Voices Europe, coordenador local para a associação Students For Liberty