Há cerca de 200 000 anos, quando se teoriza terem surgido os primeiros Homo sapiens, a forma de viver era indubitavelmente diferente da atual. Tão diferente, que arrisco mesmo dizer que era diametralmente oposta. Se, por um lado, existia uma maior sintonia com a Natureza e com a utilização consciente de recursos que ela disponibilizava, hoje o ser humano parece uma espécie alienada - ou até alienígena - com pouca ou nenhuma relação com o meio que o rodeia.
Olhando para o momento marcante da nossa História em que o nomadismo foi substituído pelo sedentarismo, coincidente com o surgimento das primeiras sociedades agrícolas - um ponto essencial para a evolução da nossa espécie - percebemos a dimensão da mudança. Havia, certamente, mais empatia e respeito pelos elementos naturais, bem como uma forte componente mística, visível na veneração de tudo aquilo que sustenta a vida. Apesar de distante do conforto que conhecemos hoje, esse tempo era, em muitos aspetos infinitamente mais equilibrado.
É verdade que o tempo não volta atrás. Mas como podemos aprender com os nossos longínquos antepassados para tentarmos recuperar uma harmonia que parece cada vez mais ameaçada?
O ónus da questão não reside seguramente no progresso tecnológico - que é alias, essencial-, mas sim na desconexão cultural e ambiental que tem vindo a acompanhar essa evolução. Esquecemo-nos de que esta é a nossa casa. Uma casa que não é apenas nossa, mas que acolhe milhares de outras espécies, todas fundamentais para a continuidade da vida tal como a conhecemos.
Para reacender essa consciência coletiva e reencontrarmos o nosso propósito, há um caminho que faz cada vez mais sentido: One Health. Apesar de parecer um conceito recente, One Health reconhece que a saúde humana, animal e ambiental estão profundamente interligadas. E esta abordagem, hoje validada pela ciência e pelas políticas globais, era já, de forma instintiva e inconsciente, aplicada pelos nossos ancestrais. Retirando os estímulos e excessos do presente, esta é a única forma de estar e de viver que verdadeiramente assegura a sustentabilidade do planeta – um modelo enraizado na própria origem e no equilíbrio entre todas as espécies.
Um exemplo claro da rutura com esse equilíbrio pode ser observado no principal pulmão do planeta: a floresta amazónica. No processo contínuo de desflorestação, cujo objetivo principal é criar mais espaço para cultivo, reduzem-se irremediavelmente os habitats naturais de inúmeras espécies selvagens. À medida que o ecossistema é invadido pela presença humana, surgem consequências graves: perda de biodiversidade, aumento da libertação de CO2 e maior contacto entre animais selvagens, domésticos e humanos. O risco de zoonoses cresce exponencialmente, colocando em causa a saúde de todos.
Este comportamento contrasta profundamente com o dos nossos antepassados, que respeitavam os ciclos da Natureza. Quando os recursos escasseavam, as tribos nómadas deslocavam-se, permitindo que o ambiente recuperasse. Sabiam — e aplicavam — que a Natureza precisa de tempo para se regenerar. Essa lógica de moderação e respeito é hoje mais necessária do que nunca.
Urge, por isso, recuperar essa sintonia com o mundo natural. Consumir, construir e transformar com consciência e responsabilidade.
Vivemos numa era de total globalização, com acesso a conhecimento e ferramentas tecnológicas extraordinariamente avançadas. Temos, mais do que nunca, as condições para reequilibrar a relação entre progresso e planeta. O futuro não depende de descobrirmos um novo mundo — depende da forma como voltamos a cuidar deste.
Está nas nossas mãos reaprender com o passado e reencontrar o caminho da harmonia. Porque, no fim, só há um planeta. E só faz sentido vivê-lo com uma só saúde. Quem de nós ainda acredita em Plan (eta) B?
Bernardo Soares, Médico Veterinário / Health Care Director at UPPartner