O direito à habitação em Portugal não é uma opinião nem uma aspiração – é um direito fundamental inscrito na Constituição da República Portuguesa. O artigo 65.º estabelece de forma clara que todos têm direito a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto, que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar; e mais: o Estado tem o dever de garantir este direito através de políticas públicas de habitação, da construção de casas económicas e sociais, do estímulo à construção privada e da regulação de um mercado de arrendamento compatível com o rendimento das famílias.

É um princípio essencial e, sobre algo tão fundamental, o Estado falhou de forma reiterada e a vários níveis. Se Portugal fosse gerido como uma empresa, a coerência mínima exigiria que os responsáveis por tamanho falhanço fossem todos despedidos por incumprimento flagrante das suas funções básicas.

Há décadas que o tema da habitação é uma nota de rodapé dentro do Ministério das Infraestruturas, que acumula a Habitação com tudo o resto o que cabe nessa pasta. Há décadas que esse ministério tem ocupado muito mais tempo, dinheiro e recursos com o ar do que com o lar. Veja-se a disponibilidade orçamental, a energia política e a rapidez com que se alimenta qualquer debate relacionado com aviação – do desnecessário “novo” aeroporto de Lisboa à nacionalização e reprivatização da TAP, uma simples companhia aérea, um agente económico entre muitos, colocado de forma bizarra sob a tutela das Infraestruturas e não da Economia.

Dinheiro e relatórios para o “ar” não faltam, mas como bem sublinhou o próprio primeiro-ministro, estes investimentos públicos em poços sem fundo “não se repercutem na vida dos portugueses”. E importa lembrar: ao contrário do direito à habitação, o direito a voar e de voar numa companhia aérea específica, não está consagrado em lado nenhum da nossa Constituição. Ainda assim, assistimos, impávidos, a esta inversão grotesca de prioridades em que se pretende garantir o céu, mas em que se esquece a terra.

Neste compasso de espera, assistimos ao deslizar do país para uma perigosa terceiro-mundialização das nossas cidades: de um lado, urbanizações de luxo a preços incomportáveis para a maioria; do outro, o regresso de barracas e guetos com condições indignas, que no Brasil se chamam favelas.

Não sei se Portugal precisa de uma reforma governamental que reconheça um ministério à Habitação, mas sei que o atual ministro com esta pasta precisa de colocar as infraestruturas em modo de pausa e tratar do tema da habitação como aquilo em que se tornou: uma pandemia social para a qual precisamos de uma vacina para ontem. Inevitavelmente, parte da resposta passará por construir fora dos centros urbanos e isso exigirá uma rede de transportes públicos eficiente, que evite deslocações absurdas de duas horas por dia, cujo impacto é a redução da nossa produtividade, da nossa qualidade de vida e das metas ambientais que precisamos de atingir.

Sem um compromisso político absoluto com o planeamento, investimento e execução de uma política de habitação eficaz, continuaremos a assistir à sua falta nos centros urbanos e à escalada dos seus preços, totalmente desligada da nossa realidade socioeconómica. Para o bem do nosso futuro em terras lusas, fica aqui o pedido: menos ar e mais lar, por favor.

Docente em Sistemas de Transporte e consultor em aviação, aeroportos e turismo