A recente realização do debate “Vida, Democracia e Direitos Humanos no Irão”, que contou com a presença de ativistas iranianos e mais de 120 alunos na Escola Secundária Padre António Vieira, em Lisboa, trouxe à tona questões urgentes e universais. Não se tratou apenas de uma conversa sobre um país distante, mas de um apelo à consciência coletiva sobre as ameaças à liberdade e à dignidade humana que persistem no mundo actual, no geral e, em particular, sobre as novas gerações em Portugal e novo mundo.
Ao ouvirmos relatos diretos sobre a repressão vivida diariamente no Irão, especialmente pelas mulheres, somos confrontados com a responsabilidade de não permanecermos indiferentes. Afinal, os direitos humanos não conhecem fronteiras: a sua defesa é um dever que nos interpela enquanto cidadãos globais e, em particular, enquanto portugueses. Neste contexto, importa refletir sobre o papel que cada um de nós pode desempenhar na promoção da justiça, da igualdade e da democracia, tanto em Portugal como além-fronteiras.
No debate fiquei surpreendido pela qualidade das perguntas por parte de uma audiência que era composta por alunos com entre 15 e 17 anos. Sabia que não podia introduzir o tema de uma forma teórica ou delimitada pela defesa abstrata e teórica dos "direitos humanos": a comunidade iraniana em Portugal é muito reduzida e não tem elevados níveis de mobilização ou de politização. Portugal, historicamente, também não teve muitas ou profundas relações com este país do Médio Oriente. E muitos jovens e adolescentes portugueses não estão politizados nem estão interessados em nada que extravase os horizontes quotidianos e não se interessam nem por "política" nacional e, muito menos, por política internacional. Foi assim uma agradável surpresa (são sempre as melhores surpresas) dar com uma audiência jovem, interessada e interessada pelas questões dos direitos humanos e das mulheres no Irão. Todos, organização e ativistas iranianos ficámos motivados para repetir o encontro noutras escolas. Parabéns aos alunos e aos pais e professores que os souberam motivar para estas questões tão importantes para a defesa e promoção da democracia em Portugal e no mundo.
Apesar de, à primeira vista, Portugal e Irão parecerem distantes tanto geográfica como culturalmente, a verdade é que a história revela pontos de contacto significativos entre os dois países. Esta consciência histórica reforça a importância de debates como o realizado na Escola Secundária Padre António Vieira, pois evidencia que, mesmo quando as relações atuais possam ser ténues, existem raízes e episódios partilhados que justificam um interesse mútuo e um diálogo contínuo. Assim, ao refletirmos sobre os direitos humanos no Irão, não estamos apenas a olhar para uma realidade distante, mas também a revisitar um passado comum que pode servir de base para uma compreensão mais profunda e para a construção de pontes futuras entre as nossas sociedades.
Com efeito, as relações entre Portugal e Irão são escassas mas não nulas: Portugal estabeleceu-se em Ormuz, no Golfo Pérsico, em 1507, quando Afonso de Albuquerque conquistou a cidade e iniciou a construção de uma fortaleza. O domínio português consolidou-se em 1515, com o controlo efetivo da ilha e a construção do Forte de Nossa Senhora da Conceição. Portugal manteve o controlo de Ormuz durante mais de 100 anos, até 1622, quando uma aliança entre persas e ingleses expulsou definitivamente os portugueses da ilha.
Além de Ormuz, Portugal manteve outras relações históricas com o atual território do Irão construindo fortificações ao longo da costa sul do Irão, como em Bandar Abbas, Qeshm e outras localidades estratégicas do Golfo Pérsico, para garantir o controlo naval e comercial da região, estabeleceu vários tratados e embaixadas com o Império Safávida e, embora nunca houvesse uma aliança formal entre persas e portugueses (sobretudo por causa de Ormuz) ambas as potências disputavam a hegemonia comercial na região aos otomanos. Depois de 1622, Portugal tentou em 1623, 1624, 1625 e 1627, sob comando de Rui Freire de Andrada reconquistar Ormuz, sempre sem sucesso e, em 1631 pela via diplomática, também sem sucesso.
Em suma, o debate sobre os direitos humanos no Irão, realizado na Escola Secundária Padre António Vieira, demonstrou que temas aparentemente distantes podem e devem ser discutidos com profundidade e interesse pelas novas gerações em Portugal. Ao revisitarmos os laços históricos entre Portugal e o Irão, percebemos que a solidariedade e o diálogo internacional são fundamentais para a construção de uma cidadania global mais consciente e ativa. Que este encontro sirva de inspiração para que continuemos a promover o respeito pela dignidade humana, a justiça e a democracia, não apenas dentro das nossas fronteiras, mas também em solidariedade com todos os povos que lutam pelos seus direitos fundamentais.
Rui Martins é fundador do Movimento Pela Democracia Participativa