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Assobiar para o lado não é a solução

Putin não estará minimamente interessado em negociar. O número de drones produzido diariamente por Moscovo poderá atingir algo entre as 700 e as 1000 unidades por dia.
Assobiar para o lado não é a solução
EPA/SERGEY BULKIN / SPUTNIK / KREMLIN POOL MANDATORY CREDIT

É certo que nos últimos tempos temos vindo a assistir a evoluções significativas na procura de encontrar formas de por termo à guerra na Ucrânia que, indo já no seu quarto ano, persiste em continuar. “Desde janeiro deste ano, os russos perderam 100 mil soldados. Não feridos, mortos!” palavras de Marco Rubio, Secretário de Estado dos EUA.  A pergunta que aqui se coloca é simples. Por quanto tempo mais um país é capaz de manter uma invasão desta natureza tendo de conviver com uma tal taxa de atrição?

Tudo parece indicar que Donald Trump finalmente chegou à conclusão que Putin não estará minimamente interessado em negociar, mas sim em continuar com a sua dita “Operação Militar Especial” enquanto os seus objetivos não forem atingidos e as suas causas profundas não forem solucionadas. A ambição desmedida de Putin começa a ser a verdadeira raiz do problema. O líder da Federação Russa vive numa bolha, comporta-se como um verdadeiro Czar e ambiciona restaurar as suas antigas esferas de influência, reconstruir um império e alterar profundamente a atual ordem mundial, liberal, baseada em regras.

A Rússia mais não é do que o produto da vontade de um homem só. Um verdadeiro one man’s show. E é justamente isto que caracteriza a Rússia de hoje e a distingue da antiga URSS — não existe um verdadeiro aparelho de governo nem uma estrutura partidária forte.  Tudo na Rússia gira à volta de Putin, que não está minimamente preocupado com potenciais concorrentes ao seu lugar, índices de aprovação ou questões ligadas ao desempenho da economia. Nada o parece perturbar.

Aparentemente, só existe uma forma de o pressionar, pela força. Seja através do fortalecimento das capacidades bélicas da Ucrânia no campo de batalha, seja pela aplicação de severas sanções diretas à Rússia e indiretas aos seus principais importadores do petróleo ou, idealmente, uma conjugação dos dois. Neste sentido, os EUA e a UE serão peças imprescindíveis na aplicação destas metodologias.

Para exercer uma pressão eficaz sobre Moscovo, sendo o petróleo a sua principal fonte de receita e o principal alimento do esforço de guerra, os EUA e a UE devem, de uma vez por todas, acertar posições e, mesmo em alternativa, tentar estabelecer compromissos com os principais consumidores de petróleo russo. Leia-se China e Índia. A questão da paz na Ucrânia só poderá ter uma solução à vista se forem acertadas posições comuns entre EUA e UE, procurando uma colaboração daqueles países.

Zelensky está convencido de que a guerra não terminará em breve. Os serviços secretos da Ucrânia e dos seus parceiros têm dados fidedignos de que Putin está deliberadamente a prolongá-la pelo tempo que for necessário.  O presidente da Federação acredita piamente numa vitória militar na Ucrânia e que o Ocidente acabará por desistir de a apoiar.

Uma análise atenta às últimas ações de bombardeamento russo à Ucrânia sugere um padrão claro. Um aumento consistente da respetiva intensidade e letalidade.  Estamos perante uma visível escalada do terror. Torna-se imperativo encontrar soluções céleres para contrariar esta tendência. O tempo urge, até porque se crê que os russos continuarão a incrementar, em muito, a produção e a eficácia dos seus drones Geran, em tudo idênticos aos conhecidos Shahed 131/136 de fabrico iraniano, desenvolvendo ainda mais a capacidade destruidora das respetivas ogivas. A quantidade de explosivo destas poderá chegar a mais de uma centena de quilos e o número deste tipo de drones produzido diariamente poderá atingir, segundo os Serviços de Informações ucranianos, algo dentro de um intervalo situado entre as 700 e as 1000 unidades por dia.

Mas esta não é a única ameaça que se antevê no horizonte e a curto prazo. É possível que muito em breve, assistamos ao emprego no campo de batalha de robôs autónomos dotados de inteligência artificial. Eles serão ainda mais mortíferos e destruidores que os Shahed, dispensam o controlo dos humanos, sendo ainda invulneráveis aos meios clássicos de guerra eletrónica.  À velocidade vertiginosa a que as inovações se têm vindo a suceder nas planícies e cidades da Ucrânia, a questão não é se, mas quando os russos começarão a fabricar milhares de equipamentos dessa natureza. A ameaça será decerto maior, no entanto creio ser possível à Ucrânia se devidamente auxiliada pelos seus aliados, levar de vencida tais ameaças. O recurso a sistemas de defesa aérea mais eficazes, complementados por armas lazer, e por drones intercetadores providos de inteligência artificial não é uma miragem, mas sim uma realidade que veremos implementada muito brevemente. A persistente evolução tecnológica é uma tendência crescente e constitui já uma das características mais marcantes desta guerra.

Contrariamente ao que se possa pensar, esta guerra não se encontra circunscrita ao território ucraniano. É bom que nos lembremos dos inúmeros drones de reconhecimento russos que têm vindo a invadir os céus europeus, dos cortes de cabos submarinos de fibra ótica e de transporte de energia elétrica submersos no mar báltico, das ações de fogo posto, dos ataques cibernéticos às nossas instituições e tecido produtivo e das tentativas de influenciar resultados de atos eleitorais um pouco por toda a Europa. Infelizmente, isso será apenas a ponta visível do icebergue se não nos preparamos e não levarmos a sério esse tipo de ameaças, hoje comumente designadas de híbridas.

A Europa não deve, nem se pode dar ao luxo de assobiar para o lado. Mais do que estar atenta, terá de participar ativamente nestes processos sob pena de não se encontrar devidamente preparada para combater e triunfar sobre estas novas formas de conflitualidade.  É fundamental para a nossa segurança estarmos atentos e tirar partido de todas as lições que emergem das cidades e planícies ucranianas. Esta guerra está a ter lugar no nosso espaço geográfico e cultural e poderá ter consequências diretas no nosso porvir. Não podemos admitir que alguém pela força possa pôr em causa este nosso espaço de liberdade, tolerância e democracia construído com tanto esforço e dedicação sobre os destroços da Segunda Guerra Mundial. Viver num espaço interestadual aonde haja regras é algo de que não queremos abdicar. Espaço onde a força do direito continue a imperar sobre o direito da força. Trata-se de acautelar o futuro da Europa, do nosso espaço, da nossa forma de vida.

Embora o recurso à violência organizada, numa palavra só, à guerra, deva ser encarado como a ultima ratio, os nossos líderes políticos deverão ter a coragem de pôr em marcha um conjunto de decisões tendentes a, num período tão curto quanto possível, criar as condições para que, em caso de guerra, sejamos capazes de combater e vencer. É preciso ter em mente que, quando todos os outros recursos se esgotam, o único instrumento da paz é mesmo a própria guerra.

Si vis pacem para bellum. É um provérbio muito antigo que sugere que a melhor forma de evitar um conflito é estar devidamente preparado para ele, demonstrando força e dissuadindo potenciais agressores. Esta frase é atribuída ao escritor romano Flavius Vegetius Renatus, do século IV ou V d.C.

Contrariamente ao que muitos estudiosos argumentam referindo que esta frase pode conduzir a uma corrida armamentista e aumentar as tensões entre nações, ela encerra uma mensagem intemporal e os fundamentos de que a preparação prévia e a dissuasão devem ser encaradas como as ferramentas mais eficazes para a manutenção da paz.  O tempo urge e assobiar para o lado já não é opção.

Major General//Escreve semanalmente no SAPO, à sexta-feira

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