
Antes ou depois da noite de São João, o santo mais popular da Invicta, descubra seis lojas com história que celebram a hospitalidade e os produtos típicos do Porto. Sabonetes e vassouras centenários, especiarias, chás e cafés, livros com sorte e chocolates são alguns dos produtos tradicionais que pode encontrar neste périplo pelos espaços e modos de fazer com alma antiga na cidade.
Especiarias e vinho do Porto na Pérola do Bolhão
A fachada amarela de Arte Nova, forrada de azulejos com referências à rota das especiarias, é um ponto de interesse turístico na cidade e um dos cartões de visita da Pérola do Bolhão (tel. 222004009), na Rua Formosa. Não é por acaso que esta mercearia é um dos estabelecimentos mais visitados, fotografados e publicitados da cidade – já foi, inclusivamente, mencionada em algumas publicações internacionais.
Em 1917, António Rodrigues Reis, natural de Santa Maria da Feira, instalou-se numa das principais artérias comerciais do Porto com o sonho do sucesso. Abriu a casa e dedicou-se apenas à comercialização de especiarias, chás e cafés. Ao longo dos anos, a oferta diversificou-se e adaptou-se ao gosto dos clientes, mas o espaço preserva as montras e as prateleiras bem recheadas. Hoje, há vinho do Porto, conservas, enchidos (o porco fumado é uma especialidade), biscoitos regionais, queijos, vinhos, frutos secos e até produtos de mercearia.
A Pérola do Bolhão é um dos estabelecimentos protegidos pelo programa Porto de Tradição, impulsionado pelo município, que “visa salvaguardar e promover a sustentabilidade do comércio, em particular de lojas e entidades de interesse histórico, cultural e social local”.
Património doceiro na Arcádia
“A Arcádia é mais do que uma marca, é uma parte viva da história do Porto.” Quem o afirma é Francisco Bastos, diretor-geral do Grupo Arcádia e bisneto do fundador. A sua origem remonta a 1933, no número 63 da Praça da Liberdade, no Porto, com um salão de chá que viu nascer uma confeitaria de fabrico próprio.
“Temos preservado a tradição da chocolataria artesanal portuguesa, mas também inovado, expandindo a nossa oferta para além do chocolate, sempre com o mesmo compromisso de qualidade”, afirma Francisco. Conhecida pelos bombons, pelas amêndoas, pelas línguas de gato e pelas drageias de licor – de segunda a sexta, na loja da Rua do Almada, é possível assistir ao trabalho das “bordadeiras”, que as pintam à mão, como se peças de artesanato se tratassem –, a Arcádia oferece também uma enorme variedade de bolos e produtos de pastelaria nas mais de 40 lojas que hoje tem espalhadas pelo país. Macarons, gelados e bolachas são algumas das propostas.
Desde cedo, os produtos da Arcádia conquistaram os “paladares exigentes” de reis, rainhas, escritores e pintores. Hoje, a marca portuense continua a adoçar diferentes gerações, “sem nunca perder a ligação às raízes”, remata o diretor-geral do grupo.
Vassouras e escovas de luxo na Escovaria de Belomonte
Dedicada ao fabrico manual de vassouras e escovas, a Escovaria de Belomonte (tel. 222002469) é uma espécie de loja-oficina, criada em 1927 pelo bisavô de Sérgio Rodrigues. “Produzimos desde escovas pessoais de luxo, feitas com madeiras nobres e cerdas ou fibras 100% naturais (incluindo escovas para vestuário, calçado, pele e até cogumelos), até escovas industriais de alta performance”, explica.
O fabrico começou em Massarelos, de onde António Silva era natural, mas 13 anos depois instalou-se na Rua de Belomonte, no centro do Porto. “A nossa Loja & Atelier oferece uma vasta seleção de escovas, vassouras e outros artigos para a casa e cuidado pessoal.” À entrada, as vassouras penduradas no teto chamam a atenção para o que acontece nos 33 metros quadrados que a loja ocupa. Ali fazem-se vassouras e escovas utilitárias, com pêlos das mais variadas origens: cabra, javali, crina e rabo-de-cavalo, cerda de porco… “O fabrico das escovas pode seguir diferentes técnicas, sendo a costura manual a mais distinta. Neste processo artesanal, as cerdas ou fibras são cuidadosamente costuradas na madeira após uma furação precisa, seguida de um refinamento final com o nosso óleo e a icónica cera Belomonte, cuja receita se mantém há gerações”, elabora Rui, representante da quarta geração do negócio de família.
Fragrância nacional na Claus
Quando Oprah Winfrey recomendou os sabonetes Claus Porto no segmento Oprah’s Favorite Things, em 2007, os icónicos aromas elaborados na Invicta ganharam projeção internacional. Os sabonetes tornaram-se objeto de desejo e símbolo do país que há muito celebrava fragrâncias da marca “muito conhecida pelos perfumes como a Água de Colónia e pela icónica coleção de cuidados masculinos Musgo Real, criada em 1936”, detalha Maria João Nogueira Mendes, responsável pela comunicação da marca centenária. Mas o aroma favorito é o Banho da coleção Deco, “um bestseller que acabou por ser escolhido como o aroma da linha de amenities para hotelaria”. Elaborados desde 1887 no Porto, e já pela quarta geração da mesma família, os sabonetes Claus Porto, revestidos por embalagens de design inconfundível, ainda são embrulhados à mão. Na Flagship Store Claus Porto (tel. 914290359) localizada na rua das Flores, no Porto, desperta-se o olfato e o olhar, percorre-se a história da empresa, e descobrem-se as técnicas por detrás da criação dos emblemáticos sabonetes durante a “mini fábrica de sabonetes”, um workshop de duas horas que replica a linha de produção original, onde se produzem de forma artesanal.
Glamour da “Bélle Époque” no Majestic
No dia de 1922 em que inaugurou o café Majestic (tel. 222003887), pela mão de nove sócios que queriam instalar no Porto um café capaz de rivalizar com espaços em Paris e Londres, a cidade estava em festa: celebrava Gago Coutinho e Sacadura Cabral que chegavam à Invicta depois de terem concretizado a primeira travessia aérea entre Lisboa e o Rio de Janeiro. A informação foi encontrada por Fernando Barrias nos três jornais diários do Porto de então. Alojados no Grande Hotel do Porto, os dois aviadores foram convidados para a festa de inauguração. O mítico café, então considerado o mais bonito da Península Ibérica, viveu, nos últimos mais de 100 anos, várias vidas. Quando o pai, Agostinho Barrias, cedo emigrado para o Brasil e apaixonado por cafés com história, o adquiriu nos anos 80, pouco depois de fazer seu outro espaço emblemático, o Café Guarany, o avançado estado de degradação facilitou o negócio, já que “ninguém o queria”, conta Fernando. Recuperado ao detalhe a partir de negativos antigos que mostravam o esplendor dos primeiros tempos, é hoje “um espaço cheio de histórias”, emblema da cidade e ponto de paragem obrigatória. Café de saco e a famosa rabanada crocante, encimada por creme de ovos, frutos secos e canela, são imperativos numa visita a este espaço que preserva o glamour da “Bélle Époque”, entre bancos aveludados, madeiras nobres, tetos de gesso decorado, espelhos em cristal flamengo, mármore e metal.
Romance e fantasia na Lello
Foi por um golpe de sorte que nasceu uma das mais belas livrarias do Mundo. Tudo começou em 1869, quando Ernesto Chardron abriu uma Livraria Internacional depois de ganhar a Lotaria. Depois da sua morte, o livreiro José Pinto de Sousa Lello comprou o extenso espólio que incluía um catálogo com mais de 600 páginas e edições de um grande número de livros dos melhores escritores portugueses e franceses. Só em 1906 se inicia um novo capítulo com a inauguração pelos irmãos Lello, do atual edifício, projetado por Francisco Xavier Esteves. Sérgio Sousa trabalha na livraria desde 2015, antes do restauro que lhe devolveu o esplendor original, terminado em 2018. Entre os episódios mais emblemáticos lembra clientes que sonhavam conhecer a Lello (tel. 222002037) e se emocionam ao transpor a entrada, “vários pedidos de casamento, e “renovações de votos”. “Até agora toda a gente disse sim”, garante. Woody Allen ou Harrison Ford contam-se entre os milhares de visitantes que obrigaram a mudar o sistema de acesso: hoje “ninguém espera mais de 15 minutos”, assegura. Além disso, o valor do bilhete é descontado na compra de um livro. Com dois pisos, separados por uma escadaria vermelha, e iluminados por um colorido vitral, o espaço impressiona. Mas a beleza amplia-se ao que não está à vista: a sala Gemma, sujeita a acesso especial, guarda tesouros como a primeira edição inglesa de Os Lusíadas, de 1655 – o livro mais caro à venda, por €20 mil -, ou uma obra dos primórdios da tipografia, datada de 1471, além de muitas primeiras edições. Uma sala dedicada ao Nobel da Literatura português, José Saramago, e outra ao Principezinho, guardam edições em nome próprio e nos mais variados idiomas que revelam ao mundo um pouco do que é ser português.