Nem a sirene da vizinha estação ferroviária de Tavira desvia o chef João Viegas do foco. À vontade na coordenação da cozinha aberta, dá indicações, concentra-se nos empratamentos e no acerto de temperos. De vez em quando, abre o sorriso para os clientes, vem à mesa explicar um prato ou ver se está tudo bem. O restaurante Mesa Farta abriu no final de 2024, mas, com o comando de João Viegas e o auxílio de uma equipa empenhada, parece ter apanhado o comboio do sucesso.
Reaproveitando um antigo armazém de arrumos e casa de ferragens, o Mesa Farta é o primeiro projeto em nome próprio de João Viegas, nascido precisamente em Tavira. Regressa depois de 20 anos de carreira e passagens por restaurantes como A Ver Tavira, Eleven, São Gabriel, Check-In by Leonel Pereira, Atlântico (Vila Vita Parc), Central Restaurante (Peru), Viajante (Londres), El Celler de Can Roca e Mugaritz (Espanha). Em 2015, foi distinguido com o título de Chefe Cozinheiro do Ano.
A cozinha abre-se para uma sala confortável e decorada com simplicidade, sobressaindo a tijoleira de Santa Catarina nas frentes de balcão da cozinha e do bar e os desenhos de peixes à entrada, aludindo à paixão do chef algarvio pelo mar e à tradição piscatória da região. Há ainda uma segunda sala de refeições, mais pequena, e uma esplanada. O Mesa Farta serve apenas ao jantar e promove a fartura “em pratos e copos cheios, em conversas insaciáveis”.
Esta gastronomia tem raízes nacionais e algarvias. Assenta na “tradição entre o mar e a serra”, à luz da técnica moderna. “Quero muito que as bases portuguesas estejam presentes na minha gastronomia”, afirma João Viegas. A ementa é curta e de estação, facilitando a mudança regular de pratos, e a carta de bebidas diversificada, com vinhos de várias regiões e estilos. Na última visita da equipa Boa Cama Boa Mesa, a experiência começou com o pão de massa-mãe e fermentação natural, a flor de sal de Castro Marim, azeite e um creme de azeitonas verdes com cebolinho.
Receitas típicas com toque inovador
Seguiram-se várias referências típicas, trabalhadas e apresentadas com toque inovador. Foi o caso da “Ostra de escabeche” (quatro unidades, €10,50) com pickle caseiro de cenoura e óleo de pepino. O “Carapau alimado” (€10,50), petisco muito apreciado no Algarve, serve sem espinha e com maionese de limão preservado, pickle de cebola roxa e ovas de arenque, enquanto a interessante “Cavala braseada” (€11) inclui amêndoa e texturas de pepino. O “Rissol de polvo” (€8,50) remete para a captura desta proteína em locais como Santa Luzia, e para a tradição de secagem das suas ovas pelos pescadores. Aqui, as ovas são braseadas, temperadas com sal e pimenta e raladas sobre o rissol. Foi também servida uma saborosa “Patanisca” de biqueirão em vinagre com pimento assado.
O vegetariano “À Brás de salicórnias” (€16,50) com ovo biológico abriu caminho à “Pesca do dia” (€23) fornecida pela lota, neste caso um pampo guarnecido com batatas, molho de caldeirada, rabanetes e beurre blanc. Outras sugestões principais são a “Corvina” com alcaparras, a “Lula da costa” com alho frito e coentros, o “Cachaço de porco ibérico”.
Para partilhar tem a “Massinha de peixe à algarvia” com coentros e limão (€40,50), o “Arroz de polvo” com ova de polvo assada (€38,50), uma “Açorda com camarão vermelho de Vila Real de Santo António” e o arroz de pato. Entre as opções doceiras de aconchego no restaurante Mesa Farta (Rua de Santo Estevão, 2, Tavira. Tel. 281416371), destaque para o “Arroz doce” acompanhado de gelado de fava tonka e suspiro e, sobretudo, os “Citrinos do Algarve” (€6,50) com uma base de torta de laranja, creme de chá verde dos Açores, gel de limão e calda de yuzu e laranja.
