
Entre a ânsia por validação digital e a procura por relações autênticas, os millennials vivem um paradoxo comunicacional. Segundo o mais recente estudo global da Kaspersky, Reality Check, esta geração — nascida entre os anos 80 e meados dos 90 — está cada vez mais inclinada a partilhar os seus marcos pessoais nas redes sociais antes mesmo de os comunicar a familiares ou amigos próximos. Uma tendência que revela não apenas uma mudança na forma como se relacionam, mas também na maneira como se veem.
Quase metade dos inquiridos (45%) admite recorrer em primeiro lugar às plataformas digitais para anunciar eventos como promoções, mudanças de casa ou separações. Um número significativo que espelha o poder crescente das redes sociais enquanto canal de autoexpressão e fonte de aprovação emocional. No entanto, o mesmo estudo assinala um contraponto relevante: 55% dos millennials continuam a considerar mais fácil desenvolver relações significativas através de interações presenciais.
A lógica da validação em tempo real
“A necessidade de ligação e validação é profundamente humana. Mas os smartphones transformaram-na numa dinâmica constante e, por vezes, viciante”, sublinha Ruth Guest, ciberpsicóloga e fundadora do jogo de segurança digital Sersha. Para muitos millennials, as redes sociais tornaram-se o espelho onde buscam confirmação — com gostos, comentários e partilhas a funcionarem como termómetro do seu valor social.
Esta procura incessante por reconhecimento imediato é ainda mais acentuada pela natureza altamente curada das publicações nas redes. “A maioria apresenta versões idealizadas de si próprios. O problema é que, ao fazê-lo, distanciamo-nos da realidade humana, que é complexa, ambígua e, por vezes, desconfortável”, adverte Ruth Guest.
Apesar da omnipresença do digital, a relação dos millennials com as amizades não é unidimensional. O estudo da Kaspersky revela que, em média, esta geração mantém cerca de 12 relações presenciais próximas, face a oito relações significativas no plano digital. Um dado que reforça a ideia de que, embora o online facilite o contacto e proporcione uma sensação imediata de pertença, as interações físicas continuam a ser o espaço privilegiado para a construção de confiança e empatia genuínas.
“Não há substituto para os sinais não-verbais, para o silêncio partilhado ou para a nuance do olhar”, nota um dos autores do estudo. “Mesmo entre os mais digitais, a presença continua a ser insubstituível.”
Riscos digitais: da exposição pessoal à cibersegurança familiar
O conforto crescente com a partilha online de detalhes íntimos traz consigo riscos que vão para além da esfera pessoal. Cerca de 47% dos millennials sente-se à vontade para divulgar informação sensível nas redes, o que os torna alvos vulneráveis para cibercriminosos. Segundo Marc Rivero, Investigador Principal da Equipa de Investigação e Análise Global (GReAT) da Kaspersky, este comportamento “pode abrir portas ao roubo de identidade, ataques de phishing e vigilância não autorizada”.
A pegada digital, cada vez mais profunda e permanente, transforma os millennials em protagonistas — e simultaneamente em vítimas — da nova era da cibersegurança. E não apenas no plano individual. O estudo revela que 91% já ajudaram familiares na gestão da sua presença digital, assumindo, na prática, o papel de administradores de sistemas dentro do agregado familiar.
É um novo tipo de liderança doméstica: invisível, técnica e muitas vezes solitária. “Esta geração não está apenas a proteger a sua privacidade; está a defender a da sua família inteira”, conclui Marc Rivero.oa millennial está presa entre dois mundos: um onde a validação é instantânea, mas superficial, e outro onde as relações são mais autênticas, mas exigem tempo e vulnerabilidade. A sua jornada revela muito sobre o impacto das tecnologias na forma como nos ligamos, comunicamos e, sobretudo, como nos vemos — e queremos ser vistos.
Num tempo em que os algoritmos moldam o comportamento social, a lição que os millennials parecem lentamente a redescobrir é simples: nem tudo o que é real precisa de ser publicado, e nem tudo o que é publicado é, de facto, real.