
O novo Governo ainda mal tomou posse e já se adensam os sinais de inquietação no setor da comunicação social regional — esse território esquecido das políticas públicas, tantas vezes lembrado apenas em época de campanha.
O anterior executivo, que tinha em Pedro Duarte (então Secretário de Estado da Comunicação Social) e Pedro Abreu Amorim (agora promovido a Ministro dos Assuntos Parlamentares) dois interlocutores empenhados, abriu um canal de diálogo com o setor. Foi possível discutir e aprovar, em Conselho de Ministros, medidas que, ainda que insuficientes, representavam um avanço histórico no apoio ao jornalismo de proximidade, particularmente aos órgãos regionais, há décadas a viver do que sobra das sobras. A queda do Governo congelou quase tudo. Quase tudo, repita-se, porque os apoios aos grupos de media nacionais — a famosa “mama” da RTP e os subsídios às assinaturas digitais dos grandes jornais — esses passaram incólumes, como se intocáveis fossem. A proteção do sistema mediático central continua garantida. Já os regionais que se amanhem.
Perante isto, é legítimo perguntar: onde pára o novo plano estratégico para o setor? Será arquivado, como tantas outras promessas? Tudo indica que sim.
Leitão Amaro, agora Ministro com tutela da comunicação social, é um nome que inspira alguma confiança. Demonstra preparação, sobriedade e sentido de Estado. Mas quem será o novo Secretário de Estado da Comunicação Social, João Valle e Azevedo? (Felizmente, sem parentesco com o ex-presidente do Benfica.) A verdade é que, ao olhar para o seu percurso, não encontramos qualquer especialização, experiência ou sequer envolvimento substantivo com o setor dos media. A pergunta impõe-se: que legitimidade técnica ou intelectual tem alguém sem qualquer historial na área para liderar um dos setores mais sensíveis da democracia?
Valle e Azevedo é um produto típico da máquina partidária. Subiu a pulso — não pela competência no setor em causa, mas pela fidelidade ao aparelho. Passou pelas comissões políticas, pelas juventudes partidárias e, por fim, chegou à Assembleia da República, com ascensão meteórica a vice-presidente do grupo parlamentar do PSD. Agora, é-lhe confiada uma pasta que exige conhecimento profundo, diálogo com profissionais, e, acima de tudo, visão estratégica. Receio que falte tudo isso.
Os sinais são preocupantes. A ausência de um plano de apoio claro à imprensa regional, o silêncio perante os compromissos assumidos pelo Governo anterior e a nomeação de um responsável político sem ligação real ao setor, deixam adivinhar tempos difíceis. Mais uma legislatura de promessas por cumprir, reuniões inconsequentes e uma crescente marginalização dos órgãos de comunicação que estão mais próximos das populações e que, muitas vezes, são os únicos a garantir pluralismo e informação local.
Enquanto os grandes grupos continuam a recolher a fatia de leão dos apoios públicos e da publicidade institucional — com a complacência dos partidos do arco do poder —, os regionais sobrevivem com o que sobra. Literalmente. Em muitos casos, com apoios de câmaras e juntas que preferem financiar os grandes jornais nacionais, em vez de apostar na sua imprensa local. Tudo isto com o dinheiro dos contribuintes locais.
Também os próprios órgãos de comunicação social regionais têm culpas no cartório. Durante demasiado tempo silenciaram, contemporizaram e aceitaram o papel de figurantes no palco mediático nacional. Por vezes, em nome da sobrevivência; outras, por excesso de deferência institucional. Mas o tempo de calar chegou ao fim. A dignidade do jornalismo de proximidade exige coragem. Exige que se denuncie a promiscuidade entre partidos e grandes grupos económicos da comunicação, que se exponha o compadrio institucional e se reclame justiça no acesso aos recursos públicos.
Porque quem trabalha com isenção, quem informa com independência e quem serve as suas comunidades locais, merece mais do que migalhas. Merece respeito. E isso começa por ser ouvido — e considerado.