Emails revelam clima de conflito, alegações de heresia e denúncias de manipulação associativa no seio da Confraria Ibérica do Tejo

Um conjunto de emails internos, a que o nosso jornal teve acesso, revela um cenário de forte tensão e divisão no seio da Confraria Ibérica do Tejo (CIT), entidade responsável pela organização do Cruzeiro Religioso e Cultural do Tejo. As mensagens trocadas entre membros da direção e associados, entre maio e agosto de 2024, expõem acusações graves de sabotagem interna, uso indevido de simbologia religiosa e manipulação de processos associativos.

Uma “ofensiva maldosa” e o risco de colapso

João Serrano, então presidente da CIT, descreve nos emails o que considera uma “ofensiva maldosa” conduzida por elementos ligados a associações ribeirinhas rivais. As acusações recaem sobre um conjunto de figuras que, segundo Serrano, estão a promover festivais e projetos educativos paralelos, com o objetivo de dividir os organizadores do Cruzeiro e minar o seu prestígio.

“Estão agora a fazer (ao fim de 10 anos de Cruzeiro) o que já fizeram com a candidatura avieira (…). Ou assumimos que existe uma ofensiva maldosa contra o Cruzeiro (…) ou contribuímos indirectamente para dar força às forças que querem destruir o que de muito bom temos feito!”, escreve Serrano.

A controvérsia da “Nossa Senhora dos Avieiros”

O surgimento de um festival dedicado a uma suposta “Nossa Senhora dos Avieiros” gerou forte repúdio entre os membros da direção da CIT. A entidade considera que a invocação não tem base canónica e constitui uma falsificação simbólica com propósitos divisionistas. Sugere-se mesmo a intervenção da Stella Maris – Portugal e do Cardeal Patriarca de Lisboa, para denunciar o que descrevem como “heresia” e “instrumentalização da fé”.

“A Stella Maris tem de ser alertada para esta maldade e desonestidade.”

Acusações pessoais e clima de perseguição

A linguagem usada nos emails revela um clima de alta tensão. Ana da Silva, identificada como uma das promotoras do projeto educativo alternativo, é acusada de oportunismo e de “cadastro”, sendo ainda referida como alegada promotora de “maçonaria feminina”.

“Uma destas pessoas tem cadastro, vai à missa mas anda a recrutar para a maçonaria feminina (…). Católica e maçónica?”

Estas expressões, de cariz pessoal e altamente polémicas, agravam o clima de fratura interna e levantam dúvidas sobre a estabilidade da estrutura associativa.

Sugestão de intervenção eclesiástica

Num dos emails, Armindo Leite propõe a elaboração de um relatório para o Cardeal Patriarca, com o objetivo de “chamar à ordem” certos padres que alegadamente legitimaram estas práticas e que estariam a afastar a Igreja da participação oficial no Cruzeiro.

“Que seja a última vez que determinados padres tenham esta postura com a própria Igreja.”

Fragmentação e futuro incerto

A existência de iniciativas concorrentes, a utilização de elementos religiosos fora do contexto da romaria, e os ataques pessoais entre membros vão deixando marcas profundas na estrutura da CIT. Com a recente realização das eleições de abril de 2025, e apesar da nomeação formal de um novo presidente, várias das figuras anteriormente contestadas mantêm-se ativas na estrutura, perpetuando tensões internas não resolvidas.

O processo eleitoral foi alvo de severas críticas desde o seu anúncio, com associados a denunciarem a falta de divulgação prévia, a ausência de documentos preparatórios acessíveis e a violação de normas estatutárias. Poucos dias após a tomada de posse, vários elementos propostos e eleitos apresentaram a sua demissão, denunciando ilegalidades e falta de legitimidade da assembleia. A nova direção, longe de pacificar o ambiente, enfrenta agora pedidos formais de reavaliação do processo, estando já em curso impugnações junto das autoridades competentes.

Adicionalmente, o relatório de contas de 2024 levantou sérias dúvidas quanto à utilização dos fundos públicos atribuídos à CIT. Dos 28.039,85€ recebidos, mais de 90% provêm de autarquias e entidades estatais, mas o documento não apresenta discriminação técnica sobre despesas fundamentais à realização fluvial do Cruzeiro, como aluguer de embarcações, logística náutica ou segurança marítima. Em contrapartida, foram identificadas rubricas com valores elevados em combustível, consumíveis e produção de materiais paralelos, como o catálogo “Tejo Acima”.

Para muitos membros das comunidades ribeirinhas e representantes autárquicos, a situação configura um possível desvio de finalidade nos apoios recebidos e exige esclarecimentos urgentes, sob pena de corte nos financiamentos futuros.

O nosso jornal contactou novamente a direção da CIT solicitando esclarecimentos sobre o processo eleitoral, as demissões e a execução dos fundos públicos. Até ao fecho desta edição, não foi prestada qualquer resposta.

Este é um caso em constante evolução, com implicações significativas para a credibilidade do projeto e a preservação da identidade cultural ribeirinha. Continuaremos a acompanhar de forma rigorosa todos os desenvolvimentos.