
O mesmo ódio que matou Alcindo Monteiro há 30 anos voltou a atacar em Lisboa. João Martins, um dos principais condenados pelo brutal homicídio do jovem luso-caboverdiano em 1995, foi identificado entre os elementos da extrema-direita que agrediram violentamente o ator Adérito Lopes, no passado dia 10 de junho, em frente ao teatro ‘A Barraca’, em Santos. A confirmação chega numa altura em que o país assinalava precisamente as três décadas do crime que abalou Portugal e revelou o lado mais negro do racismo nacional.
João Martins, hoje com 50 anos, foi condenado a 17 anos e seis meses de prisão pelo assassinato de Alcindo Monteiro, espancado até à morte na Rua Garrett, em plena baixa lisboeta. Cumpriu apenas nove anos e quatro meses de reclusão, mas nunca se afastou verdadeiramente da cena nacionalista.
Segundo testemunhos recolhidos pela revista ‘Sábado’, o ex-‘skinhead’ esteve entre o grupo que, na noite do Dia de Portugal, atacou o elenco da peça “Amor é um fogo que arde sem se ver”, em exibição no icónico teatro da capital. O ator Adérito Lopes sofreu ferimentos graves no rosto provocados por uma soqueira e teve de receber vários pontos, tendo já tido alta hospitalar.
Outro nome citado no ataque foi o de Nuno Themudo, também condenado pelo homicídio de Alcindo, embora não apareça nas imagens conhecidas. Ambos estiveram, ao longo da última década, associados a círculos de ideologia neonazi e supremacista.
O regresso da extrema-direita violenta
Apesar do tempo passado, João Martins manteve-se ativo nos bastidores da extrema-direita nacional. É apontado pelas forças de segurança como um dos nomes mais influentes do movimento identitário em Portugal. Licenciado em História, com perfil discreto e postura intelectual, Martins é autor de artigos publicados no jornal ‘O Diabo’ e colaborador de espaços digitais ligados ao nacionalismo radical.
Traduziu para português a obra “Geração Identitária”, descrita como a “bíblia” do movimento que luta contra a imigração em massa na Europa. Foi também candidato pelo partido Ergue-te nas eleições legislativas de 2024.
Atualmente reside em Sintra, onde é empresário na área do comércio de vestuário e tatuagens, com ligações a marcas conotadas com ideologias extremistas. As autoridades identificam-no como uma das figuras centrais do ressurgimento de grupos organizados, como o ‘Blood & Honour’, que têm estado sob vigilância do Serviço de Informações de Segurança (SIS) e da Polícia Judiciária.
De Belém para Santos: dia de provocações e violência
Na manhã do ataque a Adérito Lopes, o grupo de extrema-direita realizou uma homenagem privada em Belém a antigos militares portugueses, seguida de um almoço que, segundo fonte policial, terá servido de ponto de encontro e mobilização para a ação violenta da noite.
À semelhança do que aconteceu na noite de 10 de junho de 1995, os agressores dispersaram pela cidade e acabaram por escolher o teatro ‘A Barraca’ como alvo, pela sua ligação histórica à luta cultural e pela diversidade do elenco.
O ataque ao ator, que sofreu lesões na face e num dos olhos, gerou uma onda de indignação pública e política, tendo motivado o cancelamento da última sessão da peça em exibição. A PSP deteve um dos elementos envolvidos na agressão.
João Martins nega envolvimento
O Correio da Manhã avança ter recebido declarações de João Martins, o antigo condenado considera que é vítima de um “linchamento público” e nega qualquer ligação ao grupo agressor. Este recusa ter estado envolvido nesta agressão
O caso é acompanhado pelas autoridades judiciais, sendo já considerada a abertura de um novo inquérito, tendo em conta os antecedentes criminais e o padrão de reincidência violenta por parte de alguns dos envolvidos.
30 anos depois, o mesmo ódio
A agressão a Adérito Lopes reacendeu o debate nacional sobre a impunidade, a radicalização e o racismo estrutural em Portugal. Num país que ainda chora a memória de Alcindo Monteiro, o ataque protagonizado por elementos ligados ao mesmo grupo criminoso representa uma ferida aberta na democracia.
O Estado, a Justiça e a sociedade civil enfrentam agora um novo teste: impedir que os fantasmas do passado se tornem os agressores do presente.