
Um nome sombrio do passado regressou esta semana à ribalta da violência em Portugal. João Martins, condenado a 17 anos de prisão pelo brutal assassinato de Alcindo Monteiro em 1995, foi identificado como um dos elementos do grupo de extrema-direita que atacou o ator Adérito Lopes, na passada terça-feira, junto ao teatro ‘A Barraca’, em Lisboa.
A ligação direta entre o crime racial que marcou uma geração e o recente ataque xenófobo em pleno Dia de Portugal lança uma inquietante sombra sobre a crescente reorganização dos movimentos de ódio em solo nacional. O Diário do Distrito apurou que o agressor, hoje com 50 anos, mantém-se ativo nos círculos nacionalistas, longe das ruas, mas presente em manifestações ideológicas e encontros planeados.
Martins, um dos dez condenados pelo espancamento até à morte de Alcindo Monteiro, protagonizou, segundo os autos, um dos momentos mais cruéis da noite de 10 de junho de 1995: “Com a vítima inanimada no chão, colocou um pé sobre a cabeça de Alcindo, erguendo os braços em sinal de triunfo”, descreve o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça. Cumpriu apenas nove anos e quatro meses de pena.
Nas duas décadas que se seguiram, o nome de João Martins manteve-se discreto, mas não ausente. Descrito pelos serviços de informação como um “intelectual” da extrema-direita, licenciado em História, fluente e influente, liderou silenciosamente iniciativas nacionalistas e colaborou com meios ligados à mesma ideologia. É proprietário de uma loja de tatuagens no Cacém, uma marca de roupa e colabora com o jornal ‘O Diabo’. Em 2024, surgiu nas listas do partido Ergue-te às eleições legislativas.
No passado dia 10 de junho, data simbólica dos 30 anos da morte de Alcindo Monteiro, João Martins foi um dos participantes num encontro nacionalista realizado em Belém, que culminou com agressões violentas em Lisboa. A manhã começou com uma homenagem a antigos militares portugueses, seguiu-se um almoço reservado e, mais tarde, o grupo envolveu-se no ataque ao elenco da peça da companhia ‘A Barraca’, na zona de Santos.
Fontes policiais confirmaram que entre os participantes estavam militantes com ligações a movimentos como o internacional ‘Blood & Honour’, reconhecido pelas suas práticas violentas. A Polícia Judiciária investiga os factos, tendo já estabelecido conexões entre os elementos do grupo e outros incidentes registados em datas simbólicas.
A vítima, o ator Adérito Lopes, foi agredido no rosto, o que terá causado ferimentos com impacto direto na sua atividade profissional. O ataque foi descrito como cobarde e motivado por ódio racial, evocando memórias amargas da década de 90 e revelando que os fantasmas do passado continuam a caminhar entre nós.
A repetição trágica de padrões de violência racial num país que se orgulha da sua história de integração e tolerância levanta questões urgentes sobre a eficácia do combate à radicalização e à propagação de discursos de ódio em Portugal.