As eleições legislativas de 18 de maio de 2025 deixaram uma marca particularmente expressiva nos distritos do interior de Portugal. Beja, Évora, Portalegre e Castelo Branco — historicamente associados à estabilidade eleitoral e, em muitos casos, à hegemonia da esquerda — tornaram-se agora palco de um realinhamento político cuja leitura exige frieza analítica e um afastamento de preconceitos ideológicos.

Em primeiro lugar, o dado incontornável: o Chega foi o partido mais votado em três dos quatro distritos mencionados — Beja, Évora e Portalegre —, e conquistou mandatos em todos. Em Beja, venceu pela primeira vez, retirando à esquerda um domínio histórico. Em Portalegre, alcançou o topo com cerca de 30% dos votos. E em Évora, apesar de não ter vencido, ficou a escassos votos do PS, superando a Aliança Democrática (AD). A capacidade do partido de André Ventura para captar eleitorado em territórios envelhecidos, despovoados e economicamente deprimidos não pode ser subestimada.

Este fenómeno não é apenas protesto. É consequência. Consequência de décadas de governação centralizada, de políticas públicas que ignoraram as dinâmicas locais, e de uma desertificação que não é só demográfica — é também institucional, simbólica e emocional. O eleitorado rural está a dizer, com clareza, que deixou de confiar nas promessas tradicionais. Que está disposto a correr riscos. E que não tolera mais o desprezo silencioso do poder político.

No caso da Aliança Democrática, os resultados são ambivalentes. Consegue a vitória no distrito de Castelo Branco, onde elege dois deputados, e regista uma boa votação em Évora e Portalegre, sendo a força mais votada na cidade capital de ambos os distritos. No entanto, não consegue transformar essa expressão urbana em mandatos em Évora ou Portalegre. Isso revela um problema estrutural: falta de enraizamento fora das sedes concelhias, onde a abstenção e o voto emocional jogam a favor dos extremos.

O PS, por seu turno, apesar da quebra nacional, conseguiu manter representação nos quatro distritos analisados. No entanto, essa resiliência está cada vez mais ancorada em redutos locais e figuras com forte notoriedade pessoal, não em dinâmicas partidárias estruturadas. Os socialistas mantêm um núcleo duro, mas o desgaste é visível. A perda da liderança em Beja e Portalegre — antigos bastiões — não é simbólica: é estrutural.

Por fim, vale sublinhar o traço transversal desta eleição no interior: a fragmentação. Com raras exceções, os mandatos foram distribuídos por partidos diferentes. Em Beja, PS, Chega e AD elegem um deputado cada. Em Évora, Chega e PS dividem os dois lugares. Em Castelo Branco, AD, PS e Chega repartem os quatro lugares de forma quase equitativa. Em Portalegre, Chega e PS ficam com um mandato cada. Esta dispersão revela não apenas pluralismo, mas também uma instabilidade que exigirá, daqui em diante, uma nova cultura política: mais diálogo, mais compromisso e menos arrogância partidária.

O interior do país está a mudar. Não apenas porque vota diferente, mas porque exige ser ouvido. Os partidos que ignorarem esta realidade continuarão a perder espaço — e legitimidade. É tempo de deixar de tratar o Alentejo e a Beira Interior como reservas eleitorais previsíveis. O voto tornou-se volátil, sim, mas também mais lúcido. E isso, no fundo, é uma excelente notícia para a democracia.