Esta sexta-feira, 16 de maio, assinala-se o Dia Mundial de Sensibilização para o Angioedema Hereditário (AEH), uma doença genética rara que, devido ao inchaço subcutâneo repentino nas vias aéreas, pode mesmo levar à morte por asfixia.

A vida do doente com AEH é fortemente condicionada pelas crises dolorosas e repentinas, mas também pela imprevisibilidade das mesmas.

De acordo com o investigador Aleena Banerji, estima-se que os doentes com AEH percam entre 20 a 100 dias de atividades sociais por ano, com a maioria a reportar o comprometimento do trabalho e a progressão de carreira, assim como o prejuízo do desempenho escolar entre os doentes mais jovens.

Tratando-se de uma doença ainda pouco conhecida, o Lifestyle ao Minuto entrevistou Amélia Spínola Santos, imunoalergologista no Hospital de Santa Maria, coordenadora da Unidade de Angioedema Hereditário no Angioedema Centers of Reference and Excellence (ACARE) e assistente convidada da Clínica Universitária de Imunoalerglogia na Faculdade de Medicina de Lisboa.


© Amélia Spínola Santos

O que é o Angioedema Hereditário?

O Angioedema Hereditário (AEH) é uma doença hereditária rara que se caracteriza, maioritariamente, pela deficiência de uma enzima designada C1 inibidor esterase. Afeta cerca de uma em cada 50 mil pessoas e, em Portugal, afetará mais de 200 a 300 pessoas.

Define-se por episódios recorrentes de edema assimétrico, doloroso, que não provoca coceira, e que tipicamente atinge a pele da face, genitais e extremidades, mucosa gastrintestinal e mucosa das vias aéreas superiores, incluindo a da laringe, com risco de morte por asfixia (edema da glote).

O AEH classifica-se em Tipo 1 quando a enzima C1 inibidor esterase é produzida em menor quantidade, ou Tipo 2, quando esta enzima é produzida, mas não funciona. Existe ainda, de forma mais rara, o angioedema hereditário em que não se demonstra alteração desta enzima, designado de AEH com complemento normal (C1 inibidor esterase normal), outrora referida como AEH Tipo 3.

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Existe mais do que um tipo de angioedema? Se sim, quais e quais são as diferenças entre eles?

Existem vários tipos de angioedema. Na prática clínica, os mais frequentes são os mediados por histamina (substância química natural do corpo), nos quais se incluem as reações alérgicas a alimentos, medicamentos e às picadas de venenos das abelhas/vespas. Estes angioedemas surgem acompanhados por babas/pápulas com comichão e cedem à terapêutica habitual para as reações alérgicas.

Existem outros tipos de angioedema mediados por bradicinina (hormona). Tal como o AEH, caracterizam-se pelo angioedema sem babas ou comichão, e não respondem à terapêutica antialérgica. Estes angioedemas estão associados à utilização de determinados medicamentos para o tratamento da hipertensão arterial, diabetes tipo 2 ou à presença de doenças linfoproliferativas ou autoimunes. Os angioedemas dos quais não se conhecem as causas são designados idiopáticos.

Quais são as causas para o Angioedema Hereditário?

O AEH, na maioria das vezes, deve-se a mutações dos genes responsáveis pela síntese da C1 inibidor esterase levando deficiência de ação desta enzima. Esta deficiência promove o aumento do mediador bradicinina que condiciona a saída de líquido do interior dos vasos para o seu exterior e que leva ao aparecimento do edema localizado.

Estas manifestações clínicas podem ser subjetivas, como cansaço intenso, ansiedade e dor/desconforto no local onde irá surgir o angioedema

A que sinais primários se deve estar atento?

Alguns doentes podem ter pródromos, isto é, manifestações clínicas que podem surgir antes da instalação da crise de angioedema. Estas manifestações clínicas podem ser subjetivas, como cansaço intenso, ansiedade e dor/desconforto no local onde irá surgir o angioedema, ou objetivas, como eritema marginatum (erupção cutânea que se manifesta como manchas avermelhadas com centro claro e bordas irregulares) que pode ser localizado ou generalizado.

Como é feito o diagnóstico?

O diagnóstico é feito com base na sintomatologia, análises laboratoriais e, eventualmente, estudo genético. Este último, é o único método de diagnóstico que serve para confirmar o angioedema com complemento normal, caso não existam alterações nas análises do complemento.

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Quais são os principais sintomas?

As manifestações clínicas dependem dos órgãos/tecidos afetados em cada crise de angioedema:

  • Pele: Edema desfigurante, doloroso que afeta sobretudo a face, genitais, mãos e pés, com duração variável (até 96 horas), que frequentemente origina incapacidade funcional;
  • Mucosa das vias aéreas: O edema da língua, rouquidão, aperto laríngeo com dificuldade respiratória que pode culminar em asfixia por edema da glote;
  • Mucosa gastrintestinal: O edema evolui com dor abdominal intensa, vómitos e/ou diarreia que pode simular abdómen agudo, levando a cirurgias desnecessárias.

Sintoma de Angioedema Hereditário© Shutterstock

Que cuidados devem ter estes doentes?

Os doentes devem manter seguimento em consulta diferenciada de Angioedema Hereditário e devem ser portadores de cartão de Angioedema Hereditário assim com de Cartão de Doença Rara. Perante qualquer tipo de atendimento médico ou cirúrgico devem informar e mostrar estes cartões. Devem evitar fatores desencadeantes, cumprir a sua terapêutica de acordo com o preconizado para a sua situação clínica e registar na agenda do AEH os questionários de controlo, atividade e qualidade de vida.

Existem fases do ciclo da vida que são mais críticas, como a puberdade, a gravidez, a amamentação e na presença dos fatores desencadeantes

O Angioedema Hereditário afeta algum grupo específico de pessoas?

Afeta ambos os sexos, desde a infância até à vida adulta. As manifestações, habitualmente, iniciam-se na pré-puberdade/puberdade, mas podem surgir apenas na vida adulta. Alguns doentes mantêm-se assintomáticos ao longo da vida, outros têm doença grave, com crises frequentes e graves. Existem fases do ciclo da vida que são mais críticas, como a puberdade, a gravidez, a amamentação e na presença dos fatores desencadeantes.

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Que situações/fatores podem desencadear uma crise?

As crises podem surgir de forma espontânea ou na sequência de fatores desencadeantes como: stress emocional, traumatismo, infeções, manipulações médico-cirúrgicas (extração/implante dentário, anestesia geral, endoscopias, otorrinolaringológicas e ginecológicas, entre outras). Também podem ser desencadeadas por medicamentos, como a pílula anticonceptiva e ainda alguns dos fármacos usados no tratamento da hipertensão arterial ou diabetes tipo 2.

Os tratamentos têm evoluído no sentido de usar fármacos específicos que são mais eficazes e mais seguros

Como é feito o tratamento destes doentes?

Os doentes com AEH têm de evitar os fatores desencadeantes e o seu tratamento é efetuado em três vertentes:

  • Tratamento das crises agudas: Idealmente o doente deve ser portador de terapêutica para autoadministração;
  • Prevenção de longa duração: Aconselhado de acordo com a situação clínica de cada doente em termos de número, frequência e gravidade das crises;
  • Prevenção de curta duração: Aconselhado antes de procedimentos médico-cirúrgicos, no sentido de prevenir o aparecimento de crise de angioedema.

De notar que os tratamentos têm evoluído no sentido de usar fármacos específicos que são mais eficazes e mais seguros.

O facto de ser doença hereditária tem um grande impacto na família, nomeadamente o sentimento de culpa pela transmissão da doença

De que forma é que esta doença impacta a vida dos doentes e da sua família?

O AEH é uma doença com impacto na qualidade de vida dos doentes devido a vários aspetos. As crises que envolvem as vias aéreas têm risco de morte por edema da glote e as crises abdominais também são frequentemente incapacitantes devido à dor intensa, vómitos e diarreia, e podem motivar cirurgias abdominais desnecessárias sobretudo em doentes não diagnosticados.

As crises cutâneas, além de desfigurantes, condicionam, muitas vezes, a impotência funcional que tem um grande impacto na qualidade de vida do doente, da sua família, assim como das suas atividades de lazer, profissionais e sociais.

O facto de ser doença hereditária tem um grande impacto na família, nomeadamente o sentimento de culpa pela transmissão da doença. No entanto 25% dos doentes não têm antecedentes familiares da doença.

Importante esclarecer também que, quem tem Angioedema Hereditário pode engravidar. Apenas tem de ter acompanhamento frequente e regular

Quais os principais mitos que existem em relação a esta doença?

É importante esclarecer alguns mitos. Por exemplo, o Angioedema Hereditário não é uma alergia, por isso as crises não devem ser tratadas com adrenalina, corticoides ou anti-histamínicos (antialérgicos). Tem indicação para tratamento com fármacos específicos da doença.

As crises não são desencadeadas pela ingestão de alimentos e, apesar de não ser uma alergia medicamentosa, as crises podem ser desencadeadas por medicamentos como referi há pouco.

Importante esclarecer também que, quem tem Angioedema Hereditário pode engravidar. Apenas tem de ter acompanhamento frequente e regular. Além disso, são recomendadas terapêuticas eficazes e seguras de acordo com a situação clínica.

Se precocemente diagnosticada e adequadamente tratada, pode obter-se o controlo da doença, permitindo uma vida normal

O Angioedema Hereditário tem cura? É possível prevenir?

Não tem cura. Contudo, se precocemente diagnosticada e adequadamente tratada, pode obter-se o controlo da doença, permitindo uma vida normal.

Existe o risco de transmissão familiar e, por isso, está indicado o rastreio com avaliação laboratorial, eventualmente com estudo genético nas crianças a partir do primeiro ano de vida e em todos os familiares em 1.º grau, mesmo nos assintomáticos.

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