
A propósito do Festival de Cinema de Jerusalém, que começa hoje, o realizador português revelou na rede social Instagram que recusou o convite para apresentar o mais recente filme, 'O Riso e a Faca', no evento, e apelou a um boicote a Israel.
Na mensagem, Pedro Pinho justificou a decisão "por considerar que qualquer participação em eventos, programações, atividades que prolongam e promovem uma suposta normalidade da vida perante o genocídio em curso na Palestina se trataria da mais pura cumplicidade".
À agência Lusa, Pedro Pinho explicou que, depois de declinar o convite, recebeu uma carta do diretor do festival, mas que não foi suficiente para o demover da decisão.
"Aquele festival tem uma intervenção pública do Estado de Israel, financeira e não só. E portanto esse pedido do diretor do festival não foi suficiente. Não deixam de ser cúmplices do que se está a passar, sobretudo esta ideia de que a vida pode continuar com uma atrocidade daquelas ali a acontecer, parece-me um bocado difícil de engolir", disse.
Na mensagem partilhada no Instagram, Pedro Pinho deixou ainda um apelo, em conjunto com o Comité de Solidariedade com a Palestina, para que "realizadores, produtores, atrizes, atores, artistas não colaborem com nenhuma iniciativa cultural promovida ou com qualquer tipo de conexão com o Estado genocida de Israel".
Na semana passada, a direção do Festival de Cinema de Jerusalém divulgou um comunicado no qual reconhece o "momento de profunda dor e incerteza".
"A guerra e a violência em curso na nossa região causaram um sofrimento e uma perda incomensuráveis. Lamentamos todas as vidas perdidas e apelamos ao fim imediato de todos os atos de guerra e violência. Manifestamos também a nossa sincera esperança no regresso rápido e seguro de todos os reféns às suas famílias", afirma a direção do festival, citada pela publicação Deadline.
Pedro Pinho considera relevante falar publicamente sobre o que está a acontecer na Palestina e diz ter vergonha do posicionamento da Europa e de Portugal.
"É a sentença de morte do que se costumava ter como valor sobre direitos humanos. Isso está tudo a ser enterrado, espezinhado pela Europa. É a duplicidade de critérios, a colaboração direta, o envio de armas, a negação de solidariedade com pessoas que estão a ser mortas. Eu tenho vergonha", disse à Lusa.
'O Riso e a Faca' teve uma primeira exibição em maio na secção 'Un Certain Regard' do Festival de Cinema de Cannes, em França, valendo à atriz Cleo Diára um prémio de representação.
O filme segue a história de Sérgio, um engenheiro ambiental que viaja para "uma metrópole da África Ocidental", para trabalhar numa organização não-governamental e ajudar a decidir sobre a construção de uma estrada entre o deserto e a selva, lê-se na sinopse das produtoras Uma Pedra no Sapato e Terratreme Filmes.
Rodado na Mauritânia e na Guiné-Bissau, o filme aborda questões "sobre uma certa ideia da Europa, da forma como a Europa se relaciona historicamente com o resto do mundo, enquanto ideologia de superioridade moral, política, económica, filosófica que se impõe sobre as ideias, sobre colonialismo e formas que persistem para lá de toda a razoabilidade", elencou o realizador.
'O Riso e a Faca' já teve estreia comercial este mês em França e tem garantida exibição também em países como Brasil, Alemanha, Áustria, Espanha e Reino Unido. Em Portugal, a estreia será só no outono, em data a anunciar.
Pedro Pinho, que cofundou o coletivo de produção Terratreme Filmes, é autor de filmes como 'Bab Sebta', coassinado com Frederico Lobo, 'As cidades e as trocas', correalizado com Luísa Homem, e 'Fábrica de nada' (2017), que foi exibido naquele ano no Festival de Cinema de Jerusalém.
Fundado em 1984, o Festival de Cinema de Jerusalém começa hoje com o filme 'Sentimental Value', de Joachim Trier, e atribuirá prémios de carreira à atriz Gal Gadot e ao produtor Lawrence Bender.
A guerra em curso em Gaza foi desencadeada pelos ataques liderados pelo grupo islamita palestiniano Hamas a 07 de outubro de 2023, no sul de Israel, que causaram cerca de 1.200 mortos e mais de duas centenas de reféns.
A retaliação de Israel já provocou mais de 58 mil mortos, a destruição de quase todas as infraestruturas de Gaza e a deslocação forçada de centenas de milhares de pessoas.
De acordo com a Organização das Nações Unidas, nos últimos 21 meses de guerra, mais de 17.000 crianças foram mortas e 33.000 feridas no enclave palestiniano. Uma média de 28 crianças mortas por dia.
[Notícia atualizada às 14h01]