
Luanda enfrentou nesta Terça-feira, 29, o segundo dia consecutivo de violência, com supermercados como principais alvos de pilhagens – sobretudo em zonas como a Comarca, via que da acesso a Cacuaco, Zango e em algumas centralidades – num contexto de crescente tensão social.
Ao meio da manhã de hoje, na zona da Comarca, uma multidão tentou invadir um supermercado da cadeia Angomart, obrigando ao corte da estrada. A polícia foi chamada ao local e disparou tiros de aviso para dispersar a população, segundo a Lusa.
Relatos apontam para incidentes semelhantes em várias lojas de produtos alimentares noutros pontos da capital, acompanhados de tiros e confrontos. Vídeos amplamente partilhados nas redes sociais mostram ainda barricadas improvisadas com pneus em chamas e tentativas de invasão ao megacentro comercial Cidade da China, na zona da via expressa – Avenida Fidel Castro Ruz.
As autoridades confirmaram pelo menos quatro mortos – entre os quais um oficial da Polícia Nacional – e a detenção de 1.214 cidadãos envolvidos nos actos de vandalismo e pilhagem, desde o início dos tumultos. O clima de insegurança generalizada levou diversos estabelecimentos comerciais, bancos e instituições públicas a encerrar actividades, mantendo muitos trabalhadores em regime de teletrabalho à espera de um regresso à normalidade.
Os protestos têm origem na paralisação nacional convocada pelos taxistas para contestar o aumento do preço dos combustíveis, como consequência da retirada gradual dos subsídios aos combustíveis, que representavam cerca de 4% do PIB angolano em 2024. Apesar de, segundo as autoridades, a Associação Nacional dos Taxistas de Angola (ANATA) ter anunciado o cancelamento da greve após negociações com o Governo Provincial de Luanda, os protestos degeneraram rapidamente em actos de vandalismo.
Na segunda-feira, Luanda já havia sido palco de confrontos, pilhagens e bloqueios de vias, num clima que obrigou à intervenção policial. Hoje, a cidade permanece sob forte dispositivo de segurança, com a presença de militares e viaturas blindadas em pontos estratégicos.
A retirada dos subsídios aos combustíveis, medida considerada necessária pelo Governo para aliviar as contas públicas, está a ter um impacto imediato no custo de vida, num país que enfrenta uma inflação próxima dos 20%. O aumento dos preços tem alimentado um descontentamento social crescente, que agora ganha contornos de crise de ordem pública.

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Impacto económico e percepção externa
A retirada dos subsídios aos combustíveis – considerada uma das reformas estruturais mais duras do Executivo – está a provocar um aumento imediato do custo de vida. O país enfrenta já uma inflação próxima dos 20%, segundo o Banco Nacional de Angola (BNA), e analistas alertam que a instabilidade social pode agravar a perda de poder de compra e afectar o consumo privado, pilar do crescimento económico.
Empresários do sector retalhista, ouvidos pela FORBES ÁFRICA LUSÓFONA e que preferiram não ser identificados, reportam perdas significativas devido a pilhagens e ao encerramento forçado de lojas. O impacto é também sentido no sector financeiro. “A percepção de risco aumenta cada vez que a ordem pública é posta em causa”, comentou um gestor de risco de uma instituição financeira internacional com presença em Angola. “Num mercado já pressionado pela inflação e pela volatilidade cambial, isto afecta directamente a confiança dos investidores”, acrescentou.
Luanda ainda mantém-se sob forte dispositivo de segurança, com militares e viaturas blindadas em pontos estratégicos. Mas a leitura de curto prazo é negativa. Analistas internacionais temem que a instabilidade social comprometa a agenda de reformas económicas do Governo, essencial para cumprir metas com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e atrair investimento externo.
A pressão sobre as empresas é crescente. Muitos grupos empresariais avaliam rever planos de expansão, enquanto cadeias internacionais estudam reforçar a segurança dos activos em Angola. “O país não pode dar sinais de ingovernabilidade. O custo reputacional e económico seria enorme”, alerta um economista local.
Dados de mercado e impacto económico
A 04 de Julho de 2025, o preço do gasóleo saiu de 300 para 400 kwanzas por litro (cerca de 0,44 USD), um incremento de 33% numa mesma semana. Apesar de a gasolina permanecer nos 300 kwanzas/litro (cerca de 0,33 USD), o impacto no transporte colectivo foi severo: as tarifas de táxis e dos autocarros públicos subiram até 50%.
A taxa anual de inflação caiu levemente para 20,74% em Maio último, a mais baixa desde Dezembro de 2023, mas continua elevada e afecta o poder de compra da população. Embora não existam números oficiais consolidados, associações do sector retalhista estimam que as pilhagens e encerramentos temporários podem causar perdas até dezena de milhões de dólares.
Em entrevistas, responsáveis do sector afirmam que danos às lojas, rupturas de stock e insegurança reputacional vão motivar empresas internacionais a repensarem planos de expansão no país.
O aumento da criminalidade urbana e rupturas de ordem pública elevam os custos de segurança e reduzem a atração por capital externo, numa economia já pressionada por dívida externa superior a 9 mil milhões de dólares em 2025 e pela volatilidade cambial.
Luanda, e por arrasto o país, está em estado de alerta, entre o caos urbano e a urgência de estabilidade económica. O aumento abrupto do preço do gasóleo e a inflação persistente pressionam especialmente os segmentos mais vulneráveis e o comércio urbano.
Para o sector privado, o cenário exige revisão de operações e planos de expansão. Para o Governo, é o desafio de equilibrar ajustamento fiscal e coesão social. A confiança dos investidores poderá depender da capacidade do Executivo em restaurar a ordem sem adiar reformas críticas.