A Biond sucedeu à antiga CELPA e nasceu com o propósito de agregar as empresas que constituem a fileira da bioindústria florestal em território nacional. Nomes bem conhecidos do setor como a Altri, DS Smith, Renova e The Navigator Company constituem os membros da entidade. Em entrevista à Forbes Portugal, o diretor-geral da Biond, Gonçalo Almeida Simões, realça o papel da organização enquanto porta-voz do setor das bioindústrias de base florestal, que já representa, de acordo com o INE, cerca de 5% do PIB nacional e 10% das exportações portuguesas. Gonçalo Almeida Simões realça que a Biond, entre 2019-2025, já investiu 20 milhões de euros, beneficiando quase 100 mil hectares e 10 mil produtores florestais. Além do impacto económico, esta fileira assume-se como estratégica para a coesão territorial, já que tem uma forte presença em zonas do interior e rurais. Gonçalo Almeida Simões lembra que, através das empresas que a integram, são transferidos, por ano, cerca de 325 milhões de euros diretamente para a economia rural dos 18 distritos do continente, contribuindo para a fixação de populações, criação de emprego e desenvolvimento local.

Qual o papel da BIOND na representação das empresas da fileira da fibra e pasta florestal?

A Biond é um porta-voz do setor das bioindústrias de base florestal, que, de acordo com o INE, vale cerca de 5% do PIB nacional e 10% das exportações portuguesas. Só por estes valores, percebemos o papel central do setor, ao evidenciar a sua relevância, não apenas como motor económico, mas como um pilar estrutural da balança comercial do país. O nosso esforço junto de decisores empresariais e políticos visa demonstrar que a fileira do eucalipto tem sido responsável pela fixação de comunidades e criação de emprego e riqueza em zonas particularmente desfavorecidas, o que resulta num elevado impacto na coesão territorial. Para além da componente económica e social, também pugnamos por veicular uma visão mais abrangente, que demonstre a importância das florestas no contexto ambiental, ao sequestrar carbono da atmosfera e limitar os impactos das mudanças climáticas. Em que uma gestão sustentável das florestas evita desastres, dos dramas dos incêndios, à erosão do solo e escassez hídrica.

Como avaliam a importância da bioindústria florestal no panorama nacional?

A nossa avaliação tem de ser deveras positiva. Repare, em 2023, o setor da pasta, papel e cartão alcançou um volume de exportações de 3.101 milhões de euros, face a importações no valor de 1.455 milhões de euros. Ou seja, exportámos mais do dobro do que importámos, mantendo um saldo comercial altamente positivo, com as exportações a serem 2,13 vezes superiores às importações. Este desempenho continua a ser essencial para mitigar o tradicional défice da balança de bens portuguesa.

O impacto não é só económico…

Além do impacto económico direto, esta é uma fileira estratégica para a coesão territorial, com forte presença em zonas do interior e rurais. Através das empresas que a integram, são transferidos anualmente cerca de 325 milhões de euros diretamente para a economia rural dos 18 distritos do continente, contribuindo para a fixação de populações, criação de emprego e desenvolvimento local. Estes resultados confirmam a importância do setor enquanto bioindústria de futuro, sustentável, exportadora e ancorada no território.

Quais são os principais desafios e oportunidades que esta indústria enfrenta hoje em Portugal?

Há certamente oportunidades de crescimento em termos de produtos nova geração, mas o grande desafio, neste momento, é a matéria-prima. Não porque não exista área suficiente em Portugal, mas porque está limitada, do ponto de vista legislativo, ao nível de novas plantações e porque a deflorestação que está a ser levada a cabo não está a ser compensada com novas áreas que permita à indústria recorrer unicamente à matéria-prima nacional. Há muita floresta abandonada e sem sinais de gestão em Portugal, para a qual são necessários incentivos públicos. Do ponto de vista económico, o setor florestal deve continuar a gerar empregos e a promover a bioeconomia.

Qual o volume de investimento realizado no setor?

A Biond entre 2019-2025 já investiu 20 milhões de euros, beneficiando quase 100 mil hectares e 10 mil produtores florestais. Mas, para alavancar este esforço à escala nacional, replicando o sucesso destes programas, é necessária a intervenção do Estado, que tem declarado considerar fulcral os serviços de ecossistema gerados pela floresta, identificando a boa gestão como peça fundamental para a resiliência aos incêndios. Para tal, é preciso trazer mais valor económico para a floresta, por via da gestão ativa dos proprietários florestais que muitas vezes abandonaram as suas terras. O potencial de uma floresta com três milhões de hectares em Portugal, mas em que apenas uma diminuta parte apresenta sinais de gestão, necessita de uma sinergia entre o setor público e privado, e a Biond já apresentou várias propostas nesse sentido. É essa uma das nossas forças motrizes que nos faz trabalhar de norte a sul do país, 12 meses por ano, para demonstrar a decisores e proprietários que é possível, bastando replicar o que faz por via dos programas operacionais, com provas dadas que mais não são que um exemplo de boa gestão, por via de operações florestais que podem ir da limpeza à adubação, correção de densidades e reflorestamento. Sem políticas públicas eficazes, a floresta não poderá continuar a ser um motor de desenvolvimento sustentável, colocando Portugal no pelotão da frente.

De que forma a fileira da fibra e pasta florestal contribui para o desenvolvimento das comunidades locais?

Esta indústria gera uma cadeia de valor de 180 graus, ou seja, abrange, desde a plantação de arvores até à exportação do produto final. É uma fileira bastante integrada e que ao longo dos anos tem abastecido Portugal com produtos renováveis, para além de exportar para mais de 130 países. Esta fileira é um pilar fundamental da nossa bioeconomia. Ou seja, demonstra que a floresta, caso os seus recursos sejam devidamente geridos, gera valor económico e ambiental. O crescimento sustentado deste setor é prova cabal do trabalho de excelência das empresas nacionais numa óticas de inovação e sustentabilidade.

Há um impacto social importante…

Socialmente, a floresta é também um vetor de desenvolvimento. Uma economia rural, local, constituída por inúmeras povoações, comunidades de produtores florestais e madeireiros e agricultores, depende diretamente dos recursos florestais para a sua subsistência e cultura. E, ao promover uma gestão sustentável, garante-se a estas populações meios de vida dignos.

Existem estratégias específicas para reforçar o emprego e a qualificação profissional no setor?

Temos o compromisso de unir esforços e dinâmicas, entre associadas, parceiros e demais interessados em alavancar a bioindústria florestal. Desde logo, cabe-nos divulgar as áreas profissionais nas quais o setor está mais carenciado. Dou-lhe o exemplo da engenharia florestal, uma profissão que raramente é destacada, mas que oferece desafios extraordinários. Estivemos em março na Futurália, espaço por excelência para sensibilizar os presentes a este respeito. E sentimos um grande interesse e adesão, uma preocupação em encontrar alternativas às tradicionais áreas, por demais sobrecarregadas. Um outro projeto que vale a pena destacar é o Advance Forest, uma iniciativa dedicada a capacitar técnicos de máquinas florestais, de diferentes proveniências, para qualificar e atualizar valências que lhes permitam responder às exigências do setor florestal. Este projeto é composto por dois pilares fundamentais, as Tecnologias Avançadas nas Operações Florestais e a as Boas Práticas na gestão de uma floresta sustentável. Estudantes que procuram oferta de emprego garantida e especialistas florestais que buscam novos desafios têm nas bioindústrias de base florestal uma aposta garantida, pois atualmente a oferta é mais alta que a procura, sendo que a tecnologia e a sustentabilidade são hoje componentes essenciais nestas saídas profissionais.

Como é que a Biond promove práticas sustentáveis na gestão florestal?

O futuro do país depende da forma como tratamos os nossos recursos naturais, hoje. Esse é mesmo um dos grandes desafios que nos propomos. A floresta é um ativo essencial para garantir um futuro próspero e equilibrado. Em Portugal, onde biomas florestais representam 36% do território nacional do território nacional, quando as cidades são apenas 5%, a gestão inteligente destes recursos naturais pode impulsionar a economia e garantir o bem-estar para as futuras gerações. Queremos passar a mensagem que a floresta é um ativo estratégico que, quando gerido com responsabilidade, pode garantir prosperidade económica, equilíbrio ambiental e justiça social. Posto isto, precisamos que o compromisso com a sustentabilidade seja em definitivo incentivo para a consecução de políticas públicas eficazes, por via do fomento da bioeconomia e da promoção de uma cultura de preservação e uso consciente da floresta. Somente assim garantiremos um país mais equilibrado e preparado para os desafios do futuro.

O setor enfrenta desafios relacionados com incêndios florestais e biodiversidade. Que medidas estão a ser tomadas para garantir a resiliência das florestas?

O setor florestal reconhece plenamente os desafios cada vez maiores que são colocados pelos incêndios rurais e pela necessidade de preservar a biodiversidade. Perante esta realidade, as nossas associadas têm vindo a implementar uma estratégia integrada para aumentar a resiliência das florestas. Uma floresta plantada gerida é uma floresta com uma resistência muito maior ao fogo. Sabemos que a floresta intervencionada pelos Programas Operacionais é quatro vezes mais resistente ao fogo quando comparada com uma floresta não intervencionada. Em primeiro lugar, com a aposta numa gestão florestal com base em dados científicos e tecnologias digitais, que nos permita monitorizar em tempo real o estado das nossas áreas florestais e antecipar riscos. Através de sistemas de alerta precoce e do uso de inteligência artificial, conseguimos agir preventivamente em relação a incêndios.Em segundo lugar, é notória a aposta na diversificação das espécies e melhoria das espécies existentes mais adaptadas às novas condições climáticas. Sendo as alterações climáticas uma realidade e as secas uma constante, e tendo em conta a nossa exposição ao continente africano, é importante termos uma floresta adaptada aos desafios climáticos. Adicionalmente, existe uma estreita colaboração com comunidades locais, entidades públicas, associações e centros de investigação, pois só uma abordagem colaborativa permite enfrentar ameaças complexas como as alterações climáticas. A nossa visão é clara: florestas saudáveis e produtivas são essenciais, não só para o setor, mas para o bem-estar ambiental e social de todo o país. A floresta produz bens públicos e por isso deve ser alvo de investimento público.

O que se espera para a evolução da fileira da fibra e pasta florestal nos próximos anos?

A disponibilidade de matéria-prima é condição sine qua non para que a fileira da fibra e pasta florestal se continue a afirmar como um setor estratégico para uma economia mais circular, descarbonizada e orientada para a bioeconomia, ao combinar produtividade, sustentabilidade e um forte enraizamento no território. Nos próximos anos, a ser garantida a condição de abastecimento nacional, esperamos uma evolução sustentada, alavancada por três grandes vetores: inovação, sustentabilidade e internacionalização.

De que forma?

Por um lado, a floresta garante uma matéria-prima de origem natural e renovável que, além de captar carbono, permite a produção de soluções sustentáveis para substituir materiais de origem fóssil, como plásticos e derivados do petróleo. Produtos à base de fibra florestal, como embalagens, têxteis ou biomateriais, já são hoje alternativas viáveis e competitivas para diversos setores. Depois, esta é uma fileira com forte integração na economia circular. São valorizados todos os subprodutos do processo produtivo, como energia renovável ou matéria-prima para outros setores — e apostamos continuamente na eficiência energética, na reutilização de água e na redução de resíduos. Por outro lado, a transição energética e a crescente exigência ambiental por parte dos consumidores e reguladores está a acelerar o investimento em processos de produção mais eficientes e com menor pegada de carbono. A indústria nacional já dá cartas neste domínio, e acreditamos que continuará na linha da frente da inovação sustentável. Além disso, vemos potencial para reforçar a nossa competitividade internacional. O setor da pasta e papel já é hoje um dos principais exportadores nacionais, e tem todas as condições para crescer com base em valor acrescentado, tecnologia e gestão responsável dos recursos. Paralelamente, esta fileira tem impacto direto no ordenamento do território e na gestão sustentável das florestas, contribuindo para a resiliência dos ecossistemas e para a prevenção de riscos, como os incêndios. É uma forma concreta de conciliar desenvolvimento económico com conservação ambiental.

A bioeconomia está a ganhar relevância globalmente. Como Portugal pode liderar nesta área?

Portugal pode (e deve) posicionar-se como referência europeia na bioeconomia florestal. Temos os recursos, o know-how e o compromisso. Cabe-nos agora transformar este potencial numa liderança concreta, com impacto económico, ambiental e social duradouro. Desde logo, por assumir um papel cada vez mais central na resposta global aos desafios das alterações climáticas, da escassez de recursos e da necessidade de transição para modelos económicos mais sustentáveis. Portugal tem condições únicas para assumir uma posição de liderança nesta área, e a Biond está empenhada em contribuir ativamente para isso.

Há os recursos para o conseguir?

Em primeiro lugar, dispomos de uma base florestal robusta, renovável e bem gerida, que nos fornece matéria-prima de origem florestal com grande potencial de valorização. A fileira da fibra e pasta florestal é um excelente exemplo de como é possível transformar recursos naturais em produtos de alto valor acrescentado, com baixo impacto ambiental e aplicação em múltiplos setores. Em segundo lugar, Portugal conta com um ecossistema industrial e científico cada vez mais preparado para a inovação. A colaboração entre empresas, centros de investigação e universidades é essencial para o desenvolvimento de novos produtos, processos e modelos de negócio baseados na bio economia. Há um claro investimento precisamente nessa interligação, promovendo inovação aberta e projetos de I&D em áreas chave. Por fim, a liderança a este nível implica visão estratégica e políticas públicas que reconheçam o valor das cadeias de base florestal, do investimento em tecnologia e capital humano à valorização do território rural, onde muitos destes recursos se encontram.