
Retornados ao Porto após o Mundial de Clubes, houve uma reunião, algures no Dragão, entre André Villas-Boas, o presidente, Jorge Costa, o diretor para o futebol, e Andoni Zubizarreta, o diretor-desportivo. Três treinadores no antigamente abeirados de uma mesa, nestes episódios surge sempre a velha mesa, alegórica ou literal. Houve depois outra reunião, no mesmo dia, com Martín Anselmi, o quarto técnico e único em funções, onde decidido terá ficado que a estadia do argentino no banco do FC Porto era para cessar. Sem que a relação entre ele e clube fosse cortada logo ali, no batido e figurativo “murro na mesa” clamado por Villas-Boas, dias antes, nos EUA, quando a permanência no Mundial de Clubes ainda era uma possibilidade.
Porque estas intermitências no futebol obedecem também a números, finanças e tabelas de gastos e ganhos, uma saída de Anselmi até 30 de junho implicaria que eventuais despesas com a rescisão do treinador constassem, daqui por uns tempos, no relatório e contas relativo a esta época e cujo exercício termina a 30 de junho, como é habitual. Dobrado o cabo do mês onde entra o verão, o FC Porto deu notícias logo neste primeiro dia de julho.
O clube informou, esta terça-feira, que “iniciou negociações com o treinador Martín Anselmi para a cessação do contrato de trabalho desportivo que vigorava desde janeiro de 2027”. O comunicado é claro: “Em causa a cessação do contrato.” O objetivo será então assinar um outro, com Francesco Farioli, treinador italiano que apraz a Villas-Boas. Confirmado fica, apesar de ainda sem conclusão - escreveram os jornais desportivos sobre a recusa de Anselmi em abdicar de um cêntimo dos salários a que tem direito -, que se vai extinguir o oásis de esperança que o argentino pareceu ser quando chegou.
O deserto de evolução da equipa, em campo, desclassificou-o com o andar dos meses a miragem. E o gesto metafórico a que o presidente portista aludiu, pré-empate desapontante dos dragões contra o Al-Ahly, virou um punho fechado com um efeito prático: Anselmi não será o treinador do FC Porto na próxima temporada, a segunda seguida que o clube terá de arrancar com um novo técnico. Trabalhando o clube para a rescisão com o argentino de 39 anos, vindo há cinco meses do México para receber uns 2 milhões de euros brutos por época, o FC Porto, dependendo das negociações, poderá ter de arcar com o seu salário até Anselmi encontrar novo albergue, mesada semelhante à que os dragões ficaram a pagar a Vítor Bruno, também ele ainda órfão de novo emprego.
A mão fechada desta decisão extingue, em definitivo, a bruma de novidade de Martín Anselmi que pouca fragrância teve nas suas últimas semanas no cargo, desde que o FC Porto fechou o campeonato a 11 pontos do campeão Sporting, a nove do Benfica e um pouco às aranhas com o SC Braga para segurar o terceiro lugar. Não por culpa inteira do argentino, mas, há cinco meses, o novo treinador trazia com ele um certo perfume de novidade, ar fresco por via do que o desconhecido poderia dar.
A promessa era das não ditas, antes soprada pelo vento das reputações, quando se desconhece o sujeito a fama arromba a porta com o pé em riste, sem filtros, nem cautelas. Vindo de longe, com um oceano pelo meio, e tão jovem, a de Martín Anselmi carregava coisas fáceis para o ouvido: vinha aí um treinador fã de Pep Guardiola (quem nunca?), um apaixonado por futebol (não são todos?) que obrigava a mulher a trepar às árvores para filmar os treinos da sua amadora primeira equipa, um homem com certa dose desvairada (afinal, é argentino) no amor pela bola que chegou a vender uma motorizada e poder pagar uma viagem a Bilbau, para ir ver o Athletic de Marcelo Bielsa.
Estávamos em janeiro. O FC Porto encavalitado sobre o botão de reset outra vez, seis meses volvidos, destrambelhado novamente com tantas mudanças em tão pouco tempo. Antes saíra Sérgio Conceição a reboque do destronar protagonizado por André Villas-Boas, o novo presidente do clube que encontrou na sombra do último treinador de Jorge Nuno Pinto da Costa o seu primeiro técnico. Arriscou, escolheu Vítor Bruno, o golpe de asa entortou-se. O voo dos dragões chegou a ver a liderança do campeonato à distância de uma vitória, mas a equipa perdeu-se, caindo com as divagações do técnico.
Preterido o seu projeto inaugural, teve AVB de escolher uma vez mais. Olhou para lá do futebol eurocêntrico, decidiu dar outra chance ao risco e veio Martín Anselmi do Cruz Azul do México, antes proveniente do Independiente del Valle do Equador, onde aterrara vindo do Unión La Calera do Chile. Ao lado de lá do Atlântico foi buscar o argentino licenciado em jornalismo, outro gatilho rápido da reputação, para nas conferências de imprensa colar um “buenas tardes, ¿cómo estás?” na introdução para cada resposta.
Com o tempo, o homem das tiradas inspiradoras, de início pródigo em devaneios filosóficos e descascamentos de métricas futebolísticas, encurtou-se a ele próprio. Virou sucinto, com reações lacónicas e curtas nas flash-interviews posteriores às exibições de maior intermitência da equipa do FC Porto. À medida que o futebol dos dragões emperrou, o próprio Anselmi perdeu vagar para grandes discursos. E no seu fim de conversa seria devolvido à margem oposta do charco, lá longe no tórrido Mundial de Clubes, cozinhado no lume escaldante do calor dos EUA onde os dragões empataram com o Palmeiras e o Al-Ahly, perderam com o Inter Miami e empalideceram ainda mais a imagem que tinham com o treinador.
Foram 21 jogos em cinco meses, dos quais Anselmi pouco retirou à lupa resultadística: 10 vitórias, seis empates e cinco derrotas, com 32 golos marcados e 25 sofridos, que são bastantes. Nove deles no Dragão, perante o olhar e a impaciência dos adeptos, onde o FC Porto com o argentino ganhou apenas quatro dos oito encontros caseiros que teve. Os números tímidos não pintam o retrato completo de uma equipa que o clube, algemado pela sua frágil saúde financeira, inspiradora de cautelas e contenção, manteve desguarnecida de armas semelhantes às de anos recentes, noutros períodos também delicados, mas não tão convulsos como este.
O FC Porto mais depauperado de talento ficou em janeiro, quando Nico González e Galeno saíram na entrada de Martín Anselmi. A perda de talento explicará uma parte do insucesso do argentino, outras há da responsabilidade de um treinador dado a experiências, a trocar jogadores de posições entre jogos e durante as partidas. Anselmi pareceu ter cinco meses a apalpar terreno, a competir enquanto se adaptava e tentava descobrir soluções. A pressão vinda de cima, pelo menos dita para fora, nunca mudou. “A exigência do FC Porto não é esta”, lembrou Villas-Boas, há dias, no Mundial de Clubes. “Estamos absolutamente focados no próximo ano em conquistar o título, porque os portistas assim o merecem”, assumiu o líder, sem freios, porque os adeptos “já muito têm tolerado”.
Prévio à despedida da equipa do torneio, com o pálido FC Porto a piorar a sua imagem a cada jogo nos EUA, o presidente dos dragões exaltou que havia que esmurrar a metafórica mesa. Por entreposta via, em conferência de imprensa, Martín Anselmi respondeu que era preciso “saber que murro se quer dar”. Quis André Villas-Boas, uma vez reunida a cúpula portista, fazer desse punho fechado um despedimento. Martín Anselmi já não é treinador dos dragões acabados de dar duas semanas de férias aos jogadores e com julho já aí tão perto.
Com 14 meses feitos na presidência portista, escudado para o futebol pelos diretores Andoni Zubizarreta e Jorge Costa, esmurrou, outra vez, qualquer vislumbre de estabilidade no banco da equipa. Regressado ao botão que mais tem usado, o FC Porto vai agora de recomeçar, outra vez. Diz-se que com Francesco Farioli.