
Roberto Martínez, Paulo Jorge Pereira e Jorge Braz, respetivamente selecionadores nacionais de futebol, andebol e futsal, estiveram esta quinta-feira na Universidade do Minho, onde marcaram presença numa conferência sobre o alto desempenho em ambientes exigentes. Aí, foram abordados temas como o desgaste da profissão, os jovens talentos ou as diferentes abordagens a situações menos positivas.
Roberto Martínez
Convocar e não convocar um jogador: "Quando precisamos dar as noticias más tem de ser cara a cara e mais ninguém na sala. Nas notícias boas, é uma questão de celebração entre todo o grupo. Para manter a relação nas conversas difíceis. A conversa difícil com um jogador que fica de fora é essencial. A pessoa nunca pode ficar com dúvidas sobre o porquê de não jogar. É explicada a razão porque não joga e depois se melhorar há a opção de regressar."
Stress positivo: "O stress é bom neste sentido. Quando tenho stress, tomo as melhores decisões. Sabemos que o stress evita dormir, comer e isso é a parte negativa, mas o stress em si é o maior foco que podemos ter. Estamos numa era da informação, tudo novo. Gostamos de coisas excecionais e o mais importante para o alto desempenho é fazer as coisas simples de uma forma excecional."
Os jovens atletas da nova geração: "Quando eu era jovem queria uma bola e o que fazia era criar um processo. Esperava pelo Natal para a ter. Agora não. Um jovem pega no telemóvel e a bola chega. No balneário avaliamos os jogadores em três dimensões. A qualidade individual, depois a experiência. Finalmente, o compromisso. Nas gerações novas não há nada que possa dizer que têm fome. Ter fome é tudo. A nova geração não acredita no processo, quer já, no imediato. Não acreditam que há um processo. Um jeito para equilibrar é a fome e quando um jogador tem fome, tudo muda".
"A minha paixão é juntar pessoas para lutar pelo mesmo objetivo. Há uma palavra importante: a curiosidade. Os humanos normalmente têm medo e não são curiosas. Gostam de hábitos. E mudar de hábitos é ser curioso. Por isso, é importante que todos os dias possamos ser mais curiosos e tenhamos a oportunidade de mudar".
"Há três aspetos no alto desempenho que são importantes numa equipa de Elite: a clareza. Quando entramos no balneário percebe-se a falta de clareza que existe nos jogadores e devemos encontrar um ambiente que os proteja. Preparar um jogo em três dias com 26 atletas não é fácil. A 2ª é o 'eu' : É importante o sucesso individual e deve-se mostrar esse caminho através de vitórias coletivas. A 3ª: uma equipa de elite precisa de fazer melhor hoje do que ontem e assim constantemente".
Paulo Jorge Pereira
Importância do stress: "Há o bom stress e o mau stress. O bom ajuda-nos a impulsionar. Para mim uma equipa feliz é o caminho para o sucesso. Já pensei tanto no meu ego. Mas hoje cometo menos erros. Tenho de estar ao serviço dos atletas e não o contrário. No início os jogadores não se sentiam bem, com medo que pudesse acontecer alguma coisa se emitissem uma opinião, mas eles sabem que não é um problema. A confiança é muito importante. O staff é um elo muito importante de toda a equipa. A comunicação é fundamental e isso tem de ser trabalhado".
Não convocar os atletas: "Há regras que temos de cumprir e por vezes há mudanças que não posso fazer. No próximo ano vou trabalhar no Dínamo Bucareste com atletas que não escolhi. Se continuar no ano seguinte, poderei escolher os atletas que se adaptam melhor. Para explicar a não convocação, procuro ter uma comunicação sistemática e procuro gerir as expetativas, sendo claro com o que esperamos deles. Isso resolve muito o problema. Tento manter algum contacto com eles e isso gera muita confiança. Temos de explicar porque não são convocados e por vezes não entendem o porquê. A clareza na comunicação resolve ou antecipa a forma como as pessoas encaram o facto de não jogarem".
Profissão desgastante: "Li sobre o burnout e fiquei atento a alguns indicadores que podia servir se algum dia estivesse nessa situação. Acumulo a equipa com a seleção porque ganho mais dinheiro e porque sei que quando chego à seleção consigo ser mais eficaz. Se não estiver numa equipa, demoro mais tempo a chegar. Estar a treinar todos os dias mantém-nos mais em forma. Após o Mundial na Eslovénia tive um dia todo em casa, perto 4 kg em 15 dias. A maioria das pessoas não tem ideia do que fazemos. Pensa que olhamos para eles, para a bola, e siga o jogo. Após o Mundial irritava-me com tudo, andava desmotivado, quando olhava para o computador senti náuseas. Sentia-me um burro emocional. Resolvi com sono, exercício, natureza, comecei a fazer coisas que antes não fazia,. Ler, ver séries, cozinhar, limpar a casa mais vezes. Aumentei a minha eficácia no meu tempo, fazer igual ou melhor utilizando o mesmo tempo. O que mais me ajudou foi ter as metas as pairar".
Jorge Braz
Alto desempenho em ambientes exigentes: "O desafio e o erro são das coisas mais importantes para melhorar. Depois parece-me algo tão negativo e assustador. Foi um privilégio chegarmos a um Mundial e ganhar. Temos de continuar o nosso processo, sendo cooperantes nas tarefas e nos momentos, sem fazer copy paste. Como recriar num contexto positivo: colocando novos desafios. A superação terá de ser maior porque os adversários estão mais atentos ao mais pequeno erro nosso. Por isso, temos de preparar ainda melhor o próximo Europeu, porque não será igual ao de 2022. Vai haver uma nova forma de olharem para nós".
Como dizer a um jogador que não vai jogar: "Não convocar um jogador para um Mundial é mexer com a carreira dele. Há questões que condicionam as decisões. É importante perceber como conectamos os jogadores em questões diferenciadas. Uma grande equipa é feita de pessoas diferentes. Haverá momentos em que a extravagância de um jogador será importante para decidir e é isso que me deixa satisfeito".